Entrevistas

[entrevista SARA TAVARES]: Orgulho Crioulo


(c) Jurrien Wouterse

Nasceu em Portugal, mas é 100% africana. Fillha de pais cabo-verdianos, cresceu e foi educada pelos avós. Tornou-se figura pública por ter ganho aos 16 anos o concurso televisivo “Chuva de Estrelas” e por ter colaborado com vários músicos de grande exposição mediática como a ALA DOS NAMORADOS (em “Solta-se o Beijo”). Tem já três discos gravados. “Balancé” é a pérola maior que reflecte a persistência de quem acredita no “trabalho pelo trabalho”. Um disco que balança entre duas culturas, feito de inúmeros afectos e cumplicidades.

SARA TAVARES é, talvez, a única artista portuguesa que não canta fado e que já conquistou os placos internacionais. Da Europa à América e à Ásia. A concorrida agenda fala por si. É a negra (coisa rara!) que dá a cara a uma massiva campanha publicitária de um banco português. É a artista que os portugueses bem conhecem da televisão, mas que não conhecem da obra maior “Balancé”.

Há dias, Pedro Rolo Duarte, comentava no DN (a propósito dos “cavalos” oferecidos com os jornais) que os portugueses eram o povo da Europa que mais dicionários com letra “A” coleccionavam, porque o primeiro fascículo é sempre grátis. As Crónicas da Terra desejam que os cidadãos que habitam o nosso país possam conhecer mais temas de “Balancé”, para além de “Bom Feeling”. Tema que é oferecido em CD single nessa instituição bancária, ao fazermos uma simulação de crédito para compra de casa.

Já agora SARA, que tal retirares o “Bom Feeling” do teu My Space e colocares temas como “Ess Amor”, “One Love” ou “Planeta Sukri” ?

Deixo-vos com parte da entrevista realizada no programa de rádio Terra Pura, há cerca de dois meses atrás.

A tua história de vida é um pouco atribulada. De qualquer forma conseguiste encontrar forças para te afirmares para sobressaíres.

Acho que não foi muito consciente essa questão da afirmação. Mais uma questão de viver e de me expressar. Sempre amei essa expressão de “ser da música”. Sempre me acompanhou desde miúda. Tinha os ouvidos aguçados para ouvir música. Adorava. Depois foi um processo de olhar para as coisas com olhos de ver, inclusive para mim mesma.

Vemos grande parte desta segunda geração de filhos de imigrantes que cresceram em Portugal a sentir uma certa falta de identidade e a revoltarem-se contra os pais e contra a nossa sociedade. Mas aquilo que sobressai da tua música e do teu discurso é sempre uma mensagem positiva, calorosa. Onde é que vais buscar essa energia positiva que te impede de também seres uma pessoa revoltada?

Os poemas que ponho nos discos já são coisas filtradas. Também tenho os meus momentos de revolta, de baixa auto-estima. Acho que aqueles que, como eu, são africanos e nasceram e Portugal precisam muito de fazer subir a sua auto-estima, sobretudo os que são filhos de pais separados. Os miúdos estão muito sozinhos. Há a massificação da cultura pela MTV e pela rádio, que não é a nossa. Olhamos para nós e verificamos que não somos iguais a eles. Isto é uma coisa que se passa com os filhos de pais africanos e não só. Passa-se com o povo português em geral e com a África Lusófona. A auto-estima é muito baixa por que não há referências nossas na comunicação social em geral que sejam celebradas, exaltadas. Da minha parte, acho que tenho os valores com os quais fui educada. A minha avó transmitiu-me valores muito interessantes: o trabalho pelo trabalho, o ser humano pelo ser humano, independentemente da sua origem e da sua aparência. Também sou uma pessoa com uma formação cristã, que acredita no amor ao próximo.

És uma cristã praticante?

Não sei o que isso quer dizer.

Fazes a tua oração diariamente?

Sim. Não tenho rituais específicos. Tenho uma relação com Deus bastante viva.

Sentes Deus dentro de ti…

…dentro, fora, à volta, em todas as coisas bonitas e em todos os desafios do dia-a-dia. Sinto que a minha questão de crença tem a ver que a minha passagem neste mundo é uma escola de evolução e uma ponte para me levar à minha raiz que é Deus.

Relativamente aos músicos de origem africana da tua geração que nasceram ou vivem em Portugal e que se têm afirmado internacionalmente, vemos que a Mariza que se dedicou ao fado. Já tanto Lura como a Nancy Vieira (ainda não é conhecida internacionalmente mas para lá caminha) afirmam-se mais pelo lado da tradição cabo-verdiana. Tu estás aqui um pouco no meio, no lado mestiço. É esta música mestiça que faz com que sejas tu própria?

Tem a ver com o partilhar daquilo que eu sou. Mais do que partilhar uma bandeira. Não há patriotismo em mim porque daí teria de escolher entre Portugal e Cabo Verde e o caso ficaria mal parado. Prefiro congregar essas duas riquezas minhas (culturalmente) que se cruzam entre si. Há muitas outras coisas que são transversais à cultura crioula e à cultura portuguesa. Toda a história em comum. Sou uma jovem e detecto à minha volta uma identidade muito especial que nasce do cruzamento entre duas culturas, que nasce da imigração, dos filhos de segunda geração e da diáspora africana em Portugal. Achei pertinente falar e celebrar isso, mais do que celebrar uma tradição que eu não conheço, que eu não vivi, seja ela cabo-verdiana ou portuguesa. Cresci em Portugal a ouvir música soul americana e pop inglesa na rádio. Porque foi aquilo que sempre nos deram. Porque a música portuguesa (e todas as outras) sempre foi segregada para um cantinho. Não tive essa escola e não me sentiria muito bem a defendê-la. Se bem que nos últimos anos tenho ido muito beber à folk de Cabo Verde e tenho integrado isso na minha forma de expressão, de tocar guitarra, de compor. Mas pretendo sempre fazê-lo à minha maneira, mesmo para exaltar perante as pessoas da minha idade, que estão na minha situação, que é bom sermos como somos. Não temos de ser mais cabo-verdianos e menos portugueses, nem vice-versa. Só temos de ser 100% nós mesmos.

O que é que aconteceu entre o primeiro disco e o segundo em que fizeste uma pesquisa da música de África (não apenas cabo-verdiana)?

Ouvi muita coisa. Tudo o que não era americano conhecia quase zero. Houve um crescer, olhar para o espelho, detectar em mim uma “africanidade” mais pela genética, pela forma como gingava, como fazia ritmos. Estava muito apaixonada pela percussão nessa altura. Uma coisa levou à outra.

Como é que entraste em contacto com o congolês LOKUA KANSA que acabou de produzir o segundo disco?

Muito simples. Ouvi um disco dele e gostei imenso. Na altura já tinha estado em Inglaterra e nos Estados Unidos a fazer pré-produção e a compor com alguns compositores de lá. Andava à procura de um produtor e não estava satisfeita porque achava que ninguém entendia aquilo que queria fazer: uma coisa que tivesse afro mas que fosse situado no mundo…

… um afro-europeu a partir de Lisboa?

Sim. Então, não encontrei essa consciência na América e em Inglaterra. O LOKUA embora não seja um africano da lusofonia é um africano que vive em Paris, é um homem virado para fora, extremamente enraizado na cultura congolesa, mas que experimenta muito. A música dele é de fusão, muito aberta. Ouvi um disco dele e amei-o. Entrámos em contacto com ele. Foi super simples e acessível. Mostrou-se super-cativado em trabalhar comigo e aí compusemos juntos e fizemos um disco.

Entre o segundo disco e o “Balancé” há um hiato de uns seis anos. Foi o tempo de efectuares uma nova introespecção, uma nova pesquisa pela música africana?

Desta vez não tanto da música africana, do que me rodeava, mas daquilo que estava cá dentro. Optei por fazer a pré-produção sozinha porque queria mesmo saber o que é que se passava cá dentro. Tinha andado a receber estímulos de fora, queria partilhar aquilo que era o meu âmago, para não me parecer a mim própria “Maria-vai-com-as-outras”. Queria provar a mim mesma que não estava a seguir uma tendência, porque a “world music” tem sido uma tendência difícil de resistir nos últimos anos. Um escape àquilo que é o “mainstream”.

Há também muita “mainstream” na “world music”. Esta designação é um “selo” que permite vender determinados artistas que não são anglo-saxónicos.

Quando falo em “mainstream”, falo em “top 10”. No que passa na MTV. Estes seis anos serviram para me agarrar à guitarra. Sou uma tocadora muito rudimentar. Com todo o meu tempo e o meu vagar, este tempo serviu para juntar acordes, juntar poemas e falar dessa identidade interior, pessoal.

“Balancé” é também um álbum de afectos com várias pessoas, de várias áreas. Isto é Lisboa. Sítio onde podes contactar com brancos, negros, mestiços, que tocam fado, dança, funk, hip hop. É essa a mais-valia da miscigenação?

Lisboa para mim é uma cidade fantástica. Adoro viver aqui. Há esses encontros constantes. No caso do “Balancé” foram encontros com quem tinha uma relação de alma, com a qual me identificava muito e achei ali uma oportunidade. Achei que havia ali um espaço para elas se expressarem também. Que havia ali algo em comum e queria muito falar dessa coisa do “comum”. A lusofonia é um jogo de cumplicidades entre vários tons da maneira de ser português. Achei e acho que fora de Portugal o que se conhece mais do nosso país é sempre aquela coisa mais temática do fado, do “português branco”. Quis mostrar que Portugal é bem mais do que isso, que é um universo muito vasto.

Lá fora, anunciam-te muitas vezes como uma artista cabo-verdiana. Muitas vezes também dizem que és uma artista portuguesa…

Sim. Muitas vezes anunciam-me como artista portuguesa. Eles ficam confusos com essa questão da dupla culturalidade. Muita gente não conhece a história da lusofonia. Olham para mim, sou negra de cor, a minha música esteticamente é bem mais africana do que portuguesa. Onde detectas o português é nas letras. Ainda assim há muitas canções escritas em calão, há muita gíria de influência africana. Sou uma africana em Portugal, mas sou 100% geneticamente africana. Acho que isso sobressai bastante na minha música. A terem de me idenficar com algum lado, acabam por dizer que sou africana de segunda geração. Mas também há muitas situações em que me apresentam como portuguesa e o público aparece lá à espera de uma mulher de xaile a cantar fado. Deparam ali com uma africana à frente deles. Ficam curiosos. Aproveito para partilhar esta nossa realidade diferente.

[1ª parte]

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6 Comments

  1. Adorei essa entrevista,a Sara e uma contora de grandes patamares,e pode ir ainda muito mais,doque ante aqui nos apresenta,tem uma linha rica e termos da africanidade.
    Andoro ouvir a sua música,o Balance e mulher transporta muito bom fellig,gostava de ver e ouver ela junto a lokua kanza,richard bona, que são músicos muito bom

  2. ola,bom dia!
    ja fui ver a Sara em estarreja e adorei******
    E uma pessoa simples e muito transparente,tive o prazer de falar um pouco com ela e foi simples-mente adoravel!!!Tenho algumas fotos com ela no qual guardo com grande estima***bjnhos para a Sara

  3. Alo, sou um sujador de telas mocambicano, muito fam da Sara Tavares, a proposito disso pintei uma tela com o titulo Sabura na Cabo-Verde (obrigabo a Sara Tavares), e gostava de saber como posso fazer para lhe oferecer o trabalho, ficaria muito grato se voces me ajudassem, o meu blog é o http://www.membirarte.blogspot.com, estou tambem representado no Perez Fine Art Gallery e na ArtAfrica, é so entrar no google e surfar, Please deem-me uma ajada, akel abraco

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