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Ronda dos Quatro Caminhos – “Sopas do Espírito Santo”

Ronda dos Quatro Caminhos – “Sopas do Espírito Santo”

Ocarina (2017)

Em conversas de faca e garfo, o mestre da viola campaniça e ensaiador de grupos corais alentejanos Pedro Mestre dizia ao visualista e documentarista todo-o-terreno Tiago Pereira que o melhor que se leva desta vida de músico da tradição popular “é o que come, o que se bebe e o que se passeia”. A Ronda que descobriu há cerca de quinze anos atrás a fórmula mágica da música e da produção lenta (tal como o movimento “slow food” para melhorar apreciação da arte e reforçar os laços entre os criadores)  que deu origem à belíssima obra “Terra de Abrigo” que une cante alentejano e orquestrações clássicas, volta a editar mais uma empreitada de grande envergadura agora centrada no cancioneiro açoriano, tão belo quanto pouco divulgado, onde chegaram a participar cerca de três centenas de intérpretes distribuídos pela Orquestra Regional Lira Açoriana (espécie de seleção local dos jovens músicos das Bandas Filarmónicas das várias Ilhas dos Açores) e por um lote assinalável de Coros Polifónicos de várias proveniências, músicos de formações folk como a Ronda da Madrugada, ou vários tocadores de viola da terra, entre outros, registados, entre almoços e jantares regionais, em todo o arquipélago. Tiago Pereira diria mesmo que esta era a melhor forma de “afinar” Adélia Garcia.

Ao mergulharmos nas “Sopas do Espírito Santo”, reencontramo-nos com dois dos grandes momentos nos espectáculos da Ronda há, pelo menos, mais de 25 anos, como é o caso de “Batuque” e “Balho da Povoação” (registados no disco ao vivo no São Luiz de 1993 – “Uma Noite de Música Tradicional”), num registo marcadamente filarmónico e coral, totalmente contaminado pelos sopros, flautas doces e naipes de vozes muito diversificados e um dos grandes pontos altos da digressão de “Terra de Abrigo” que não dispensava o belíssimo “Sol Baixinho” para rematar em beleza a celebração alentejana.  

Acima de tudo, “Sopas do Espírito Santo” devolve-nos a magia das danças de folia, charambas, chamarritas, sapateias, cantos de peditório e de enaltecer o divino Espírito Santo, algo obscuras para ouvidos continentais, que já foram trabalhadas como peças de filigrana por Helena Oliveira (tocada pelo trabalho de campo do Grupo de Cantares Belaurora) com a colaboração de músicos de excelência como Quiné Teles, Filipe Raposo, Manuel Rocha, Zeca Medeiros, José Manuel David, Jon Luz e Amadeu Magalhães, entre outros no maravilhoso álbum “Essências Acores” (Edição HM Música, 2010). Casos de “Cantar à Meia-Noite”, “São Gonçalo Viageiro” ou “Triste Fado”.

Depois de exploradas a música e a gastronomia alentejana (“Terra de Abrigo”), minhota, transmontana e galega (“Tierra Alantre”) e agora açoriana, resta-nos aguardar pela próxima grande empreitada da Ronda. Um encontro madeirense entre filetes de espada e bifes de atum acompanhados de milho frito com a Xarabanda e o bandolinista Norberto Cruz não era nada mal pensado. Fica o repto.

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