Entrevistas

Macaco: passar ao lado das sombras de mãos dadas com Saramago

Depois de evocar o poder do ar (“Ingravitto”) e da água (“Puerto Presente”), Macaco clama agora o fogo e as sábias palavras de José Saramago para empurrar a névoa, a obscuridade que nos impedem de usufruir de uma vivência mais luminosa.

O seu novo álbum chama-se “El Murmullo Del Fuego” e, na abertura deste sexto disco, o mais-comunicador-que-cantor «chernego» (termo que os catalães dão a quem não fala bem nem o castelhano, nem o catalão), recupera palavras do Nobel da Literatura Portuguesa retiradas do documentário de Miguel Mendes, “José e Pilar”:

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O certo é que o Sol

Como uma imensa vassoura luminosa,

Rompeu de repente o nevoeiro e empurrou-o para longe.

Fez plof e sumiu-se

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– No início do teu álbum escutamos a voz de José Saramago. Escritor que já fazias referência nos espectáculos de apresentação do álbum “Puerto Presente”, quando referias que a pessoa mais sábia que ele tinha conhecido, a sua avó, não sabia ler nem escrever. É o facto de um intelectual, que dominava na perfeição a palavra escrita, ter a capacidade de passar essa mensagem que faz com que a pessoa que Saramago era te toque?

Estás muito bem informado acerca dessa pequena homenagem que lhe fazia. Bom, ele dizia isso mesmo referindo-se à sua avó [Josefa] que não sabia ler nem escrever. Isso parecia-me muito interessante porque há uma questão de atitude, de querer comunicar. Como Lec dizia, “aprendamos todas as línguas, mesmo as inexistentes”. Fazia-lhe esta pequena homenagem porque gostava muito dos seus livros. À parte de grande escritor, considero-o um grande comunicador.

Num dos meus concertos, não me recordo se foi em Espanha ou não, deu-se a casualidade de me encontrar com alguns dos familiares de José Saramago e, no momento em que fazia esta homenagem ao mestre, eles gravaram um vídeo. Perguntaram-me se o podiam colocar na página web dedicada a Saramago  e eu, claro, disse-me que era uma honra incrível. Apareceram também imensas bandas a homenageá-lo, como os Rage Against The Machine.

Mais tarde, Pilar contactou-me dizendo que iriam realizar homenagens em várias partes do mundo e perguntou-me se estava interessado em participar numa delas. Por desgraça, por questões de agenda devido à minha digressão, não pude participar nessa altura. Foi este o primeiro contacto.

Falámos mais um par de ocasiões e, quando estava a gravar este disco, “El Murmullo Del Fuego”, pensei na introdução. Em “Puerto Presente” pedi ao Javiem Bardem, que é meu amigo e de uma terra de marinheiros [Las Palmas, Canárias], para fazer a apresentação do disco.

Aqui, ocorreu-me o atrevimento de voltar a falar com a Pilar para pedir que me autorizasse a incluir a voz do mestre. Perguntou-me o título do disco, ficou encantada e disse-me que ia enviar o filme documental “José e Pilar”, que esteve nomeado para os Óscares, e aí encontrei um fragmento que pertencia à “Viagem do Elefante”. Pedi-lhe e ela ajudou-me a conseguir essa voz. A produtora não estava em Portugal, estava a gravar na China… mas lá conseguiu a autorização dessa voz. Essa frase era uma metáfora muito bonita, tinha muito a ver com o título “El Murmullo Del Fuego”, e pronto. Foi uma das colaborações mais importantes da minha vida. É uma honra poder ter a voz do José Saramago a abrir este disco.

 

– Parece-me que este é um disco próximo de “Puerto Presente”, no sentido em que continuas a comunicar com grande luminosidade, tentando afastar a névoa, o sombrio… e até o conceito gráfico é parecido.

Bom, creio que estamos uma época de luzes e de sombras e as minhas propostas – as minhas canções são propostas e não imposições – são maioritariamente optimistas. Há um ou outro tema mais íntimo ou um pouco mais triste. Tento passar esta mensagem a mim mesmo e a quem me queira escutar. Nesse sentido penso que segue um pouco a linha de Macaco.

Numa carreira musical não é preciso fazer grandes mudanças criativas, estilísticas… não mudo se não for naturalmente.

Este disco é influenciado pela rumba que é a música da minha terra e pelo reggae que é uma música “adoptada”. Utiliza muito os tambores, os surdos e elementos de outras músicas, mas no final o que tento fazer são canções com maiúsculas que são simples mas não simplistas.

Creio que há um leque muito amplo nas minhas canções em que não há panfletos, nem regras rígidas. Tudo está muito aberto para que o ouvinte possa ter a sua própria interpretação, possa tomá-la como parte, como banda sonora de um momento do seu percurso de vida.  É isto que pretendo. Há muitas canções que já são hinos. “Love Is The Only Way” é muito popular aqui em Espanha, “Una Sola Voz” também está a crescer muito, bem como outras canções. Para mim, é uma grande alegria.

A minha missão social mais importante é fazer com que o público que vá a um concerto ou escute um disco meu, que passe um bom momento, que alivie os seus problemas durante duas horas.

[a 2ª parte da entrevista com Macaco será publicada amanhã]

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