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Toques do Caramulo – “Mexe”

Toques do Caramulo – “Mexe”

d’Orfeu / d’Eurídice (2017)

Em pleno 2017, são comuns os desabafos dos músicos profissionais e amadores, da área do rock ao folk, a uma certa cultura da gratuitidade imposta por quem organiza todo o tipo de festivais ou festividades camarárias. Continua (e continuará) a haver quem pense que os músicos vivem do ar e que não têm contas para pagar. Ao que parece, há cerca de uma centena de anos atrás, também era assim. Daí que houve quem oportunamente elaborasse o “Padre Nosso dos Músicos” que, de tanto ser transmitido de boca em boca, foi ganhando várias variantes.  A versão recolhida na serra do Caramulo por Américo Fernandes reza assim: “Padre Nosso que organizais festas, santificado seja o vosso dinheiro, venha a nós o vosso arame, seja a feita a vossa vontade, tanto no salão como no coreto, perdoai-nos algum toque falso ou alguma nota desafinada, assim como nós vos perdoamos o pedido de abatimento no preço e livrai-nos de festas gratuitas e a seco. Amen”. É este Padre Nosso o grande cartão de visita do terceiro álbum dos Toques do Caramulo que se dedicam há 17 anos a mexer e remexer no extenso espólio popular tocado, dançado e vivido nas várias povoações da Serra do Caramulo. É este Padre Nosso que convida o feiticeiro brasileiro Hermeto Pascoal a testar o seu Som da Aura em duas versões deste “Padre Nosso dos Músicos”.

Sem se afastar um milímetro do foco que esteve na origem da criação deste projecto, “Mexe” mantém a idílica viagem sonora pela pureza dos viras dançados em Sangalhos, Aguada, Vidoeiro, Areosa, Anadia, Falgaroso da Serra, Macieira de Alcoba, entre outras singelas localidades circundantes e continua a oferecer sofisticados arranjos que evocam quer a folk ibérica tão querida a Eliseo Parra que produz e canta neste disco (em conjunto com o bandolinista Manuel Maio do fabuloso projecto A Presença das Formigas), quer a folk do Atlântico Norte, das Ilhas Britânicas ao Quebeque e à cordilheira dos Apalaches.

Curiosamente, já muita gente passou pelos Toques do Caramulo. Da formação que gravou “Retoques” em 2011 restam apenas o mentor Luís Fernandes (voz, acordeão, flauta, viola braguesa) e Miguel Cardoso (contrabaixo). As entradas de Pedro Martins (bandolim, violino), Alex Duarte (guitarra, flauta) e Gonçalo Garcia (bateria e percussões) parecem não ter provocado qualquer turbulência na génese e na sonoridade do projecto. Quem oiça os álbuns “Retoques” e “Mexe” de seguida apenas irá reparar que há agora um maior naipe de vozes ou um bandolim (não só do Pedro Martins como também do Manuel Maio) mais presente. É por isso notável a sua capacidade de resiliência e fortíssima identidade. Os músicos passam-se mas a génese dos Toques do Caramulo mantém-se imaculada.

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