Entrevistas

Carlos Seixas: «A regra de ouro é a alegria da surpresa quando se gosta de música»

Começa na próxima quinta-feira, 19 de Julho, a 14ª edição do maior festival de músicas do mundo do país e um dos melhores 25 festivais internacionais para a revista britânica Songlines.O FMM de Sines.

Carlos Seixas, Director Artístico e ávido “navegador” dos sete mares da diversidade musical, sempre à procura de “tesouros” em recôndidas ilhas, explica como é que se constrói um festival que agrada tanto ao público como aos músicos que por lá passam.

– Desde a primeira edição do FMM que houve a intenção de apresentar uma programação diversificada de world, folk, rock, jazz, música clássica – Opus Ensemble, Carlos Nunez, Clã, Sonny Fortune, Abed Zarié. Achas que todo esse eclectismo, de mistura de estilos e tendências musicais, tem estado na base do sucesso do FMM? Isto é, de ser o único festival “world” que consegue entrar dentro do circuito dos festivais nacionais de pop / rock?

Naqueles anos existia no país oferta world – penso que mais que nos tempos que correm – mas com festivais focados em apresentar a folk nórdica, a música tradicional/clássica do médio oriente ou a música popular da américa latina, do leste europeu ou da portuguesa. Recorrendo ao ditado, “não se misturavam alhos com bugalhos”. Eram tempos de reservar o jazz, os blues, a música erudita e contemporânea ou outras músicas para outros palcos, para outros eventos.

Aqui em Sines apostávamos na diversidade cultural, na inexistência de fronteiras entre géneros ou geografias, no diálogo intercultural, na contaminação resultante “entre tradições e realidades estéticas aparentemente distantes”. O conceito de músicas do mundo ultrapassava desde logo a ortodoxia dominante.

Mas também te digo que o ecletismo ou a diversidade de propostas quanto a géneros musicais por si só não justifica o sucesso do festival. É preciso muito mais em esforço organizativo, em rigor programático, na qualidade de todos os intervenientes e até na atenção dispensada a pormenores que muitas vezes marcam a diferença. E é preciso acreditar, trabalhar para isso. Ser persistente e atento. Não é num ano ou em dois que a coisa aparece.

– Todos os anos há sempre um considerável número de projectos desconhecidos do grande público e até mesmo de quem mais se interessa por estas áreas. Num universo em que a maior parte dos programadores tem receio do risco, de lançar projectos que nunca ninguém ouviu falar, como é que o FMM consegue ser bem sucedido nesse risco que corre anualmente?

Quando te dispões a viajar tens várias opções de itinerário. Há aqueles que viajam pelo seguro, sem arriscar cruzamentos aleatórios numa terra que não é a deles. Mas há outros que não se importam de correr os riscos inerentes ao desconhecido, mesmo com travessia de oceanos, sabendo bem que chegarão a um porto seguro onde todo o mundo se encontra. No FMM acreditava-se que mesmo sem rigor temático, em descoberta contínua, de ano para ano o público encontraria o seu porto. Criou-se confiança e cumplicidade entre o público e o programador. A regra de ouro é a qualidade não o nome. É a alegria da surpresa quando se gosta de música.

– Nas últimas edições tenho encontrado vários exemplos de projectos internacionais que tocam primeiro em Sines e só depois disso é que se apresentam na WOMEX onde a maior parte dos programadores dos festivais europeus, americanos e asiáticos está ali para ver projectos em primeira mão. Casos de Chicha Libre, Sunsuke Kimura X Etsuro Ono e Ayarkhaan. É este poder de antecipação aliado ao bom gosto e ao ecletismo de programação que faz com que o FMM seja considerado como dos 25 melhores festivais internacionais (de acordo com a revista Songlines)?

Poder de antecipação só no futebol! Aqui é fruto de um trabalho árduo anual de pesquisa e ótimo relacionamento com agentes e responsáveis próximos dos músicos. Ao princípio foi difícil mas passados anos e com o prestígio internacional do festival  – ainda sem prémios mas com um “passa palavra” dos que vinham cá – há sempre um grande interesse no circuito world em participarem no FMM. E há um fator muito importante: como sabes aqui quer a nível técnico, quer logístico e mesmo de divulgação mediática todos os projetos e músicos têm a mesma oportunidade porque todos eles são tratados como iguais. Não há titulares e suplentes! Não há tendas para uns e palco principal para os outros.

– Um dos aspectos que diferencia o FMM de outros festivais é a boa impressão que a maior parte dos músicos internacionais levam de Sines. O que é que vocês fazem para que, por exemplo, o Rachid Taha chegue mesmo a chamar-te ao palco e a dar-te um beijo em público?

O Rachid, como todos os músicos são nossos convidados, fazem parte da família desde o momento de chegada. Apercebem-se que têm todas as condições objetivas para atuar ao mais alto nível, coisa que muitas vezes não encontram noutros lugares. Depois há um esforço suplementar de toda a organização e equipa técnica para ter em conta que um festival só tem êxito se os seus principais intervenientes, incluindo o público, encontram nas várias equipas que constituem a estrutura, a apetência para encontrar soluções aos problemas, de resolver e não complicar. De acolher com amor e não ser indiferente!

– Nos dois últimos anos houve um considerável aumento do contingente português. Restrições orçamentais ou adesão ao movimento Código de Barras 560?

Todos temos restrições orçamentais, é transversal. Sobretudo quando se trata de serviço público cultural e eventos que não conseguem por si só a autossustentabilidade. Mas felizmente para o FMM e para a organização autárquica o festival desde 2010 e até 2013 é cofinanciado pela Rede Urbana Mobilidade Inovação e Memória / Rede de Cidades do Litoral Alentejano, no âmbito do programa operacional INALENTEJO do QREN 2007-2013, com fundos FEDER / UE. O que garante uma comparticipação financeira da autarquia muito mais leve. A adesão à divulgação da música portuguesa é feita desde 1999. O objetivo deste Festival é oferecer ao público a diversidade da música mundial e não a de se focar expressamente nos projetos musicais nacionais. No entanto apresentou até agora cerca de 65 concertos de músicos portugueses, entre consagrados e os mais novos. Temos imenso orgulho no trabalho feito pela divulgação da música portuguesa.

(c) Foto: António Melão

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