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Ollin Kan – O Anticiclone africano que afasta frentes frias [2/3]

Moya Kalongo

Moya Kalongo
Moya Kalongo (c) The Lemon Day

Ao segundo dia de Ollin Kan, o tempo deu tréguas, mas as nuvens ameaçaram aguaceirar e os quatro espectáculos da noite voltaram a transitar para o Teatro Municipal de Vila do Conde. Se Malick Pathé Sow caiu que nem ginjas no auditório, Cacique’97 e Moya Kalongo teriam sido ainda mais explosivos junto à nau quinhentista.

Do Peru, Angela Maria trazia um currículo interessante. É uma emigrante peruana a viver na Holanda. Colabora com os Radio Kijada que, à semelhança dos Novalima, que vêm ao FMM de Sines, cruzam a música electrónica com ritmos dos escravos que os Espanhóis levaram para o Peru. Tem um profundo interesse pela música criola de Lima interpretada por Chabuca Granda e Susana Baca. Foi uma pena que o espectáculo de Angela Maria não tenha tido mais momentos como os do clássico “El Mayoral”, ou quando cantou “El Surco” da “granda”, enormíssima Chabuca, acompanhada com percussões locais como a kijada e a cajita. Pena que Angela Maria tenha visitado demasiadas vezes a sua obra mais melosa, romântico-latina, algo «shakiriana»,« juaniana», ou «gloria-estefaniana», como “Adios” (em dueto com um cantor e óptimo bailarino guineense) ou “Un Chance Mas”, em detrimento da música e dos ritmos mais enraizados na tradição afro-peruana. Dispensável. 2,5estrelas.gif

O modelo actual de muitos festivais com maior número de bandas que actuam com sets de “showcase” (40 / 50 minutos) permite-nos degustar de um maior e mais variado número de propostas musicais, não sofrermos demasiado quando um projecto em palco é fraco (e não existem outros palcos com actividades em simultâneo). Mas esta saudável rigidez de horários, apesar de necessária num festival que se quer profissional e sério, também pode provocar um efeito contrário. Com os Cacique 97, a extensa plateia que aplaudiu efusivamente por um encore (ao qual não tiveram direito pelas razões acima descritas) sentiu-se como se estivesse estado num banquete sem direito a prato principal e sobremesa. A formação está um pouco diferente daquela que gravou o disco. Notam-se as ausências de Tiago «homem-ritmo» Romão, do sax barítono de João Cabrita (agora membro da banda do Lado B de Bruno Nogueira) e das três «kutinetes» que traziam uma certa força vocal, sensualidade e colorido com as suas indumentárias tradicionais africanas. O repertório, encurtado a cinco / seis enormes temas de 8 a 10 minutos é o clássico de há um ano a esta parte com o habitual “Jorge de Capadócia” de Jorge Ben, o single ” Eu Quero Tudo”, o tributo a Fela Kuti em “Lady”, o manifesto afro-beat em “Come From Nigeria”, o ainda não gravado “Chapa 97” e o tirar do chapéu a Bruce Lee no incontornável “Dragão”. Um cardápio servido de forma consistente, por músicos que sentem o afro-beat como um movimento religioso, mas que excluem qualquer extremismo. O grupo está muito mais oleado, abre espaços para momentos mais efusivos de percussão, de sopros, mas controla bem os tempos dos solos, dos improvisos, da interactividade com o público, sabendo acabar os temas no momento certo (algo que não acontece em alguns projectos de músicos africanos). Incendiaram a sala, rebentaram com a escala de mercúrio, fizeram o público suar e Milton Gulli nem precisou de despir a camisa e ficar em tronco nu. Passaram por Vila do Conde com elevada distinção.4,5estrelas.gif

Do Inferno ao céu, da efusividade à serenidade vai apenas o tempo que se leva a mudar de palco. Malick Pathé Sow, griot senegalês de etnia Fula radicado na Bélgica, ex-músico de Baaba Maal, guitarrista, tocador de hoddu (cordofone da família dos n’gonis malianos), serviu-nos uma bela e telúrica dose de blues do deserto do Sara, acompanhado por cora e várias percussões (como a cabaça). Um registo sereno próximo de um Boubacar Traoré ou Afel Bocoum que nos proporcionou uma viagem em estado de levitação às férteis margens do Rio Senegal, exultando a tranquilidade de uma música abençoada, pura, mas que não deixa de ser socialmente e culturalmente interventiva, que alerta para os perigos de extinção que a sua língua pulaar corre, de louvor a quem ensina, às mães que se sacrificam pelos filhos e a quem combateu pela liberdade e independência ante o colonialismo francês (Baydi Kacce). Maravilhosos cinquenta minutos que beneficiaram e muito com o facto de ter sido apresentado em auditório (e não ao ar livre). 4estrelas.gif

No final de segunda noite, mais um projecto de Barcelona, se bem que muito diferente dos Che Sudaka, que tinham arrasado o teatro municipal na noite anterior. O que demonstra a enorme diversidade cultural da capital catalã que, além de possuir um enorme contingente de músicos que cantam na língua local, mesclam rumba com ska ou hip hop, é também o lar de um sem número de artistas imigrantes que chegam de África e da América Latina. O moçambicano Simonal Bie é um desses casos. Em Barcelona criou com músicos locais o projecto Moya Kalongo que exercita o afrobeat e o funk «jamesbrowniano» enquanto recupera ritmos tradicionais do seu país de origem, como o mapiku e xingulu. Este é um projecto constituído por vários músicos europeus, que exulta a alma de Fela,  à semelhança de Cacique. Uma orquestra afrobeat em versão económica, que sabe swingar, que detém uma força em palco vinda sobretudo de Simonal Bie. Autêntico leão que nos põe cansados só de o seguirmos com o nosso olhar. Num fim-de-noite extremamente intenso, suado,  a cereja em cima do bolo: Simonal promove a invasão pacífica de palco. Festa total de um projecto que ansiamos por um disco e pelo regresso rápido a um festival nacional. 4estrelas.gif

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1 Comment

  1. Vi os Cacique há dias no Musicbox e também se apresentaram assim em “versão de bolso”. Foi a apresentação do vídeo novo do “Sr Diplomata”.
    Com o Chico Rebelo a lançar samples e o Marcos Alves nos teclados. Tocaram uma cover de Orchestra Baobab, a “Utrus Horas” se não me engano. O resto do alinhamento foi parecido… “Eu quero tudo”, “Come from Nigeria”, “Chapa 97” e Dragão… não sei se me falha alguma hehe
    No fim houve ainda tempo para umas improvisações do Bob Da Rage Sense, Sir Scratch e Sagas.

    Embora “curto” foi excelente e é uma das actuações a não perder em Sines 😉

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