Bixiga 70 – “III”
Glitterbeat Records / Megamúsica
Quem teve a oportunidade de assistir a um espectáculo de Bixiga 70, no FMM de Sines (ou no Milhões de Festa), vibrou com uma proposta fresca e arrojada de afrobeat sul-americano tocado com imensa alma yoruba e virtuosismo jazz (foram enormes os solos de saxofonista Cuca Ferreira), por um colectivo de dez elementos que tocam brilhantemente música instrumental e que não vivem à sombra de um líder carismático rodeado de “cheerleaders”.
Apesar de os Bixiga 70 ostentarem um nome que evoca a memória de Fela Kuti e seus descendentes (Seun e Femi), este colectivo paulista transmite uma imagem totalmente distinta da cultura afrobeat a que os nigerianos nos habituaram. Se ao vivo são excelentes músicos, em estúdio revelam-se minuciosos artesãos (como os relojoeiros suíços). Quem escuta o terceiro álbum, “III”, não pode deixar de reparar como os Bixiga 70 cozinham a base afrobeat com outros temperos e ingredientes inexistentes na Nigéria.
“Ventania” e “Machado” servem-nos um afrobeat clássico e relaxante com secção de metais encorpada, uma guitarra com sabor a anos 70 e teclado soul-funk cósmico. “Niran” e “Martelo” oferecem-nos o lado mais sanguíneo e setentista que nos conduz por ruas nova-iorquinas que servem de cenário à rodagem de um filme blaxploitation. Um funk soul “afrociberdélico” que nos faz querer ouvir de novo a obra que o malogrado Chico Science nos deixou. “100% 13” é afroreggae com cheiro a Bahia e a mangue pernambucano com o inevitável Cuca Ferreira a brilhar no sax barítono. “Di Dancer”, pleno de swing, com uma guitarra funky que poderia ser tocada por Nile Rodgers.
“Lembe” mantém o funk setentista com psicadelismo sul-americano de chicha e a nébula do ethio-jazz etíope. Mas o melhor está reservado para o final. Em “Mil Vidas” e “7 Pancadas” há “trem caipira” de Villa-Lobos com muitas das mil cores musicais do Brasil. Se na primeira há um afrobeat que encontra o Brasil rural e ancestral nordestino, em que a tal guitarra funky setentista dança com flautas que evocam a obra da Banda de Pífaros do Caruaru do mestre Sebastião Biano, na segunda paira por ali o espírito indígena do mago Naná Vasconcelos. “III” é afrobeat genuíno que não deve nada a ninguém e que só poderia ter sido cozinhado no Brasil.