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Disco do Dia: Criatura – “Aurora”

Criatura – “Aurora”

Tradisom (2016)

Edgar Valente, músico de formação clássica “rebelde” que tem explorado as áreas do funk e da electrónica, tinha um sonho. Durante uma residência artística em Serpa testava o conceito de total liberdade de criação tendo por base a música popular portuguesa, em especial a alentejana. Samplou cante local, programou batidas e chegou à conclusão que precisava de energia humana. Assim nasceu esta criatura de onze elementos em forma de big band de folk-rock progressivo, que se desenvolve e se transforma constantemente.

A Criatura é assim uma espécie de Bellowhead à portuguesa, em modo “jam”, exploratório musical e performativo, que recebe membros de diversas áreas musicais (funk, punk, jazz, tradicional) e proveniências (Compotas, Pás de Problème, Adducantur, Pé na Terra, Zarabatana, etc) cuja maior virtude é a de beneficiar de diferentes saberes e energias de cada um dos elementos sem que a Criatura soe aos outros projectos dos quais este músicos também fazem parte ou se transforme num “frankenstein” incontrolável. E o maior exemplo disso é a forma como o “gaiteirinho” Ricardo Coelho usa a gaita-de-foles, gralha e flautas sem que soe a norte da Península Ibérica ou ao universo “celta”, como o genial trompetista Yaw Tempe vai polvilhando todo o disco, ora com frases melódicas, ora com improvisos com assinatura, ou como Gil Dionísio (voz e violino carregado de efeitos) imprime um suplemento vitamínico nesta Criatura, qual Renato Sanches a levar o meio-campo do Benfica às costas. Ora oiçam o acelerado e esquizofrénico “Tempo” (tão, mas tão diferente daquele que as Tucanas gravaram às uns anos atrás), ou força funk do “Pastor Sem Cajado” e a “Algaraviada” ska-punk.  

“Aurora”, o álbum e a enorme ópera “trad” de quase nove minutos que dá título a este álbum, é um baú sem fundo de surpresas remexido por estes netos perdidos da Banda do Casaco, com momentos sublimes de sopros, piano e cordofones. Esta espécie de segundo andamento de “Filhe” (que abre o disco depois da introdução “A Primeira”) abre espaço para a versatilidade e força do cante alentejano do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, tomando completamente as rédeas nas faixas seguintes: “Moda Nova” e “Menina da Paz” (este, como se cantassem um quase fado).       

Nesta montanha-russa sonora e energética, saúda-se igualmente a produção do veterano Tó Pinheiro “Bat Man” da Silva e o espírito DIY, não só da banda, mas também do colectivo de designers Duck.Production, responsáveis pela obra-prima gráfica que é o “packaging” de “Aurora”, constituído por vários tipos de papel, do vegetal ao reciclado. Repleto de montagens de imagens com história(s) que fazem lembrar as saudosas fanzines punk dos anos 80.

Obra de coleção obrigatória.

PS: A Criatura inaugura hoje o programa do recinto do Castelo na edição de 2016 do FMM Sines.

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