Entrevistas

Imperial Tiger Orchestra – A misteriosa Addis Abeba que há em Genebra

Depois do produtor francês Francis Falcetto ter desenterrado arquivos dos anos de ouro (60 / 70) das variadas músicas da Etiópia que publicou na série “Ethiopiques” da Buda Musique, o colectivo suíço Imperial Tiger Orchestra do trompetista Raphaël Anker deixou-se encantar pelo mistério e transe encantatório destas músicas. Em 2007, juntou um grupo de instrumentistas de Genebra que dominavam o funk, o free jazz, o prog rock a  reintrepretar alguns clássicos da música obscura mas luminosa de Addis Abeba e de monstros como Mahmoud Ahmed.

Recentemente, convidaram Hamelmal Abate, a rainha da canção etíope com mais de 30 anos de carreira, para integrar este projecto que hoje se apresenta no FMM de Sines.

As Crónicas da Terra conversaram, na terra de Vasco da Gama, com o suíço Cyril Moulas e com a etíope Hamelmal Abate.

– Como é que este projecto começou? O que é que motiva um músico de Genebra (o trompetista Raphaël Anker) a desenvolver um projecto que interpreta música oriunda da Etiópia? Foram tocados pela série Ethiopiques de Francis Falcetto?

Cyril Moulas – Começou com o Raphaël que conhecia há muito tempo música da Etiópia e ideia foi convidar amigos e tentar num concerto tocar alguns temas na linha estética do Mulatu Astatke, soul e jazz etíope dos anos dos 60/70. Posteriormente, a banda foi procurando mais e mais a música real da Etiópia, em que descobrimos a grande cantora Hamelmal Abate, que convidámos para actuar connosco em Genebra na comemoração do ano novo etíope [dia 11 de Setembro].

– Porque é que é durante os anos 60 / 70 houve tantos músicos na Etiópia a gravar discos e, actualmente, só quem emigou, ou aceitou colaborar com músicos do exterior é que têm essa possibilidade?

Hamelmal Abate – Há muitas razões. Não há lei de copyright, o governo não apoia as artes, considera que é uma actividade de lazer. Na Etiópia um músico está por conta própria. Não tem editor, não tem manager, nem tem sequer o apoio da família. Apenas temos um canal de televisão, um canal de rádio. Se não há concorrência não se pode crescer. Gravar na Etiópia é muito dispendioso. Estive seis anos à espera de gravar um CD e numa noite alguém ficou com uma cópia do meu disco… se não consegues ganhar dinheiro com esse disco, como é poderás ter a possibilidade de voltar a gravar? Apesar de tudo, sou uma sortuda por poder viajar, cantar na Europa, fazer as minhas coisas. A maioria dos músicos na Etiópia não tem nada.

– Imagino que hajam muitos bons músicos que tocam para comunidades locais. Que haja muita música à espera de ser gravada. Deve haver um filão de ouro para ser explorado por um produtor…

Hamelmal Abate – Há, de facto, muitos músicos talentosos que continuam a tocar apenas nas aldeias, nos clubes, que têm esperança que o governo possa apoiar as artes.

– Como referiu, a Etiópia é uma sociedade muito masculina. Como consegue afirmar-se como cantora neste meio?

Hamelmal Abate – Hoje em dia, não há problema. Todos podem cantar. Mas continua a haver preconceitos. Ninguém te apoia. Se eu digo à minha mãe que vou trabalhar ela pede-me para não referir a palavra trabalho, porque ela acha que vou para a noite divertir-me. Existem muitos médicos, especialistas em muitas profissões, mas não existe na Etiópia um engenheiro de som, porque este trabalho não é incentivado. Mesmo quando alguém se apaixona por um músico, dizem-lhe para procurar outra pessoa.

– Porque é que a música é tão depreciada na Etiópia? Por exemplo, na África ocidental existe um enorme respeito pelos músicos, pelos griots…

Hamelmal Abate – Hoje em dia, são um pouco mais respeitados. Mas, como disse antes, só há um canal de rádio e outro de televisão. Não há competição. Muitos dos músicos e cantores tocavam em bares e por isso adquiriram má fama. Não me importo que digam que tenho esse “background”, pois aprendi a cantar na igreja [cristã ortodoxa]. Quando era criança, diziam-me para para pegar no microfone e ir ao palanque cantar porque achavam que tinha boa voz. Não importa o que digam, se quiseres fazer algo, tens de o fazer.

– Apesar de todas essas dificuldades para uma cantora se impor, não existe nenhum problema pelo facto de uma cristã ortodoxa cantar repertório muçulmano, pois não?

Hamelmal Abate – Não há qualquer problema. Toda a gente ouve toda a gente.

– A Imperial Tiger Orchestra já actuou em Addis Abeba. Como é que os etíopes reagiram ao facto de verem músicos de pele branca em palco a interpretarem a sua música?

Cyril Moulas – Adoraram. Conheciam algumas das músicas que tocávamos e acharam piada ver em palco brancos a tocar a música deles.

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