Entrevistas

Uxu Kalhus: extravagantes batedores do trad rock lusitano

Os Uxu Kalhus, sui generis formação nacional que mistura malhão, viras e corridinhos, com funk, punk, quase-metal e disco, editaram no início deste ano o terceiro álbum “Extravagante”. Com ele, e com algum do repertório que começaram a adaptar há mais de dez anos, têm percorrido todos os cantos do país.

Hoje encerram a primeira longa noite da segunda-mão do FMM Sines 2012, às 2h30, no Pontal. Nos próximos dias, vão andar pelo Mundanças (28 de Julho, Coimbra); Festival da Transumância (29 de Julho, Fernão Joanes); Congresso Rural (2 de Agosto, Lisboa); Andanças (4 de Agosto, Celorico da Beira); Flaviaefest (5 de Agosto, Chaves); Ecos da Terra (11 de Agosto, Celorico de Basto) e ainda por Espanha, durante a terceira semana de Agosto.

As Crónicas da Terra conversaram sobre “Extravagante” com Paulo Pereira, fundador dos Uxu Kalhus e verdadeiro batedor do explorar de novos caminhos do trad rock nacional.

– Os Uxu Kalhus, que comemoraram 10 anos de existência em 2011, têm tido um percurso exigente em termos de formação. Quando gravaram os dois anteriores discos, alguns elementos da formação saíram. Casos de Nuno Patrício, no primeiro, Vasco Casais e Celina Piedade, no segundo. Este é vosso primeiro disco em que a formação que entrou em estúdio é a mesma que tem actuado ao vivo. É algo novo para vocês…

Sim e não. Basicamente, o grupo teve duas formações. Uma inicial, com o Nuno Patrício, o Vasco Casais, a Celina Piedade. Depois uma segunda formação que começou a ser renovada com o Tozé. Na história de 11 anos houve duas pessoas que se mantiveram: eu e o Eddy. E houve duas formações essenciais. Isso é um processo comum à maioria dos grupos. Este CD tem a particularidade de como os elementos que agora estão são inclusivamente de instrumentos diferentes, tem a particularidade de ter sido completamente pensado e feito para esses instrumentos, inclusive para a actual vocalista. É um trabalho mais planeado e coeso, à medida dos Uxu Kalhus. Qualquer outro grupo não poderia tocar os temas que estão neste CD.

 – Daí terem regravado neste disco a “Saia da Carolina” e a “Erva Cidreira”?

A ideia foi pegar numa música do primeiro álbum (“Erva Cidreira”) e outra do segundo disco (“Saia da Carolina”) para se perceber que todas as músicas podem ser reinventadas e reinterpretadas ao longo do tempo. É para termos um CD que corresponda ao trabalho actual da banda em que, apesar de colocarmos nos alinhamentos o repertório mais recente, tocamos sempre coisas do passado. Temos três CD, temos repertório para três horas e obviamente, consoante o concerto, quando é de duas horas, vamos tocar coisas antigas. Tem a ver com essa perspectiva de ter o repertório actualizado.

– Os Uxu Kalhus têm essa característica “camaleónica” e os próprios temas também. Vão sendo modificados à medida do tempo e por quem vai mexendo neles…

É um processo normal. Obviamente, que há certas músicas que já tocamos há tantos anos que estamos sempre a mudar. Não somos um grupo que vai para o palco “encher chouriços”. Já devo ter dado 2500 concertos. Uma pessoa que dá tantos concertos não pode estar sempre a fazer a mesma coisa. Sempre que tocamos há sempre uma certa liberdade. Não temos um alinhamento fixo com aquela piadinha lá no meio previamente combinada. Cada concerto tem um alinhamento diferente e cada música têm uma interpretação diferente cada vez que a tocamos. Mesmo as músicas do CD, tivemos a ensaiar para tocar conforme foram gravadas, mas é claro que já começaram as perversões, já comecámos a inventar em cima do que gravámos. É um processo normal. É uma insatisfação normal dos músicos querem estar sempre a encontrar o seu espaço de liberdade nos concertos.

– Um álbum é sempre um polaroid. Uma foto instantânea de um determinado momento. Mesmo estes temas mais novos têm vida própria, à medida que vão tocando ao vivo…

Sim. Toca-se tantas vezes que estamos sempre a mudar. Apesar de ser um instantâneo, o grupo tem uma orgânica que é transversal a todas as dimensões que um projecto pode ter, desde a produção, à composição, à venda de espectáculos. Todo o trabalho é feito por todos os membros da banda. Apesar deste exercício democrático ser muito complicado porque somos seis cabeças, enriquece muito o grupo. Existe uma cumplicidade no que fazemos ao vivo que tem a ver não com aquele momento, mas com a vida do grupo . A maioria da banda já vem com cinco anos de trabalho em conjunto.

– Neste disco, a “Saia da Carolina” tem uma frase musical do “Knight Rider”. Antes evocavam o “D’artacão”. Em outros temas também já tocaram acordes de Deep Purple. Nunca pensaram em gravar, com os vossos arranjos, um disco de covers de rock ou de séries de TV?

Isto nunca foi planeado. Surge e é adoptado. Mesmo agora no “Malhão” fazemos uma bricadeirazita, mas às vezes não passa daí. Isto tem mais a ver com a inspiração do momento e a  boa disposição de cada um. O nosso trabalho principal é mais reinventar, fazer a nossa música de raiz. Os covers, seja o D’artacão ou os Deep Purple tem a ver com a nossa infância, com o que bebemos quando éramos crianças. Vale pelo efeito surpresa do que pelo interesse estratégico.

– Os Uxu Kalhus absorvem muitos ritmos internacionais, do funk ao disco. Para um músico como tu que têm um outro projecto – No Mazurka Band – que defende as danças portuguesas, não há qualquer choque, pois não?

A mim não me choca. Tenho alma de rocker. Gosto muito daquele peso. O NMB é um projecto completamente diferente e mais do que as danças portuguesas, está mais centrado nos instrumentos portugueses.  No caso dos Uxu Kalhus, desde que sentimos necessidade de ter uma base rítmica forte, que houve essa perversão, que é característica desde o início dos Uxu Kalhus. Houve uma altura que era mais perversa, porque além do baixo e da bateria, tinha mais dois percussionistas.

– Era altura do Nuno Patrício e do Hugo Menezes.

E do Miguel Casais. Sempre houve esse peso nos Uxu Kalhus. Tem piada conseguirmos pegar numa moda alentejana e transformá-la ao nosso jeito. Sabemos que em Portugal, dentro do panorama existente, estamos a fazer um trabalho único.

– Passam pelo funk, pelo disco, mas não se fixam aí. Estão sempre a mudar de cores, como o camaleão.

Sim, num repasseado transmontano, em dois minutos, passamos por oito universos diferentes.

– Outro tema curioso, no sentido de tocarem em universos distintos é o “Bretónia / Linda Falua”, que vai desde a lenga-lenga infantil ao trash-metal, com danças bretãs pelo meio…

Aí, a ideia foi um bocado pegar numa melodia que foi feita numa viagem de França para cá e que tem a ver com o espectáculo “Povo Que Lavas no Rio”, com o Artur Fernandes, em que ele fez lá uma coisa muito engraçada em misturava música infantil com bretã. Os temas não têm a ver um com o outro, mas a lógica de juntar música infantil com isso, veio daí. O tema dança-se como uma dança bretã e daí ter o nome “Bretónia”.  Tem um tipo de estrutura pergunta-resposta, que eu (nos sopros) faço com o teclista, que tem muito a ver com esse universo. As pessoas não têm fôlego, então usam o “discant”. Mais uma vez, temos uma forma de compor muito orgânica, por tentativa-erro. Tentámos mais de 20 estilos e o que funcionou foi esse funk metálico. No caso dos “Caçadores” tentámos várias versões e a que funcionou foi com aquela guitarra punk. Quase que somos escravos da música. A temos melodias, ideias, a música manda em nós e depois vemos o que funciona e o que não funciona vai para o lixo.

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