Bitori – “Legend of Funaná”
Analog Africa (2016)
Em boa hora a Analog Africa, editora-respigadora, especialista em transformar pepitas de ouro africanas perdidas em luxuosos objectos de colecção, reeditou a seminal obra de funaná “Bitori Nha Bibinha” de Vítor Tavares aka Bitori (gaita – acordeão diatónico) e de Chando Graciosa (voz principal e ferro), gravada na Holanda e editada em Cabo Verde há 20 anos, renomeada agora com o justo título de “Legend of Funaná”.
A par do malogrado Codé di Dona (autor de “Fomi 47” gravado pelos Finançon e por Zeca Nha Reinalda), o quase octogenário Bitori deu (e continua a dar) expressão ao funaná tradicional, cru, celebratório, sincrético e, igualmente, arma de protesto e de rebelião camponesa tocado por “badius” de Santiago, que falava de fome, sangue, suor e lágrimas, das duras condições de trabalho em Cabo Verde e nas roças de São Tomé, que os “chatos” dos portugueses do regime colonial perseguiram e tentaram silenciar sobretudo nos anos 60 e início dos 70.
O agora denominado “Legend of Funaná” é uma obra-prima de sonoridade intemporal que condensa cerca de 40 anos da vida de Bitori Nha Bibinha dedicados à gaita e ao funaná, servidos no habitual “packaging” da Analog Africa com textos que contextualizam social e politicamente este género e esta lenda viva e belíssimas ilustrações de Lewis Heriz que conta com um vasto portfólio projectos gráficos de discos editados, quer na Analog Africa, quer em outras editoras “irmãs” como a Soundway e a Strut.
“Legend of Funaná” é uma obra de coleção e de audição obrigatória, sobretudo por aqueles que se dedicam actualmente ao funaná mais urbano, sintético e lúdico, com programações rítmicas e sintetizadores a ocuparem o lugar do ferro e da gaita. Funaná é, parafraseando o angolano Waldemar Bastos, uma das músicas africanas de alma. Não é apenas um ritmo mais rápido do que a kizomba para fazer vídeos com “damas” a produzirem-se para irem à discoteca e com bundas saltitantes omnipresentes. Por favor, regressem às raízes.