Entrevistas

[entrevista] CORDEL DO FOGO ENCANTADO: a efervescência da cultura do interior nordestino [parte 1/3]

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Depois de terem passado no final de Julho de 2006 pelo FMM de Sines, o grupo do interior do nordeste brasileiro, CORDEL DO FOGO ENCANTADO, regressa hoje ao nosso país para participar na nobre iniciativa do Teatro Viriato “Viseu a 15 do 6”, conjuntamente com interessante projecto MOUNTAIN TALE (que reúne os HUUN HUUR TU de Tuva, os russos MOSCOW ART TRIO e o coro búlgaro ANGELITE), os italianos ANÓNIMA NUVOLARI, o blues portugueses cheio de personalidade com NOBODY’S BUZINESS, uma homenagem ao malogrado músico local JOSÉ VALOR e sessões de gira-disquismo com BAILARICO SOFISTICADO e DALTONIC BROTHERS & DEZPERADOS.

Este espaço recupera uma conversa com o carismático líder e declamador LIRINHA, efectuada no litoral alentejano, há cerca de dez meses. Altura em que ainda não tinha sido lançado “Trasfiguração”, o terceiro e último trabalho editado no final do ano transacto pelos CORDEL DO FOGO ENCANTADO e que sucede a “Cordel do Fogo Encantado” (2001) e “O Palhaço no Circo Sem Futuro” (2002). [act.]

Neste momento ainda não tive oportunidade de ouvir “Transfiguração”, porque o disco só sai no final deste ano, mas parece-me que este álbum foi concebido de uma forma diferente dos outros dois que reproduziam o espectáculo ao vivo e este é, pela primeira, vez uma colecção de canções gravadas antes de serem interpretadas ao vivo.

Os dois primeiros discos foram gravados em estúdio mas simbolizam uma ideia nossa de um registo de espectáculo como se tivessem sido gravados ao vivo e, por isso, seguem um roteiro. As gravações também foram feitas numa sala sem um metrónomo e todos juntos. Este é diferente. Porque nasce antes do espectáculo. Nasce em forma de canções. É uma estreia do CORDEL no ambiente musical e não o registo de um espectáculo. Isso ocorreu com a escolha de um produtor musical com quem não tínhamos trabalhado. O produtor do primeiro disco foi NANA VASCONCELOS e essa escolha foi muito mais afectiva e ligada ao espectáculo, porque vínhamos de uma ‘tournée’ conjunta e ele decidiu registar esse primeiro disco. O segundo foi a própria banda que produziu. Para o terceiro disco chamámos o produtor CARLOS EDUARDO MIRANDA e o disco assumiu desde o seu nascimento uma postura mais musical.

Qual a diferença de processos entre a auto-produção do segundo disco e a produção do CEM no terceiro disco?

É uma diferença enorme. Foi importantíssima a presença dele para direccionar as ideias que são muitas e que saem de todos os lados. Ele serviu para canalizar o monte de desejos (aquele vulcão) para aquele trabalho que é o álbum. Mas não nos arrependemos de termos produzido o segundo disco, embora tenhamos tido problemas sonoros de áudio. Aí tomámos uma posição política na banda porque houve uma mudança na nossa forma de interpretação. Mais agressiva. Queríamos assumir essa mudança e não deixar nas costas do produtor essa ideia de que ele tinha mudado o rumo.

A banda nasce praticamente nos palcos do teatro. Será que, com este novo disco, assumem-se como uma banda de canções [que deixa para segundo plano a essência teatral]?

Em 1999, este grupo fez uma opção para virar banda. Quem sobe ao palco não são cinco personagens, não encenamos um profeta. São cinco músicos com os seus nomes que sobem ao palco em forma de banda, mais o elemento teatral que está na origem do espectáculo. Então, ainda fazemos um roteiro que não é ligado às músicas (não ligamos se são rápidas ou lentas). Fazemos um roteiro ligado a uma história. A iluminação é conceptualmente de teatro, muito claro, muito forte, embora com recursos de ‘show’, luzes que se movem e tal. No próprio desenrolar do concerto, está implícito toda a nossa experiência com o teatro. Acredito que o CdFE seja um grupo que se encontre na zona de fronteira entre o teatro e a música. Não é só o Cordel, há outros grupos também nesta fronteira. Isso é algo novo que tem a ver também com a geração da Internet.

É esse elemento teatral que vos dá a força que têm em palco? Força essa que atinge proporções de verdadeira banda de culto, sobretudo no Brasil (em que muita da vossa assistência manifesta orgulho em ser brasileiro ao ver-vos em cima do palco)?

Não sei responder o que de facto provoca isso. O grupo foge de um conceito da memória musical da população. A percussão sempre na frente, a poesia sendo gritada, acho que é na verdade um encontro com algo muito estranho e no Brasil isso tem um efeito muito poderoso. Existe toda uma história de ligação da percussão com a coisa arcaica, com a coisa tradicionalista e tribal. E o grupo apresenta essa percussão com essa origem tão antiga. Às vezes com uma postura contemporânea, com uma sonoridade (volto a dizer) agressiva. Há elementos do grupo que amam o ‘punk’ e trazem um pouco disso para a banda.

[parte 1/3]

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