Entrevistas

Ricardo Ribeiro: guiado pelo instinto

ricardoribeiro260.jpgRicardo Ribeiro, fadista residente do Marquês da Sé e da Mesa de Frades é a voz que canta poetas portugueses contemporâneos no último disco do compositor, improvisador e tocador virtuoso de alaúde, o libanês Rabih Abou-khalil. Em parceria com Jarrod Cagwin (percussão), Michel Godard (tuba, baixo) e Luciano Biondini (acordeão), Rabih Abou-khalil e Ricardo Ribeiro gravaram recentemente o álbum simplesmente intitulado «Em Português». No início do mês de Agosto, apresentaram este disco em São Martinho do Porto e no CCB de Lisboa. Em Outubro regressam ao nosso país para actuar nas Caldas da Rainha.

– Não é vulgar que a música de Rabih Abou-Khalil seja cantada e logo na nossa língua. Como é que o Rabih lhe endereçou este convite e como é que ele se interessou pela poesia portuguesa?

– É um pouco difícil de explicar. Conheci-o muito de repente e de uma forma natural. A primeira abordagem foi precisamente quando o Ricardo Pais pensou no espectáculo que fiz com ele em que ele trouxe para a cena a Dona Argentina Santos, a Dona Celeste Rodrigues, o Alcindo de Carvalho. Fizemos o «Cabelo Branco é Saudade». E quando ele me conheceu disse-me: « – você é a pessoa indicada para cantar a música de um compositor do qual sou admirador». Um músico instrumental raramente diz canções. Diz que são peças. O Rabih não. Para ele são tudo canções. O Ricardo Pais, ao saber disso e ao já ter tido a experiência da colaboração do Rabih com o Camané que cantou dois temas num espectáculo, apresentou-nos. Ele não chegou a gravar, porque o Rabih nunca teve um cantor num disco, excepto o Gavino Murgia que é um músico fantástico, utiliza a voz como instrumento mais rítmico e melódico ao mesmo tempo. Basicamente foi assim. O convite aconteceu de uma forma natural e começámos a trabalhar. O Rabih veio assistir à estreia do «Cabelo Branco é Saudade». Ele ficou a gostar de me ouvir cantar. Percebeu que aquilo que fazia no fado dava bastante margem para poder trabalhar a música dele.

– O que é que atraiu mais o Rabih na sua forma de cantar? o seu tom rouco? a forma como foge ao fado e quase canta como um cantor árabe?

– Ao homem não acontece aquilo que ele merece, mas o que se assemelha. É uma frase que gosto muito e que tem guiado a minha vida muitas vezes pelo instinto. Tudo o que canto aqui foi por instinto. O ritmo sempre a mudar e as melodias. No primeiro dia em que trabalhámos, ele ligou ao Jürgen [responsável pela editora alemã Enja Records de Rabih Abou-khalil] e disse-lhe: »- É incrível como eu encontrei um músico que canta a minha música naturalmente. Ele ouve a canção uma ou duas vezes e canta. Não é matemático. É natural.» Isso deixa-me muito orgulhoso. Mais uma vez lhe digo que pode parecer pretencioso, mas não é. Foi fácil no sentido de que a minha mulher perguntava-me se não ouvia o disco com as provas dos ensaios. Eu dizia-lhe que não. Preferia ouvir uma ou duas vezes e quando estivesse lá deixar que as coisas acontecessem naturalmente. Sempre fui assim, quer no fado, quer com esta música. Claro que houve coisas a corrigir, mas tudo aconteceu com naturalidade.

– Na conversa que tive há algum tempo com o Camané, falávamos muito do árduo trabalho de interpretação que ali estava. Isso vê-se em alguns temas do disco como a «Mariquinhas», com todas as dinâmicas ritmicas, com todos os jogos vocais.

– Repare que quando o Camané viu uma das provas no São Luiz, aquando do primeiro concerto em Lisboa, eu tinha tido sete ou oito ensaios com o Rabih e o Jarrod Cagwin, sem a banda completa. Digo-lhe que houve alguma dificuldade em dois temas como a «Lua Num Quarto» e o «Jogo da Vida». Este último tema é fascinante porque trabalha sempre com duas oitavas, uma muito grave outra grave e aguda e o ritmo. Sempre o dizer das palavras. As outras foram relativamente fáceis. Trabalhou o instinto. Deixei que as coisas fluíssem. Se reparar no disco, a minha voz está sempre uníssona com o alaúde.

– O Camané também referia as suas raízes bairristas no bom sentido. Isto também remete um pouco para a história de Portugal. Para a presença árabe. Não haverá uma relação do fado com a música árabe?

– Posso considerar por um lado. Por outro lado não posso porque nada das coisas do fado estão escritas. É tudo muito vago. Se isto fosse como a música clássica em que as regras e os princípios estão escritos, talvez as coisas fossem de outra forma e não se cometessem alguns «crimes» que se fazem ao fado. Mas, repare, na Idade Média a capital do mundo árabe era Granada. É natural que isto nos fique. Agora quem sou eu para lhe dizer que há reminiscências árabes no fado. Mas repare que a música do Rabih Abou-Khalil não é música árabe, é o estilo dele.

– sem dúvida.

[continua amanhã]

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2 Comments

  1. Gostava de saber a data do proximo concerto nas Caldas da Rainha. Estive no CCB, mas infelizmente nao ouvi o concerto na totalidade. Obrigada. Sandra Xavier

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