Entrevistas

MARI BOINE: «SAY IT LOUD, I’M SAMI AND I’M PROUD»

Não. MARI BOINE não lutou pelos direitos civis da população negra norte-americana, mas é uma espécie de zapatista Sami, que tem contribuído para que o seu povo, aqueles que “foram empurrados para o tecto do mundo”, sintam mais orgulho na sua cultura e na sua etnia.

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Antes de passar este fim-de-semana pelo Teatro Municipal da Guarda e pela Culturgest em Lisboa, a cantora sami que vive na Noruega, participou na segunda edição do Festival Sons em Trânsito. A entrevista que se segue, realizou-se a 30 de Novembro de 2004, no próprio dia da sua actuação no Teatro Aveirense. Nessa altura, MARI BOINE preparava-se para descansar um pouco e para depois disso pensar no álbum que viria a editar em 2006, “Idjagiedas”. Uma obra que marcou um regresso às origens, a uma sonoridade mais orgânica, após a experimentação electrónica com o produtor de electro-jazz norueguês Bugge Wasseltoft, em “Eight Seasons” (2002) e do lançamento do disco “Remixed” (2001), que incluía remisturas de alguns dos temas mais simbólicos da sua carreira. Nesta conversa, MARI BOINE não renegou a hipótese de voltar a incluir electrónica em discos futuros, mas diz que é preciso «ir com calma». É preciso que isso não “retire a espiritualidade à minha voz”. Pode pressupor-se que o resultado de “Eight Seasons” e do álbum de remisturas não foi inteiramente do seu agrado. Boine escuda-se. Afima: “não é que não goste de trabalhar com electrónica, mas não é isso que quero fazer no futuro”; e destaca apenas duas ou três remisturas de que realmente gostou: as de “Gula Gula”, uma realizada pelos BIOSPHERE, a outra pelo seu saxofonista.

A pausa de cerca de dois anos que ocorreu depois do lançamento de “Room of Worship” (1998), permitiu a Mari participar em vários projectos com outros músicos de gélidas latitudes: com os FARLANDERS, com quem gravou o disco “Winter In Moscow” e com o projecto multinacional VERSHKI DA KORESHKI que envolvia dois artistas também russos, um senegalês, um indiano e o cantor dos HUUN HUUR TU de Tuva. Tempos conturbados em que parte dos elementos da banda de MARI BOINE foram à sua vida, colaborando com o queniano AYUB OGADA, ou multiplicando-se em inúmeros projectos, como é o caso da criativa violinista HEGE RIMESTAD. “Foi como um divórcio, por vezes não consegues compreender o que aconteceu”, tenta MARI BOINE explicar a causa afastamento desta norueguesa. Da anterior formação, restam agora apenas dois elementos. Destaque óbvio para o peruano das flautas, CARLOS QUISPE. Para a «yoikker», ele é um elemento chave na formação devido à sua “espiritualidade e profundidade enquanto ser humano”. Homem das montanhas andinas, que dá uma tonalidade mais xamânica ao projecto.

Zapatista xamânica.

A sua música, além de combinar arranjos de jazz com yoik, tem uma veia extremamente xamânica. Se repararmos, os xamans encontram-se em partes difusas do nosso planeta. Na Lapónia, na Sibéria, na Austrália, nas Américas. Que leitura faz deste “puzzle” com pedaços espalhados pelo mundo? Como é que a sua música recebe essas influências?

É a cultura original de todo o ser humano. Era a cultura que vigorava quando o homem estava muito próximo da natureza. Não é exclusivo apenas da Lapónia, existe até mesmo na Europa. A Cultura Celta tem esses elementos. É quando se torna interessante. A minha cultura não é apenas restrita ao local de onde venho, é universal. É como um tesouro que certas pessoas tiveram o privilégio de o preservar. Não percas isto! Este é o teu presente.

Quando os Cristãos colonizaram a Noruega, proibiram que se cantasse o yoik e queimaram todos os “Shaman Drums”, além dos violinos tatuados. «Era a música do diabo», diziam eles. Ainda cresceu no seio de uma geração em que era proibido cantar «joik» e falar-se o seu dialecto sami nas escolas. Até que ponto é que este panorama se tem alterado?

Agora as nossas crianças já falam sami nas escolas e cantam yoik sem restrições. No entanto, continua a haver um grupo cristão muito fundamentalista. Afirma que não deve ensinar as crianças a cantar desta forma e que o yoik nunca será permitido na igreja.
É o medo que eles têm dentro deles acerca da natureza. Se olhar para a história, observa o que Inquisição fez. Durante todos estes anos, temos lutado contra algo que está dentro de nós. O homem a lutar contra sua a natureza. Gosto de ver isto como um todo, não apenas como uma simples opressão Sami. O opressor oprime uma parte de si próprio. Precisamos de voltar a ter esta ligação com a natureza e de ter orgulho nisso.

Considera-se uma Zapatista Sami?

Não sei o que é o Zapatismo.

É o símbolo de resistência indígena no México liderado pelo Subcomandante Marcos que, através de canções e poemas tem tentado chamar a atenção dos média mundiais para a luta dos direitos dos indígenas mexicanos a não abdicarem das suas terras.

Penso que é o que sou (ri-se). Mas penso que na Escandinávia a situação social para o meu povo é muito melhor do que a dos Mexicanos. No entanto, continua a haver discussão sobre posse de terras. É uma situação difícil para a Escandinávia aceitar isso. Não somos noruegueses, finlandeses ou suecos, somos uma comunidade que possuía essas terras antes de sermos colonizados. Isto é algo que está a começar a ser discutido.

Ao longo de quase vinte anos de carreira como cantora de intervenção, o que é que conseguiu conquistar para a sua causa e para o seu povo?

As pessoas sentem-se mais orgulhosas em serem Samis. Já não se sentem tão envergonhadas. Os jovens têm ídolos Samis, o que é importante para esta geração. Fala-se mais abertamente de como nos sentíamos envergonhados da nossa cultura. Muitos Samis queriam esquecer a sua cultura, a sua língua e falavam com os seus filhos em norueguês. Isto tem mudado. Tem havido maior abertura. Essa mudança só se dá quando as pessoas se tornam mais orgulhosas de si próprias. As mudanças não vêm de um governo, vem de um povo que começa a sentir-se orgulhoso.

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