Discos

Griselda Sanderson & Ricardo de Noronha – “Veer”

Griselda Sanderson & Ricardo de Noronha – “Veer”

Waulk Records

Ao longo de anos e décadas em que vamos acompanhando o fascinante universo das músicas todo-o-terreno, vamos tendo certamente as nossas epifanias, mas também algumas desilusões, não porque a música seja má, mas porque aquele músico ou banda acabou por não gravar o disco que ansiávamos há muito tempo, ou porque os colectivos se fragmentam quando menos esperamos. Neste contexto, o alquimista e paisagista sonoro portuense Ricardo de Noronha ficou a dever-me dois discos. Um dos Mandrágora que fosse ainda melhor do que o excelso “Escarpa” (não tarda nada faz 10 anos); o outro, o sucessor do não menos aventureiro “São Bassáridas” dos precocemente extintos Capagrilos. Mas todo o fascinante trabalho que Ricardo de Noronha tem desenvolvido em Inglaterra de há uns dois anos a esta parte com a escocesa Griselda Sanderson, em duo, ou com a Radial Band, fez com que a sua “dívida” tivesse sido há muito tempo saldada.    

Griselda Sanderson, especialista em cordas nórdicas (nyckelharpa sueca e hardingfele norueguês) é, a par do músico e cronista da Folk Roots, Andrew Cronshaw, a individualidade britânica com mais sensibilidade para compreender as paisagens selvagens, as celebrações xamãs (da Lapónia, à estepes de Tuva e densa floresta Maia) e a prolífica improvisação da folk nórdica, das aventuras jazzísticas-experimentalistas de Karl Seglem, ao dogma de Heikki Laitinen que instigava os seus alunos da Academia Sibelius a comporem a folk que ainda não tinha sido criada.

Ouvir este “Veer” é viajar numa cápsula do tempo e desembocar no Cantigas do Maio do Seixal que nos apresentou fascinantes projectos como os “transglobais” Verski Da Koreshki (onde tradições russas e o canto gutural de Tuva se misturam com o etnojazz libertino e a espiritualidade mandinga), Suden Aika das finlandesas Tellu Virkkala e Sanna Kurki-Suonio (a dupla alma “kalevaliana” dos Hedningarna), o trio sueco Väsen com o percussionista de sangue índio André Ferrari, ou os selvagens húngaros Vasmalom das hipnóticas fujaras.

“Veer” é tudo isto e muito mais. Revela-nos um Ricardo de Noronha muito mais compositor e instrumentista. Um mago das flautas de harmónicos e do berimbau de boca que traz consigo a beleza rude e hipnótica das paisagens sonoras nórdicas dos suecos Groupa de Jonas Simonson, ou do finlandês Tapani Varis. É um disco com muitos mundos. Desde ambientes de música antiga que evocam o espírito renascentista de John Dowland (“Heliotrope”), ao ritual transe griot do riti de Griselda (o tal violino de uma corda que o gambiano Juldeh Camara toca com o britânico Justin Adams) em “Dan-Moi”, passando pela Transilvânia de “Srivatsa” e pelo Mediterrâneo persa e sefardita de “Kairos” (com o dulcimer do convidado portuense Nuno Siva dos Adducantur) e inflexões árabes em “Grey Wethers” e “Fernworthy Circle” (com o alaúde do marroquino Soufian Saihi). Por entre tanta referência europeia, africana e asiática, Griselda Sanderson & Ricardo de Noronha seguiram a premissa do finlandês Laitinen: criaram em “Veer” a folk que ainda não tinha sido inventada.

Previous ArticleNext Article

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.

pt_PTPortuguese
pt_PTPortuguese

Send this to a friend