A WOMEX, principal feira de músicas tradicionais (e tudo à volta), tem sido ao longo de cerca de década e meia de existência, “a” montra de projectos emergentes dos quatro cantos do mundo que aí se dão a conhecer à imprensa e, sobretudo, aos programadores dos principais festivais do planeta. Uma boa prestação num “showcase” de meia-hora poderá representar a aquisição de uma “carta verde” para actuações regulares na Europa e na América do Norte e a possibilidade de um disco desse projecto ser distribuído a nível mundial. Apesar de haver inúmeros artistas que não necessitam de actuar neste certame para entrarem no “circuito”, o certo é que os seus agentes e editores não dispensam os três ou quatro dias de contactos ao mais alto nível que esta feira proporciona.
Se olharmos para o panorama da música feita por cá, verificamos que muito poucos músicos nascidos (ou a residirem) no nosso país pisaram os vários palcos disponíveis para “show cases”. Mas, aqueles que tiveram o talento de o fazer (e a qualidade necessária para convencer os “sete samurais” a integrar determinada “colheita”), como SARA TAVARES ou MARIZA, não esquecerão tão cedo que a WOMEX serviu de “rastilho” para uma carreira internacional que “explodiu” pouco tempo depois. ANA SOFIA VARELA só não aproveitou o mesmo “embalo” porque teve de interromper a sua carreira musical para cuidar do seu rebento.
O fado é, cada vez, mais uma das mais apetecíveis “iguarias” do, cada vez mais, miscigenado “cocktail” da “world music”. Claro que os MADREDEUS foram uma espécie de Bartolomeu Dias que transformaram o Cabo das Tormentas em Boa Esperança, abrindo o caminho à filiação da canção urbana de Lisboa para os palcos internacionais, mostrando aos programadores de festivais “world” e aos “media” da especialidade que em Portugal faz-se um certo tipo de música que é único, só nosso. É essa autenticidade, esse “blues” urbano da cidade de Lisboa, que cativaram editores holandeses (World Connection) e norte-americanos (Times Square) e programadores de espectáculos da vizinha Espanha como a Syntorama que trabalha, provavelmente, com mais músicos portugueses do que espanhóis.
A miscigenação de Lisboa
Lisboa tem sido também berço de muita da música da África lusófona apreciada, sobretudo, lá fora. Inúmeros são os artistas (BONGA, WALDEMAR BASTOS, LURA, SARA TAVARES, MANECAS COSTA, etc) que usam a grande Lisboa como um local onde se recupera energias antes, durante e depois de intensas digressões. Para além disso, certos grupos mais ligados à “folk”começam também a tocar com regularidade em importantes festivais do género. Veja-se a ascensão internacional dos DAZKARIEH. Coisa impensável há uns anos atrás quando alguma “inteligentsia” questionava como seria possível a uma banda, que não se pautasse pela autenticidade que o fado garante a alguns intérpretes portugueses, competir com músicos britânicos ou nórdicos tecnicamente muito mais dotados. Apesar de nunca terem tido a oportunidade de efectuar um “showcase” na WOMEX, a banda de VASCO RIBEIRO CASAIS tem tido presença assídua nestes últimos quatro anos. Basta olharmos para a agenda de concertos dos dois últimos anos para verificar que o quarteto já começou a colher os frutos do investimento efectuado e nunca prescindirá de regressar a esta feira.
Este ano, os GAITEIROS DE LISBOA asseguraram a única presença portuguesa nos “show cases” da WOMEX e JANITA SALOMÉ foi seleccionado para uma segunda lista de reservas para colmatarem eventuais desistências entre as cerca de quatro dezenas de projectos alinhados. Curiosamente, dois nomes não ligados ao fado entre um dos mais fortes lotes de sempre, com alguns “tubarões” pelo meio, que não precisavam de ir à WOMEX para serem figuras de cartaz nos principais festivais “world”, como são os casos de BAJOFONDO TANGO CLUB, MAYRA ANDRADE ou TOUMAST. Aqui se constata, quer importância cada vez mais determinante na angariação de datas para a “tournée” de uma banda, quer a maior qualidade dos projectos seleccionados pelo júri que parece saber, felizmente, o que é a nata da nata da música tradicional portuguesa além fado.
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Se é verdade que alguns artistas portugueses devem à WOMEX parte do seu estatuto internacional, também é verdade que outros foram “lá” e não saíram da “cepa torta”. Penso que, nos exemplos que dás (Sara Tavares e Mariza) a sua internacionalização é mais uma consequência de serem editadas e distribuidas a partir da Holanda, do que a Feira em si. Quando a Mariza “passou” por Essen (2002) já tinha sido editada pela “World Connection”, já tinha estado no programa do Jools Holland (BBC) e tinha sido “capa” da “Folk Roots”. A apresentação de Sara Tavares na Feira de 2001 (Roterdão) não foi particularmente feliz. A sua carreira internacional a sério, “começa” em 2005, a partir do primeiro disco para a…”World Connection”.
Já relativamente aos nomes “sonantes” (Mayra Andrade, Tango BajoFondo, etc.) “não precisarem” de ir à Womex, não significa que a Womex não precise deles…Trata-se, afinal, de uma questão de “marketing”: para atrair “sponsors” para a Feira e público aos “showcases” (com bilhetes pagos) a Womex também necessita de alguns “nomes sonantes”. Como diria o Keynes, é a Lei do Mercado a funcionar…
Olá Rui,
Sê bem regressado. Espero que tenhas tido umas óptimas férias por território flamengo.
Claro que o facto de tanto a Mariza, como a Sara, o Waldemar, o Manecas, o Bonga, a Lura, estarem a ser editados e agenciados por estruturas holandesas, inglesas, francesas, tem sido determinante para a rodarem com frequência no “circuito”. Também é verdade que uma cantora como a Cristina Branco não precisa de forma alguma da WOMEX para arranjar espectáculos na Holanda e em França. Mas também é verdade que todos esses editores, tour managers, etc. não dispensam a WOMEX para fazerem os seus negócios.
Relativamente à Mariza, apesar de não ter estado presente em Essen, contaram-me que o show case dela correu mesmo muito bem e que no final os agentes, programadores de festivais, etc, faziam fila para tentar falar com ela.
Ainda ontem estava a falar com Blasted Mechanism que foram pela primeira vez à womex do ano passado e ao falarmos da experiência que eles tiveram na gravação de “total rebellion” com os Transglobal Undergroud eles contaram que esse facto foi “provocado” em Sevilha através da agente alemã deles.
é sempre bom ir á womex, seja através de um show case, com ou sem stand. Sabes melhor do que ninguém que há sempre coisas inesperadas a acontecerem.
abraço
Claro, é sempre bom ir à Womex. Estamos de acordo.
Há uma outra dimensão que está a acontecer, como por exemplo com a nossa empresa que este ano pela primeira vez vai ter um stand, é a internacionalização das próprias empresas. É meio frustrante passear-se pela Womex e ver a esmagadora maioria dos artistas portugueses representados por empresas estrangeiras. No entanto, sem um trabalho continuado e sério de internacionalização das nossas organizações não se poderá fazer grande coisa. Nós este ano vamos representar 30 artistas na Womex, sendo apenas 2 portugueses e 1 brasileira a morar em Portugal (a Mylene Pires). Mas mais do que falarmos dos artistas devemos 1º falar das nossas organizações, porque sem elas os artistas que vivem em Portugal continuam a ser dependentes da ‘boa vontade’ ou do ‘feeling’ de organizações estrangeiras.
Ora aqui está uma boa contribuição para a discussão que urge levar a cabo no seio das agências/promotores de artistas portugueses no estrangeiro. De facto, os artistas são importantes, mas quem os promove/vende são, normalmente, as empresas especializadas. Também é verdade que a maioria dos artistas portugueses (de sucesso internacional) é promovida por empresas estrangeiras.
É importante perceber porque é que isso acontece. Uma das razões tem a ver com a dimensão económica (leia-se, concorrencial) das nossas empresas. Uma situação que não é específica da música, mas que é específica de Portugal. Outra razão tem a ver com o facto de Portugal ser um país periférico. As decisões económicas são tomadas em Londres, Paris ou Berlim e nunca em Lisboa. Este é, quanto a mim, o factor determinante para perceber a visibilidade e distribuição da música portuguesa no estrangeiro. Que as empresas estrangeiras o façam melhor que nós, não deve ser uma surpresa…também não deve ser surpresa que muitos artistas portugueses queiram trabalhar com agentes estrangeiros (sabem que estes estão mais próximos dos centros de decisão).
A questão central parece ser: é possível inverter esta tendência, ou não há nada a fazer?
Penso que há muito para fazer. E como eu, outras empresas, que constituiram a APMP (Associação Promotores de Música de Portugal) presente em Sevilha, com 4 “stands” sob o a bandeira da MUSICA PT. É nosso objectivo promover, divulgar e, através dos nossos sócios, vender a música portuguesa no estrangeiro. Todas as contribuições e sugestões são, por isso bem vindas. Inclusive uma boa discussão na NET.