Apesar de totalmente ignorados no interessante documentário “Lusofonia a (R) Evolução” que retrata parte “de um novo som lusófono que emerge em Lisboa e que começa a contagiar o mundo” os TERRAKOTA, além de continuarem a tocar com regularidade na Europa, acabam de conquistar a 19ª posição da tabela do World Music Charts Europe com o mais recente álbum “Oba Train” (distribuído em todo o mundo pela etiqueta italiana Felmay).
A WMCE contabiliza mensalmente o “air play” de cerca de seis dezenas de realizadores de programas de rádios de músicas do mundo do velho continente. Curiosamente, apenas artistas lusófonos residentes em Lisboa, editados ou distribuídos por editoras estrangeiras, como MARIZA, SARA TAVARES (ambos World Connection), BONGA, LURA (ambos Lusafrica) e MANECAS COSTA (BBC Radio 3 – onde andava ele também no documentário? apenas e só no clip da Sara Tavares?) lograram atingir este top 20 mensal.
Atenção que o Sérgio Godinho com o “Irmão do Meio” em edição nacional também por lá andou!
Olá Nuno,
Acho que sim, que andou por lá um ou dois meses. Mas são casos muito pontuais. Tens visto por lá outros discos editados por etiquetas sediadas no nosso país? De qualquer forma, isso só pode ser visto como um bom sinal. Que quando as editoras conhecem os meios certos de distribuição e põem os discos a circular nos canais certos a coisa funciona. Acredito muito sinceramente que o disco “Lus” da Nancy Vieira acabado de editar pela HM (Hélder Moutinho) Música também poderá figurar nesse top. É um grande disco, o trabalho gráfico está muito bem concebido, tem canções muito orelhudas (que não necessitaram de terraplagem ao nível dos arranjos). Há uma ligação interessante entre cabo-verde, Peru, Brasil e Cuba. Tem tudo para funcionar. E, mais importante, quem trabalha na HM conhece bem esse circuito de promoção.
É fácil de perceber: nenhum artista português de nomeada é produzido/distribuido a partir de Portugal. Os centros de decisão das chamadas “Músicas dos Mundo” (whatever that might be) são cidades como Londres, Paris, Berlim ou Amsterdão. É lá que estão as editoras, os agentes e as plataformas de distribuição mais activas e, já agora, o dinheiro (follow the money!). Não é por acaso que artistas como Cristina Branco (Holanda), Mariza (Inglaterra) ou Mísia (França) foram “produzidas” a partir de “fora”. A última foi, inclusive, viver para Paris…O mesmo se passa com os chamados artistas “lusófonos” (o que é isso?). Se estamos a falar de artistas africanos a viverem em Lisboa (Sara Tavares, Lura, Tito Paris, Bana, Bonga, Valdemar Bastos) é verdade que eles vivem cá, mas as editoras/distribuidoras e a promoção estão em França e na Holanda (resp. África e World Connection). Será cada vez mais difícil inverter esta tendência, já porque as “majors” estão a sair do país (vide EMI) já porque as “indies” não têm poder competitivo e Lisboa não é centro de nada, inclusive o chamado “mundo lusófono”, que é uma aberração neo-colonialista. Portanto…
Estamos a falar de artistas que partilham língua comum. Mas o mais perverso no meio de tudo isto é os artistas residentes em Portugal da Lusafrica e aqueles que vivem em França (Mayra Andrade e outros de países de língua não francófona) serem exportados como “produto” francês. Serão a Mísia, a Lula Pena, a Bevinda “produtos” franceses? Se formos ao Womex e virmos os franceses a promoverem-nas acreditamos que sim…
nos cartazes;
Mariza (Portugal-Mozambique)
Sara Tavares (Portugal-Cabo-verde)
somos tão insignificantes no meio que se chega a esta designação mais abrangente.
Pessoalmente não gosto do termo “lusofonia”, pois apela a sentimentos de pertença cultural, que não são sentidos da mesma forma pelos africanos. Dito de outro modo, o José Agualusa e outros escritores africanos, não se revêm no termo e eu percebo porquê. Eles foram obrigados a aprender a língua do colonizador. Relativamente aos cantores, essa “não-pertença” é ainda maior. Basta ouvir os discos gravados pelos cantores africanos residentes em Portugal: raramente utilizam o idioma português nas suas canções. São africanos e cantam nas línguas dos seus países. Quando os franceses (ou os holandeses) os editam e distribuem mundialmente, não estão interessados em saber se eles são da África Lusófona, ou não. São africanos primeiro e cabo-verdianos, angolanos ou guineenses, depois. Nunca “lusófonos”. Quem é que no Mundo sabe o que é um “lusófono”? Ninguém. Portanto, os franceses que vendem um “produto” (música) e associam esse produto a uma “marca” (Mísia) não estão interessados em promover a língua ou nacionalidade portuguesa. Porque é que eles o haviam de fazer? Eles vendem a marca (Mísia) e vendem o género musical (Fado). Se é português, isso só interessa aos portugueses…
Esta é a realidade do Mundo globalizado e é por isso que a Nancy Vieira só terá, provavelmente, sucesso quando fôr promovida em França, como a Lura ou a Mayra Andrade já o são. Não perceber isto é não perceber a realidade do circuito da chamada “World Music”, hoje dominado por três ou quatro países (mercados): o inglês, o francês, o alemão e o holandês. É nestes países que estão as principais editoras/distribuidoras, agentes/empresários, produtores/programadores e festivais/salas. São eles que dão as “cartas” e, por isso, o maior ou menor sucesso de um artista passa inevitavelmente por eles.
Eu vejo o conceito “lusofonias” como uma catalogação política, mais que cultural. Mas não tem porque ser necessariamente mau tentarmos exportar essa unidade linguística, porque apresentamos as culturas de cada país tal como são, sem dervirtuá-las ou neo-colonizá-las.
Aqui na Galiza não se entende a lusofonia como uma imposição cultural de Portugal, mas como um esforço de intercâmbio entre os vários países da CPLP, na qual a própria Galiza sente-se integrada.
Rui M, Rui C, Sara,
Também não gosto do conceito de “lusofonia” mas, infelizmente temos de o suportar, como os ingleses têm de suportar a “anglofonia” e os franceses a “francofonia”. A Sara tem razão quando refere a parte política. É uma forma de estabelecer pontes entre os povos, de tornar mais fácil a sua integração. No domingo tive a oportunidade de falar com o dono da Lusafrica, José da Silva e ele referiu que há muita facilidade na movimentação (ao nível de documentação, viagens) de artistas entre Cabo Verde e França porque há relações políticas privilegiadas entre os dois países. Por isso, produzir um disco de um artista moçambicano e pô-lo em tournée pela Europa sai muito mais caro do que se o artista for Cabo Verdiano. E como sabes, há cada vez mais restrições por parte das autoridades europeias na obtenção de vistos. O thomas mapfumo não conseguiu entrar cá este ano, os Kasai All Stars do congo também não, mais de metade dos músicos da dimi mint abba da mauritânia não conseguiram efectuar digressão no reino unido porque não tinham contas bancárias no seu país. Enfim… os casos sucedem-se.
Relativamente às editoras e ao tal eixo inevitável, há também a Bélgica (com a Crammed, o Michel Winter), a Turquia com a Double Moon (o Mercan Dede andou durante muito tempo em lugares cimeiros), a Itália com a Felmay que produz imensa coisa, a Grécia com a Lyra, a Espanha com um sem número de editoras (Galileo, Resistencia, Nube Negra, Elkar, etc). Há inúmeros “outsiders” que trabalhando bem, conhecendo os circuitos de promoção, conseguem “levar a água ao seu moinho”. Vê, por exemplo, o que uma estrutura caseira como a dos Dazkarieh já conseguiu nestes dois últimos dois / três anos.
É evidente que há pequenas editoras/projectos que “furam” o sistema. Eu limitei-me a mencionar alguns nomes, como exemplo. Estamos a falar de “médias” (a maioria) e não de maiorias. Ora, as médias são más! Falar da Holanda é falar da Bélgica (ambos países da Benelux com uma língua comum), que são países vizinhos e, os dois juntos, mais pequenos do que Portugal, o que facilita o intercâmbio e as digressões. Por alguma razão, a Holanda é o país que “compra” mais Fado em todo o Mundo. E não estou a falar de números relativos, mas absolutos!
Ora bem, é aqui que bate o ponto: Os portugueses só se “safam” se forem lá para “fora”. E, para conseguir isso, só vejo três maneiras: gravar numa “major”, que esteja disposta a investir no “produto” e o distribua internacionalmente; ter meios financeiros consideráveis, para investir e esperar pelo “retorno”; ter agentes locais, que façam bem o trabalho (é o caso da LusaAfrica em Paris, ou do José Melo em Amsterdão).
Fora isso, só por “carolice” ou “sorte” (estar no lugar certo à hora certa). Mas esses serão sempre uma excepção e. como sabemos, as excepções confirmam as regras…
Rui,
Pelas tuas palavras parece-me óbvio que o melhor que poderia acontecer à música portuguesa era termos uma estrutura montada (editoras, gabinetes de promoção da nossa música) num desses países. Mas, apesar de não terem tanta visibilidade, todos os países nórdicos têm os seus projectos a tocar nos principais festivais folk e rock da Europa (Kimmo Pohjonen, Värttinä, Karl Seglem, Hedningarna, Garmarna, Gjallarhorn, Accordion Tribe) e promovem a sua música a partir dos seus países de origem. Não devemos também menosprezar a Espanha, quer como produtora de fenómenos (kepa junkera, l’ham de foc, ojos de brujo, amparanoia, macaco, etc etc etc), quer como consumidora de música portuguesa (O que seria da Dulce Pontes se não fossem os espanhóis? não foram os espanhóis que deram o primeiro empurrão à Mísia?, não é a Syntorama que trabalha sobretudo com músicos portugueses?), de sonoridades “celtas” (Espanha deve ser o país com mais festivais de folk “celta”) e de world (há muitos e bons festivais no país vizinho como o La Mar de Músicas).
Não sei se é preciso ter lá fora uma “estrutura montada”. Os exemplos que mencionas (países nórdicos, etc.) não a têm. Mas têm-na lá “dentro” e quando é preciso montá-la cá fora (WOMEX, etc.) estão sempre presentes, porque são apoiados pelos respectivos governos. O mesmo acontece com a Canadá e por aí fora… Ou seja, os governos desses países, para além de ricos, já perceberam que a cultura é exportável e vendável. Por isso, apoiam-na. Portugal, para além de um país pobre, é pobre de ideias e não tem instituições com visão estratégica. Investe no “futebol” (Mourinho, Ronaldo) e no fado (Mariza) porque são “produtos” facilmente reconhecíveis. Mas recusa investir para além do evidente. É por isso que a música portuguesa conhecida e vendida lá “fora”, está toda nas mãos dos estrangeiros. O mesmo se passa com a música africana dos PALOP. Estivémos em África 500 anos e quem “descobre” os artistas cabo-verdianos e os edita, são os franceses…
Só para te dar um exemplo caricato, o AICEP (antigo ICEP) não quis receber a MUSICA PT, por nos considerar uma associação cultural. Se fosse para organizar uma semana gastronómica no hotel Hilton em Amsterdão, já apoiavam. Continuamos na política do vinho branco e dos croquetes. Assim, não vamos lá!
Antes do mais felicito este site, os Terrakota e todos os que colaboram com a sua reflexão e visão para que este CronicasDaTerra seja o mais rico possível – e é.
Fui co-argumentista do documentário “Lusofonia, A (R)Evolução”, o qual vejo citado em termos interrogativos sobre a não inclusão de certos artistas no mesmo. Pois bem, aquele documentário era apenas uma visão sobre a identidade musical lusófona, muitas mais existem; não teve como objectivo fazer um compêndio de artistas, dessa forma Terrakota, Manecas Costa, e muitos outros talentos que toda a equipa adora musical e pessoalmente não se integraram. Felizmente que muitos não entraram, é sinal que ainda por aí muito talento.
Da nossa parte já publicámos a nossa visão e ansiamos que muitas outras ópticas venham a terreiro para construirmos uma cultura musical positiva que tenha como elemento comum o português. Da nossa parte fizemos um esforço de deixar uma mensagem positiva, subjectiva, mas baseada em factos.
Sobre a questão da lusofonia penso que não é nada político. É bem psicológico, e a nossa utilização do vocábulo “lusofonia” foi dentro de uma perspectiva psico-linguista. Nós pensamos com palavras e as nossas palavras são portuguesas. E estas originam uma estrutura cognitiva, afectiva, psicológica e emocional advinda do léxico português – que é em si próprio um produto de mestiçagem. Lusofonia é uma cognição partilhada em todos os países que se fala português e essa cognição tem emanações na música, que foi onde nos detivemos. Infelizmente têm-nos acusado de “neo-colonialistas”, o que é pena, mas é natural, já que quando não se conhece o “Outro” é fácil associá-lo a estereótipos.
Devemos deixar de olhar para os políticos e de os meter no barulho da música.
Penso que ninguém que pugne por este movimento alguma vez teve apoio de instância políticas e nós não fomos excepção; para quê colocar política na discussão? E afirmar que “lusofonia” é “neo-colonialismo”? Para quê replicar juízos externalizados?
Ben haja para todos!
a.