Reportagens

[Reportagem SET’06; dia 3] SARA TAVARES e LO’JO: Nómadas na cidade

SARA TAVARES não tem razões para afirmar que, apesar de a maioria das pessoas a conhecerem como artista muito mediática que é, desconhecem a sua proposta musical actual. “Balancê” já conquistou o disco de ouro.

Ontem, a maioria da assistência que lotava (mais uma vez) os 600 ou 700 lugares deslocou-se ao Teatro Aveirense, sobretudo para a ver. A avaliar pelo que se passou no período temporal em que muita gente encontrava-se agarrada ao televisor a ver o Benfica controlar os segundos 45 minutos do jogo com o Sporting, a luso-caboverdiana que não tem praticamente tocado no nosso país (mas que possui uma agenda repleta de datas na Europa, América e Ásia) dava uma lição de como se conquista uma plateia aos primeiros acordes (de forma tão rápida como o golo de Ricardo Rocha em Alvalade).

Para além de uma óptima compositora que é, de gosto refinado e com muita “vibração positiva”, que parece transformar o mais empedernido coração num caloroso e afectuoso órgão, SARA TAVARES é sobretudo uma excelente comunicadora. De trato fácil, em que um “bué” (e outras expressões crioulas e do calão angolano) saídas da sua boca, soa-nos a benção. A sua música miscigenada, que tanto deve a Cabo Verde como à Lisboa multicultural, é muito equilibrada. Bebe alguma da sua inspiração no arquipélago dos seus antepassados, mas não fica aí ancorada. Voa livremente e solitariamente (como uma águia?) pelas várias africanidades da capital. Das mais autênticas e “guettizadas”, às mais urbanas e mais desenraizadas. Bica o fado, a soul, o funk, o reggae (que bela versão dub de “Balancê” no encore final, pena a melódica não se ter escutado), como o semba e o gumbé, sem se comprometer em demasia com nenhum destes géneros. O resultado final é melhor do que a soma das partes. É muito próprio. Genuíno. E ainda possui o dom de unir toda a lusofonia. O espectáculo de ontem tocou na alma e encheu de orgulho, não só cabo-verdianos, como angolanos, moçambicanos e guineenses. Ficamos ansiosamente à espera de uma digressão “a sério” pelos auditórios do país.

O “derby” da segunda circular tinha há muito terminado quando os franceses de espírito nómada (com algum sangue tuaregue no seu ADN) subiram ao palco Aveirense com a contrariedade de terem de “virar um resultado” desfavorável. Toda a euforia final que se viveu antes com SARA TAVARES foi contra-producente para o desempenho inicial dos LO’JO. Apesar do projecto do visionário DENIS PÉAN ter tido uns quinze minutos iniciais de ataque descoordenado, foi gradualmente ajustando a sua estratégia, lutando pelo empate até ao último minuto. E o melhor foi mesmo deixado para o fim: um brutal “De Timbuktu À Essakane” (que integra o mais recente álbum “Bazar Savant”), talvez a melhor canção que estes franceses criaram até hoje. No Teatro Aveirense, os LO’JO que não perderam as todas as suas qualidades criativas de diluir como ninguém a canção francesa à alma nómada africana, através de um “cocktail” de culturas sarianas e sub-sarianas, como a magrebina, a tuaregue (é este colectivo que organiza o famoso festival do deserto que se realiza anualmente no Mali), a etnia sonrai (de ALI FARKA TOURÉ) e a casta griot, e ao lado físico (leia-se ritmico) assente em algum dub jamaicano, acusaram o facto de jogar fora-de-casa, faltando a profundidade e (sobretudo) a intensidade com que nos brindaram em Loulé (e mesmo em Lisboa há meia-dúzia de anos). Como que a querer dizer-nos que a sua música deve ser consumida no verão, em altas temperaturas, a céu aberto. Se possível, sob um manto infinito de areia debaixo dos pés.

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