Rui Mota, um dos seis “samurais” responsáveis pela escolha das quatro dezenas de projectos seleccionados para os “showcases” da WOMEX 2007, descreve como viveu esses dias intensos e como foi difícil ao júri ir eliminando outros canditados tão bons quanto os que se irão apresentar ao vivo em Sevilha entre os dias 24 e 28 de Outubro.
SEM RESSACAS DE BERLIM
No dia que voei para Berlim, levantei-me às cinco da madrugada.
Tinha prometido a mim mesmo não ouvir música nos dias anteriores, para que a minha cabeça e ouvidos estivessem “limpos” antes da maratona germânica.
O taxista que me conduziu ao aeroporto tinha, certamente, outra ideia em mente e não se envergonhou de partilhá-la comigo. A partir do momento em que entrei no táxi, sabia que teria de ouvir um sonante “funaná” de Cabo-Verde. A voz era de Tito Paris. Conheço Tito dos clubes da noite lisboeta e gosto de música cabo-verdiana. O condutor notou o meu interesse e, da conversa que se seguiu, outro CD apareceu: desta vez Nancy Vieira, interpretando uma “morna”. A “corrida” para o aeroporto levou menos de vinte minutos, mas nesse curto espaço de tempo tive de escutar 5 ou 6 cantores cabo-verdianos diferentes. O taxista ficou satisfeito por ter um cliente com quem pudesse falar sobre música do seu pais natal e eu fiquei contente por poder dividir com ele este gosto universal por sons únicos. Já no avião, enquanto anotava os nomes das canções que tinha acabado de ouvir, prometia a mim mesmo comprar alguns deles quando regressasse a Lisboa. Todos eram bons e, em tão pouco tempo, eu não conseguia decidir qual deles era melhor. Sem o saber, o condutor de Cabo-Verde tinha antecipado os dilemas que eu encontraria naquele fim-de-semana em Berlim.
O “Johann Hotel” é um pequeno e acolhedor edifício com cerca de trinta quartos, no famoso bairro de Kreuzberg. Para além de alemães, podem ver-se inúmeros emigrantes turcos e cidadãos asiáticos da Índia, China e Tailândia naquela zona da cidade. Nos cafés e parques circundantes, a “música do Mundo” mistura-se durante todo o dia. Sente-se uma atmosfera descontraída e podemos caminhar pelo parque ou beber uma (boa) cerveja num dos barcos-restaurante do urbanhafen. Aí encontrámo-nos pela primeira vez, todos os membros do júri, com Gerald e Christine da Womex. Eles foram os nossos guias nessa noite e a música foi, naturalmente, o tópico da conversa nesse primeiro encontro.
Os escritórios da Womex são a cerca de dez minutos do “Johann Hotel” e para lá nos dirigimos no dia seguinte, cheios de coragem para iniciar o grande trabalho, ainda não eram 10 horas da manhã. Os escritórios estão situados num antigo e bem cuidado edifício, que em tempos terá sido um hospital ou uma instituição similar e que, actualmente, está transformado num espaçoso “lof”. Espaços abertos e milhares de CD´s e livros sobre o circuito da Música do Mundo. Nada de surpreendente, uma vez que é ali, também, a sede da editora “Piranha”. A primeira surpresa surgiu com as caixas das candidaturas aos “showcases”: mais de trinta, de cartão, contendo 650 envelopes com materiais dos candidatos para serem vistos e ouvidos pelo júri, em apenas dois dias e meio…
O facto da Ásia e da África terem menos candidatos, não significava que estivéssemos satisfeitos com as primeiras horas de discussão sobre os gostos e critérios no grupo. Eu não estava. A segunda metade do dia, dedicada às Américas (Norte e Sul) e à Europa, seria ainda mais difícil. Por outro lado, esta era a música onde eu me sentia mais à vontade e isso ajuda sempre. O difícil era a qualidade a eliminar. Já passava da uma da manhã do dia seguinte e tínhamos reduzido a lista a 120 nomes.
O segundo dia seria, se possível, ainda mais polémico pelo que foi impossível evitar a discussão dos “experts” em redor da mesa. Apesar disso, não foi difícil concordar com a excelente “inside information” trazida por Bill dos Estados Unidos ou o gosto escandinavo de Siogborn e a sua experiência radiofónica. Menos expressivos, mas dotados de grande conhecimento, foram Peter de Praga e Gaelle de Paris, a representante francesa no júri. Por outro lado, Hermínia (Espanha) teve o gosto e o humor suficientes para nos ajudar a atravessar as horas mais negras da noite. O dia findou às duas da manhã seguinte. Tínhamos trabalhado durante 14 horas consecutivas e chegado a uma primeira lista de 70 nomes. Destes, uma lista final de 40 artistas estará presente em Sevilha. Isso sabíamos de certeza.
Quando estes apontamentos forem publicados, os nomes dos artistas seleccionados para actuarem na próxima Womex serão conhecidos em todo o Mundo.
Após ouvir mais de 650 candidatos em três dias de 12 e mais horas de trabalho, os membros do júri (uns verdadeiros “samurais”!) fizeram a sua escolha: 40 nomes de grupos e artistas individuais que representam uma larga paleta de estilos musicais, países e, claro está, gostos pessoais.
Dadas as premissas e linhas de orientação conhecidas antecipadamente, devo admitir que fizemos um bom trabalho. Não que outros bons nomes, não pudessem ser igualmente escolhidos. Certamente outros quarenta, ou mais…
E este foi a principal problema do júri: como escolher bem, quando os candidatos eram tão bons?
Devo confessar que – estando pela primeira vez no “outro lado da barricada” – isso deu-me uma melhor percepção dos tremendos esforços que todos fizeram para dar uma oportunidade real à maioria dos grupos. Esta é uma responsabilidade que tenho de dividir com todos os meus colegas. Estou certo que todos eles concordam com a minha opinião: a dificuldade não foi fazer escolhas, mas eliminar nomes e, nesse sentido, ser obrigado a fazer escolhas…
São demasiados os exemplos para serem mencionados aqui. Pessoalmente, estou muito satisfeito que artistas como MAYRA ANDRADE (Cabo-Verde) ou TANYA TAGAQ (Canadá), possam estar presentes. Dos restantes nomes, as minhas preferências vão para os KASAI ALLSTARS (Congo), que falharam a edição do ano passado devido a problemas com os “vistos” e prometem um “show” colorido, onde a energia posta em palco não será inferior à música tocada. Grande música africana em perspectiva, pois. O “tanguero” MELINGO (Argentina), representante da velha escola “lunfarda”, com um timbre a lembrar o mestre Goyeneche, é outro nome a fixar. SIBA E A FULORESTA (Brasil), um verdadeiro caleidoscópio de ritmo e cor, é bem representativo da riqueza nordestina brasileira e um “must”. O grupo 3 CANAL (Trinidad e Tobago), um trio de cantadores-dançarinos que mistura hip-hop, ska e música electrónica, num espectáculo frenético, promete ser uma das surpresas destes “showcases”. FANFARA TRIANA (Albânia) uma “brass-band” pouco clássica, onde os sopros se misturam com as belas polifonias Balcãs, num espectáculo pleno de intensidade e técnica arrepiantes. TARA FUKI (República Checa) uma cantora surpreendente, na voz e atitude “zen”, onde o minimalismo das interpretações conseguem atingir uma atmosfera verdadeiramente encantatória. ROSS DALY (Irlanda/Grécia) o veterano tocador de “lyra” grega, que interpretará as belas melodias tradicionais de Kreta acompanhado do seu grupo “Labyrinthos”. Finalmente, os famosos BALKAN BEAT BOX, que têm dominado as “charts” europeias da “World Music” e que, em Sevilha, não deixarão os seus créditos por mãos alheias…
Todos eles aceitaram o convite para estarem em Sevilha. Nessa altura poderemos ajuizar da qualidade da sua música. E a boa música é, como todos sabemos, o último critério para julgar um músico no seu melhor. Não disfarço a minha impaciência.
Rui Mota (membro do júri Womex 2007)
Que linda historia ! gostaria de conheser berlim um dia destes! o tito paris ja o conheso nos consertos de lisboa!
so que o tal samuray só ouve falar dele nunca-lhe conhece por-a-caso.,
se tever vivo ainda sertamente ei de conhecer um dia deste…