Acto I. Num futuro próximo em que o fado deixará de estar na moda, sobreviverão as personagens menos espalhafatosas. Manter-se-ão firmes as figuras mais sérias que prescindem do floreado das indumentárias e das estratégias para contagiar instantaneamente uma plateia.
Terão uma vida mais longa aqueles que sabem que o fado é como uma “religião”, mas uma “religião” saudável, que deve ser praticada de alma e coração, com descrição e profundo respeito pelos símbolos “religiosos” (não como uma celebração matinal de uma nova igreja repleta de pastores brasileiros exímios em comunicar com os crentes), por uma certa conduta que trate o fado, mais como uma arte, do que como entretenimento descartável.
É com a devoção de um crente, que pratica diariamente a humildade perante Deus, que ALDINA DUARTE, toda ela, respira fado. Do mais tradicional e puro. Interpretando canções simples (acompanhada de viola e de guitarra portuguesa), despidas de artifícios, cujos poemas de João Monge interpretados com uma grande carga emocional, dão uma outra aragem ao fado que não sofreu metamorfose estética.
A entrada de ALDINA no Aveirense foi difícil, à procura do registo certo, com uma plateia um pouco distante que se tornou extremamente calorosa e emotiva a partir do momento em que a fadista se agigantou como intérprete (lá para ou sexto ou sétimo fado). A sua indumentária negra, sofisticada mas discreta, o xaile também preto, a postura em palco, variando entre o estar de pé e de braços cruzados e o estar sentada no meio e ao lado e à frente dos instrumentistas que a acompanhavam, com movimentos estudados, deram outra segurança a Aldina. Conquistou aos poucos um “território” que não é o seu habitat natural (a casa de fados). Respeitou sempre a nobreza desta arte, ao empregar toda a emotividade crua nos seus fados, ao não permitir, por exemplo, as palminhas da assistência em “Xaile Vermelho”. Acabou em grande, com a plateia (e o primeiro balcão) rendida de pé, a aplaudi-la.
Acto II. Para quem nunca tinha ouvido um disco sequer, RENÉ AUBRY revelou-se uma muito agradável surpresa. Prolífico compositor para dança (Pina Bausch) e cinema, o autor de “Mémoires du Futur” (último de 15 álbuns gravados) apresentou-se no Teatro Aveirense com uma espécie de orquestra “fake”, que nos faz lembrar um PASCAL COMELADE a utilizar instrumentos de gente adulta. Ao decompor harmonias clássicas, ao passar por territórios jazzísticos e roqueiros (com picos de clarinete-baixo de grande intensidade, à ALAMAAILMAN VASARAT, a fazer-nos crer que a ORQUESTRINHA DO TERROR andou a consumir a discografia de AUBRY) e por alguma música tradicional europeia e norte-americana (folk britânico? rembetika? bluegrass?), o multi-instrumentista AUBRY (que neste espectáculo pega em vários cordofones: guitarra, banjo, bandolim) evoca a beleza inocente e informal de uma PENGUIN CAFÉ ORQUESTRA do malogrado SIMON JEFFS. Muitas das suas composições de visão futurista, mas apegadas ao passado assentavam que nem ginjas como banda sonora de um “Delicatessen” ou de uma “Cidade das Crianças Perdidas” de Jeunet e Caro. É o urgente o seu regresso ao nosso país.
Acto III. Depois dos dois espectáculos na sala do TA, a organização do SET reservou a apoteose final para o salão nobre deste teatro. Os DAZKARIEH são hoje em dia uma das mais promissoras bandas folk lusitanas de uma nova e interessante fornalha que, além de trazer outros timbres a temas tradicionais portugueses, representa a tentativa mais bem sucedida de unir a folk portuguesa e do norte da Europa, com o noise-rock de escola nova-iorquina dos Sonic Youth. Um dos futuros possíveis para a música folk feita em Portugal, passará por aqui. Não só porque a banda integra três instrumentistas de primeira água, muito entrosados entre si, como têm sabido renovar a sua proposta, tornado-se cada vez mais coerente e consistente. Longe vão os tempos de repertório mais ambicioso (geograficamente) e anárquico (na forma de o interpretar). O quarteto que este ano já passou pelo FMM de Sines e o Med de Loulé, tem conquistado hordas de fãs. São actualmente um fenómeno de culto que arrasta consigo muitos adeptos que se deslocaram a Aveiro só para os ver (tendo dispensado os dois anteriores espectáculos). Audiência essa que, ao contrário deste escriba que não suportou o mau som (bem pior do que aquele que o Mercado da Ribeira em Lisboa usualmente nos oferece), manteve-se heroicamente até ao final da actuação. Tanto a organização do SET’06, como os DAZKARIEH, mereciam um final diferente. Não só porque a primeira conseguiu manter a qualidade dos “ovos moles” com menos ingredientes, a segunda porque tem sido um exemplo de organização e capacidade de iniciativa, rara no nosso meio musical.
concordo com o q disseste
dos 3 só conhecia os Dazkarieh
Fiquei contente com Aldina e muito surpreso (pela positiva claro) com René Aubry – tanto que nem me arrisquei a tirar uma foto sequer com medo de perder algo em palco (de Aldina e Daz tenho).
Dazkarieh sofreram bastante com o som.. especialmente o Baltazar, mas lá deram a volta à coisa… Sim tanto eles como o SET mereciam melhor final.
depois lá fui atacar novamente a banca dos cds, desta vez vi-me “obrigado” a comprar Debashish Bhattacharya (Mahima) e Konono nº1 hehe mas pra isso tive que ir procurar caixas de MB proximas do teatro porque o mb da banca estava off 😐
depois deixei-me ficar pelo bar do teatro..
Bom disco o “Mahima”. Acho que gosto desse do que do “Slide Calcutta Guitar”. Porque é um álbum com canções e porque tem o Bob Brozman.
o Mahima é mesmo bom, então a canção de abertura, o Bahu dur dur, é fenomenal!
Assisti aos concertos na sala do TA. O som, na minha modesta opinião, poderia ser avaliado entre o muito bom e o excelente, excluindo o som da Sara Tavares que na minha opinião estava muito bom mas a partir do momento em que a Sara “agarrou” o público e face à necessidade de conseguir sobrepor o som às palmas, óbviamente que o técnico teve necessidade de o subir bastante, por vezes bem acima do que seria desejavél.
No concerto da Sala Nobre, o pouco que ouvi estava de facto muito muito mauzinho.
Mas, e até porque assisti praticamente todas as edições do SET, a qualidade do som sempre se pautou pela qualidade, pelo que, quero acreditar que o som do salão nobre do TA foi um mero acidente de percurso.
Não sei qual a empresa responsável pelo som e pelas condições técnicas deste festival (embora me pareça que seja sempre a mesma desde a sua primeira edição, uma vez que vejo sempre as mesmas pessoas de roda dos botões e sei lá mais o quê) mas julgo ser da mais elementar justiça, dar os parabéns a estas pessoas que normalmente são sempre esquecidas e que tanta falta fazem para que se possa desfrutar da qualidade evidenciada neste festival. Parabéns à organização.
não digo o contrário, os concertos na sala principal estiveram sempre mto bons, mas no salao nobre além dos problemas com o equipamento (parece que um amplificador tinha dado o berro) havia o som do povo do bar.. isso não tem a ver directamente com o pessoal responsavel pelo som