Reportagens

Hermínia: mornas estilizadas de sangue quente

Uma das grandes qualidades que distingue o FMM de Sines é uma certa obsessão pelo pormenor, quer em Sines, quer na extensão de Porto Covo. Grande parte dos músicos que vou podendo entrevistar revelam-se quase sempre surpreendidos com a forma como são recebidos pela organização. No ano passado, Oleksandr Yarmola, o vocalista ucraniano dos Haydamaky, que prolongaram a sua actuação para além de todos os limites (mais de duas horas em palco), mostrava-se estupefacto com as condições que tinha no back-stage, com a reacção do público português que, mesmo assim, devido ao adiantado da hora, foi abandonando o recinto progressivamente. Na noite da actuação de Hermínia, o tocador de harmónica e banjitar dos norte-americanos Hazmat Modine, Wade Schuman, falava-me na boa comida, no abraço que recebeu do produtor e até mesmo nos tapetes e dos vasos com plantas que se encontravam na zona da área de produção. Algo que não tinha visto nem sentido em festivais da Europa «civilizada» por onde tinha andado nos dias anteriores (na Suíça e na Áustria).

Se antes do espectáculo d’ A Naifa havíamos sido brindados com o video da actuação do projecto que uniu no mesmo palco Cristina Branco, Segue-me à Capela e Brigada Victor Jara, pouco antes de Hermínia, os ecrãs do FMM em Porto Covo exibiam toda a riqueza e beleza da música cabo-verdiana dos Simentera. Que saudades de ver Teté Alhinho, Terezinha Araújo e Mário Lúcio juntos num só palco a explanar toda a riqueza musical das várias ilhas do arquipelago Cabo Verdiano.

Coube a Hermínia manter o ambiente íntimista numa noite de algum nevoeiro e chuva miudinha. A costureira e prima de Cesária Évora, de postura franzina e pachorrenta, cujas feições reflectem a dureza dos seus sessenta e três anos de vida, trouxe consigo um lote de bons músicos, sem dúvida, mas pouco exuberantes, pouco dados ao improviso, limitando-se a seguir a pauta das estilizadas mornas e coladeras. Apesar do tom pouco quente, Hermínia conseguiu, em algumas canções, quebrar o gelo com arrancadas sanguíneas, criando momentos arrebatadores perante uma assistência maioritariamente não cabo-verdiana.

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