Reportagens

Big Med

Med de Loulé - Matriz

Durante três dias suei as estopinhas para conseguir circular nas ruas estreitas da Loulé antiga e assistir a um concerto na íntegra do Festival Med. Mas a possibilidade de presenciarmos um espectáculo como La Notte della Taranta, ou sentirmos a pura raça de Rokia Traoré e a graciosidade de Lura, dão-nos asas que nos livram do inferno.

O facto de não ter podido estar presente na edição de 2008 do Med e ter chegado este ano a Loulé apenas na sexta-feira, em pleno dia de maior enchente provocada pelo mítica Buena Vista Social Club, provocou em mim a sensação de não reconhecer o Med que me era familiar. Claro que, em 2007, fui muito difícil circular no espaço da Cerca, durante a actuação de encerramento dos Bajofondo. Sinais de que o Med tinha forçosamente de mudar. Os espaços dos palcos e as ruelas por onde todos circulávamos eram pequenas demais para tanta gente.

Este ano, o perímetro do Med alargou-se. Haviam muito mais ruas acessíveis, mas a igual dificuldade de circulação sentida nessa mítica noite dos Bajofondo em 2007 mantinha-se.

A organização teve forçosamente de limitar as entradas diárias a 5000 bilhetes vendidos sob pena de o Med se tornar um espaço irrespirável.

Este é, sem dúvida, não só um festival para os «maluquinhos» das músicas do mundo que, como eu estão em todo o lado (e que são reconhecidos como tal – chega a haver gente que me pergunta se sou real ou um holograma). O público é cada vez mais diversificado e, em alguns casos, assustadoramente semelhante àquele transgeracional que se acotovela nos antros consumistas, nas casas de comida rápida a um domingo à hora do almoço. Nas ruas havia cada vez mais coisas para se fazer. Os pequenos tinham o espaço Med Kids para desenhar. Os graúdos um número crescente de bares, tabernas, restaurantes que nasciam em prédios devolutos. O mítico bar Bafo de Baco ocupou durante cinco dias o espaço de uma antiga drogaria que ainda conserva o que resta dos móveis do início do Século XX. No ar escutava-se a rádio interna do festival que ia dando minuto a minuto indicações do que estava a acontecer nos diversos palcos. Antes dos espectáculos, ouvíamos vozes pré gravadas em português e em inglês a anunciarem os artistas que subiam ao palco. Inovações que se saúdam mas que nos elevam o grau de exigência, tornando-nos menos tolerantes para outros detalhes que, a seu tempo, espero ver rectificados.

Apesar da maior oferta para manter muitos visitantes afastados dos palcos principais e de um maior número de ruas abertas, era difícil transitar entre a Cerca e a Matriz e, sobretudo entre a Cerca e o Castelo. O acesso ao interior do Instituto Superior Dom Afonso III encontrava-se encerrado por questões de segurança. A par das dificuldades em avançar a toda a velocidade pelas ruas estreitas de Loulé, devido ao mar de gente que ocupava o beco mais recôndito, alguns horários sobrepostos criavam em mim o desejo de ter asas nas costas, ou de ser o rocketman para poder passar de um palco para o outro em questão de segundos. O Med transmitia-me a sensação de estar numa feira como a Womex em que raramente conseguimos ver mais do que vinte minutos de um espectáculo e em que não deveremos andar muito longe de caminhar numa noite os habituais 10 kms percorridos pelos jogadores de futebol durante um jogo de hora e meia. A todo o instante, a necessidade de tomar uma decisão rápida assaltava-nos o espírito. Que fazer? Continuar a sentir o charme, a elegância e a raça de Lura ou apanhar um banho de sol e de electricidade do deserto do Sara servido por Justin Adams ou Juldeh Camara? Divertir-me com a poesia repentista de Siba ou arrepiar-me com os fados de Camané? Voltar a sentir a inesgotável energia afro-rock de Rokia Traoré ou ficar boquiaberto com a intensidade do canto acapella de Filipa Pais em “Senhora do Almortão”? Momento esse que acabou por ser, pelo menos para mim, um dos mais belos e marcantes deste Med (ainda que me tivesse custado não ter ouvido o “The Man I Love” pela gazela maliana.

[continua]

Créditos da foto: C.M. Loulé / Mira

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6 Comments

  1. Aqui vai a minha “pseudo-critica”

    Festival Med ou Vantagens e desvantagens das modas

    Há uns anos atrás, 2006, quando comecei a ir ao Festival Med, alegrei-me: um festival que trazia bons nomes, muitos ou quase todos ilustres desconhecidos para a maioria dos portugueses (alguns também para mim, lembro-me dos Orquestra Berber, ou os Babylon Circus) num espaço muito agradável. Podia dançar, passear, parar aqui ou ali, saltar de um palco para o outro. Éramos meia dúzia (uma meia dúzia grande, mas meia dúzia) e estávamos ali pela música. Ainda nem havia o Palco da Matriz. As “convercetas” eram inexistentes e podiam levar-se crianças para ouvirem estas músicas.
    Lembro-me de nesse primeiro ano, estacionar praticamente à porta do festival.
    No ano seguinte ainda estacionei à porta no primeiro dia, mas depois passei para um parque onde éramos poucos e estacionávamos onde nos apetecia. Os anos foram passando, e o numero de pessoas aumentando. Também tenho culpa 🙂 porque fui passando a palavra e levando gente.
    No ano passado devido à presença de Ana Moura, o sábado foi insuportável. Impossível circular pelas ruazinhas, impossível chegar ao Palco da Matriz, mas não me importei e fui para a Cerca e depois para o Castelo.
    Este ano, as coisas tornaram-se ainda mais difíceis, pela primeira vez assisti a bichas nas bilheteiras, papéis afixados dizendo que o limite era 5000 pessoas (sabia lá eu que havia limite), passa palavras para comprar bilhetes com antecedência e o parque cheio. Mas porque pertenço aos “privilegiados” que chegam cedo, e compram bilhete para os 5 dias, consegui estacionar no parque de cima, entrar facilmente e andar por lá.

    Agora os espectáculos. Este ano, para mim claro, saltamos do mau para o muito bom! Alguns nomes grandes é verdade, tal como Buena Vista esgotaram, e tornaram insuportável uma sexta-feira que parecia atraente. Por um lado, não tinham competidores (coisa que não entendo) “obrigando” toda a gente a assistir a um concerto, onde (que me perdoem os incondicionais) brilharam satélites de estrelas infelizmente desaparecidas. Uma orquestra que não conseguiu encher o palco de musica quanto mais o terreiro onde se acotovelavam e espremiam mais de 2000 pessoas. Talvez se houvesse espaço para dançar, tivesse conseguido apagar da memória A Voz de Ibraim Ferrer, O Quatro de Compay ou O Piano de Cachaito, e sacudir o frio que nos atormentou. Passados 20 minutos fomos conversar (amigos de tantos anos, com tanto para pôr em dia) para o palco da Bica e lá ficamos até que o frio com que não contávamos nos obrigou a ir para casa.

    Mas o sábado conseguiu apagar da memoria esta triste sexta . Siba aqueceu e Lura colheu uma plateia que cantou e bailou. Pena a sobreposição de concertos (Siba e Mutenrrohi e também Camané) e a distancia que agora temos de percorrer para ir da Cerca ao Castelo. E claro a longa hora que tivemos de esperar para o inicio da Lura para depois se sobrepor uma vez mais ao Justin Adams.
    O número de espectadores decresceu enormemente, permitindo andarmos por todo o lado e por outro lado dançarmos se fosse essa a vontade (e foi)! Lura não se concentrou no Eclipse, passeando pelos hits. De um concerto em Festival, não se espera mais, cumpriu! Tal como cumpriram Ojos de Brujo, na quinta-feira, um colectivo de óptimos músicos que fez o que se esperava, um óptimo concerto. Do resto dos artistas de quinta-feira, surpreenderam-me grandemente pela positiva Eneida Marta com a sua óptima voz e os músicos que a acompanhavam, o disco não lhe faz justiça e estou à espera do próximo! Os Diabo a Sete: boa!! Julieta (ainda bem que fecharam a porta dos Chuchurumel, ganhamos a dobrar!!). E MU, muito mais crescidos do que há uns 4 anos quando os vi em Évora.

    E chegamos ao domingo e as pazes foram totalmente feitas! Rokia, a menina pantera. Que voz, que sensualidade, que força! Vontade de ali ficar toda a noite e ouvi-la percorrer todos os discos anteriores. Vontade de ouvir todos os seus discos de novo e com mais atenção. Vontade de voltar a vê-la brevemente!
    Depois La Notte Della Taranta. Espectacular, os sons que saem de uma pandeireta, ou de varias pandeiretas. O cansaço já não me deixava dançar, só abanar, mas gostei muito! Música do Mediterrâneo é isto! Ficou-me uma grande saudade de musica grega (outra das minhas loucuras 🙂 ) podia ser até Elefteria, ou qualquer outro que dissesse Efgaristó depois. Porque é que nunca se cantou, tocou em grego no festival Med??
    Depois quase gostei de Kimmo. Mas não consegui. Demasiado frio para o meu coração mediterrânico . Já agora não percebi porque razão Kimmo encerrou o festival e não os La Notte Della Taranta. É verdade que o Mediterrâneo tem costas largas, mas não desagua no Mar do Norte!

    Resumindo: As meninas do Festival Med (Rokia, Lura e Eneida, por esta ordem) fizeram valer muito a pena as viagens até Loulé, o frio e o cansaço! E porque não deixarmos de fora de vez aqueles nomes que todos conhecem, deixar as modas e apostar nas coisas que tragam algo de novo. Fazer apostas, verdadeiramente em vez de colher louros de nomes que já entraram no circuito comercial. Acho que vou fazer uma lista daquilo que espero que nunca venha ao Med! 🙂

    De qualquer modo, se tudo correr normalmente, lá estaremos para o ano!!!

  2. Amália,

    Obrigado pelas tuas impressões do Med. Deu para perceber aquilo que nós, que respiramos música como quem respira oxigénio, sentimos ao vermos um espaço que nos era familiar tornar-se irrespirável, intransitável, pelo facto de ter sido invadido por muita gente que ali foi só para ver o tal artista que enche coliseus, ou mais para conversar e beber copos, do que propriamente para estar de ouvido aberto e apreciar e surpreender-se com música que não conhece.

     

     

  3. eu sou do tempo da mochila e tenda às costas que de costa a costa percorria as primeiras edições dos festivais, onde tinha-mos espaço e tempo para ouvir, degustar e repetir no ano seguinte. de há uns anos para cá essas sensações deixaram de ter prazer. o med quando o conheci era uma linda festa de aldeia com todas essas sensações, o ano passado tive vontade de a rever mas quando vi aquele atropelamento populacional, nem uma hora fiquei para assistir. posto isto, agora fiquei com muita curiosidade de conhecer la notte della taranta.
     

    1. Olá Sara, o cada vez maior número de festivais, o excesso de edições disgográficas, pagam-se caro. É difícil apreciarmos tudo com a devida calma. Mas vale a pena gastares um pouco do teu tempo com a NOtte de la Taranta.

      bjs

  4. C’est la vie Amália! Infelizmente (para nós que conhecemos e gostamos mto de música) os programadores têm de incluir esses nomes que estão na moda e entraram nos circuítos comerciais, para assegurarem casas cheias e atraírem multidões! Mas tb acontece o reverso da medalha por vezes: trazerem artistas ou projectos musicais que ninguém conhece e que têm fraca expressão musical e que mais valia terem ficado em casa! No meio destes dois infelizes exemplos lá vão chegando algumas coisas realmente boas, frescas, vivas e urgentes para as quais vale a pena qualquer sacrífício para não as perder! Tb tenho uma lista grande das coisas que dispenso que venham cá, mas hoje apetece-me ir pela positiva e relembrar uma banda mítica, formada em 1973, e Este de Los Angeles, que não tenho memória que tenham vindo algum dia a Portugal, mas posso estar enganado e o Luís talvez esclareça isso, e que assentariam que nem uma luva em qualquer festival de world music em Portugal: LOS LOBOS! Redescobri-os há pouco depois de ouvir uma canção deles -Corazon, cantada pelo António Banderas e que faz parte do filme “Play It To The Bone” protagonizada pelo próprio Banderas e pelo Woody Harrelson! Têm tantas e tantas canções memoráveis, sobretudo as cantadas em espanhol, as minhas preferidas,e aconselho todos os fans de música latina, mas tb os fans de blues, country, mexicana, jazz e rockabilly a descobrirem-nos! Vale mesmo a pena!

    1. Olá Joe, acredita que a minha lista de coisas que gostava que passassem por cá não deve ser mais pequena que a tua.

      Infelizmente, seria bom se a aposta em projectos que nunca cá vieram (e que deveriam vir) acompanhasse a pedalada do cada vez maior número de festivais

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