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Macaco: «primeiro a canção, segundo a canção, terceiro a canção»

Macaco "Puerto Presente" (1)Depois de já ter actuado em vários festivais portugueses como o Med de Loulé, Delta Tejo, Sudoeste e Mestiço, Macaco actua esta quinta-feira, dia 22 de Julho, no Festival Al-Buhera, em Albufeira. As Crónicas da Terra recuperam uma entrevista realizada no Estádio Olímpico de Sevilha, em Junho de 2009.

Dani Carbonell, aka Macaco é, hoje em dia, mais do que um dos mestres da miscigenação da rumba catalã com reggae, rock e hip hop, um dos maiores artistas da pop espanhola. O tema “Moving” furou todas as ondas hertzianas e é actualmente um dos temas mais escutados nas rádios nacionais e regionais do lado de lá da fronteira. O justo reconhecimento de estarmos perante um escritor de canções de excelência permite-lhe desenvolver aquilo que sempre foi assunto central nos seus discos: a necessidade intrínseca de comunicar e continuar a escrever canções que toquem no âmago dos ouvintes.

– O que é que um artista pode fazer para proteger as suas canções, de forma a que estas não sejam usurpadas e usadas como forma de promoção de movimentos políticos com os quais não sentes qualquer tipo de afectividade, como aconteceu com “Moving” pelo partido de inspiração fascista Falange Española?

A pergunta é complicada. Existe todo um mundo legal que eu desconheço, onde há muitas formas de se esquivarem, muitos solos falsos. Essas pessoas que roubaram a minha canção com imagens totalmente antagónicas à minha forma de ver a vida conhecem as falhas das leis. O seu discurso não tem conteúdo, não tem força. Para comunicarem, procuram uma polémica para que se fale deles. Vou prosseguir dentro do mundo legal. Fizemos uma denúncia, vamos a tribunal. Não creio que iremos conseguir grande coisa, mas vamos até ao fim. Isto não tem a ver com aspectos económicos, tem a ver com a alma. Para mim, as minhas canções são como os meus filhos. Adoro-as e sinto que alguém lhes fez mal.

– Quer dizer que não há uma protecção para os músicos? Podem «roubar-te o filho» e não existe uma «instituição de protecção de menores» para te defender? É assim tão difícil fazer-se justiça num caso destes?

É um pouco lento. Durante todo o tempo da campanha eleitoral passaram a canção na televisão e isso não foi considerado um delito. As televisões não os denunciam e não podémos fazer nada até ao fim da campanha, apesar de nos termos manifestado logo no primeiro dia. Só depois disso é que pudémos apresentar queixa e abrir um processo na justiça.

Há pouco tempo tocaste na Argélia, num festival que se realizou em pleno deserto do Sara a favor da Frente Polisário. Como foi esse concerto? O problema da autodeterminação dos sarauhis é um tema que te toca muito?

O que me tocou mais foi estar a conviver entre uma grande família. É um festival de cinema que inclui actores daqui como Javier Bardem. Pediram-me para ir lá tocar. Fomos de avião e por isso fomos só cinco músicos. Levei a minha mulher. Dormimos no chão da casa de uma família. Posso dizer-te que nunca dormi tão bem nos últimos anos. Sentia-me em casa. É gente que te dá tudo, super inteligente, muito intuitiva. Tocaram-me na alma. É gente que não tem nada, mas que tem o máximo poder de adaptação e a quem foi cometida uma das maiores injustiças de África, quando se deu o processo de descolonização. Como toda a gente sabe, Marrocos invadiu o Sara Ocidental e os sarauhis vivem há já 35 anos no exílio.

Macaco "Puerto Presente" (2)

– Nunca pensaste em gravar uma canção com músicos ou cantores sarahuis como, por exemplo, a Mariem Hassen que vive em Espanha e edita através da editora Nube Negra de Madrid?

Não a conheço. Mas estive a cantar um tema com um cantor sarauhi, escrito para denunciar o muro da vergonha que os Marroquinos construíram com 8 milhões de minas, que é quase tão grande como a muralha da China. Gostei muito de cantar essa canção com ele.

– O disco anterior, «Ingravitto», contou com uma série de convidados, como o italiano Caparezza, o brasileiro B Negão ou a cantora de Chambao, La Mari. Porque é que “Puerto Presente”, tirando Peret quase não tem convidados?

Quando fui gravar este disco, as canções estavam feitas. Eram canções muito pessoais. De romances marinheiros. A sonoridade possui diferentes cores. Mas a base musical é rumba catalã, combinado com reggae, de cima a baixo. Há mais sonoridades mediterrânicas. Mas, para mim, as colaborações têm de acontecer algo naturalmente. São aquilo que o corpo pede. Não me deu para isso. O que me ocorreu para dar esse ambiente marítimo foi arranjar vozes gravadas. Fazíamos scratch. Por isso falei com actores, jornalistas.

– “Puerto Presente” é um disco muito marítimo, de porto. As imagens iconográficas em disco e ao vivo parece-me que evocam marinheiros em expansão marítima, à procura de novos mundos.

A bandeira que há no disco, não é de conquista, é de sinalização. Não sou muito amante das bandeiras. Mas achei interessante o facto de os marinheiros as usarem como códigos de comunicação. O azul-marinho era uma cor com que sonhava, quando estava a compor o disco, não sei porquê. Depois de fazer as fotos sentia-me a dizer algo a alguém, a sinalizar um ponto. Não tem nada a ver com conquistas, nem com patriotismo. De repente, um amigo meu perguntou-me: «- sabes o que significava na sinalização marítima o azul e o amarelo juntos?». «- Não». «- Quero comunicar», disse-me. Quase morri. Fiquei quase em lágrimas. Cada dia acredito menos nas casualidades. Creio muito no trabalho. Creio que a vida é um baile entre o destino e os teus actos. Somos livres ante os nossos movimentos. Mas isto são sinais. A mim interessa-me esse tipo de coisas. Sou muito fã de Dalí. Ele tinha muitas coisas a dizer, era muito surrealista. Poderiam pensar que ele era barroco, mas ele era muito simples. As suas ideias eram muito claras… um elefante com patas de girafa… Ele influenciou muito a sua terra, Figueras. Toquei muito nessa povoação quando era mais novo. É um sítio muito especial.

Sobre a «tramuntana», é o primeiro sítio da Península Ibérica onde nasce o sol: Figueras. É um mundo muito especial. A «tramuntana» é um vento muito forte que vai esculpindo as rochas. Dizem que há gente que fica meio louca por esse vento que os move. Gosto desse mundo marinheiro e acabei por fazer aí as fotos deste disco. Foi incrível, estava um vento muito forte no Cabo de Creus (faro del fin del mundo). Mas, repito, as minhas bandeiras são de sinalização, de comunicação.

Macaco "Puerto Presente" (3)

– Recentemente, a tua carreira artística mudou. Depois de temas como “moving” passarem massivamente na rádio, nos «40 principales», deixaste de ser um músico para um público alternativo a actuar num circuito de «world music», e és agora um dos protagonistas das grandes audiências. Qual é o teu segredo para continuares a comunicar da forma positiva que sempre que caracterizou e para agradares agora a um público mais «mainstream», sem deixares de ser quem és?

Posso tocar num festival de «world music» mas nunca me considerei um artista desta área. O conceito que eu entendo é o da canção. Como dizia o John Lennon quando lhe perguntavam qual era a próxima revolução na música popular, ele dizia «- uma boa canção!». Os estilos já foram todos inventados. O que eu gosto é aquilo que o [Bob] Marley fazia: estrofe, refrão, estrofe, refrão. Aquela canção de vida que nunca passa de moda. Ao princípio não sabia produzir e metia demasiadas coisas. Isto é como um prato de comida: mas vale meter poucos ingredientes no sítio certo, do que muitos e ficar um «pastiche» que não saiba a nada. Sempre fiz música popular, pop. Não naquele conceito “brit”, mas dentro do conceito da canção, estrofa, refrão. Naquilo que fazia Bob Marley, Gato Pérez, Peret, Rubén Blades, os Beatles. Cada vez está mais intrincado na minha alma a fórmula de produzir canções em que «menos é mais».

Durante dez anos a rádio nunca me quis. Não te sei dizer porquê.

– Nessa altura já fazias boas canções. Ainda hoje, neste espectáculo do Estádio Olímpico de Sevilha, ouvimos canções com cerca de 10 anos de existência, como «Rumbo Submarino» e «Inkomunicaos».

Na rádio espanhola nunca passaram “Con la mano levantá”. Como sempre fui tocando por todo o mundo, estou orgulhoso com o meu caminho. Não digo que seja melhor ou pior, mas os espectáculos têm sido o cimento desta casa. E, no final, isso é o mais importante. Claro que gosto que os meus temas passem na rádio. Não vou dizer que não. Agradeço muitíssimo ser agora escutado por muita gente. Mas quero continuar a ser eu mesmo. Que nunca me digam que, para passar na rádio, eu tenha de pôr uma fita na cabeça ou usar uma camisa de flores.

– Continuarás sempre a ser tu próprio…

Um dia aproximou-se um fã e disse-me que já não gostava de mim. Perguntei-lhe «- Porquê» e ele respondeu-me porque já não falava de marijuana. Vou dizer-te uma coisa: Há seis anos que não fumo, estou a favor da legalização da marijuana, apesar de as drogas não me servirem para nada. Prefiro outras coisas…

– Sem drogas tornaste-te mais profissional?

Não. Simplesmente, pensava que as drogas estimulavam-me mas deixavam-me vazio. Tenho de ser eu mesmo. Estimula-me a natureza, o mar, caminhar na montanha, rir-me com os meus amigos, uma boa conversa. Prefiro isso. Simplesmente conheci as drogas, provei-as mas deixaram de me interessar. E então disse-lhe: «rapaz, sinto muito, mas não vou voltar a falar de marijuana porque isso não me sai mais». Sempre fiz canções sobre o meio ambiente porque não sou político nem ideólogo. “Mama Tierra” que o público converteu em hit, “S.O.S.”, “Emitiendo para toda la galaxia”, “Marea negra”, “Moving”. No próximo disco não haverá um tema que fale da natureza e não vou consentir que alguém diga que tenho que fazer um tema sobre tal. Não.

Vou buscar a minha guitarra e de repente, a conversar com alguém, sai-me algo. Ultimamente tenho-me levantado de manhã. Gosto muito das manhãs porque tenho a sensação de ter a mente e a visão mais despertas. A noite é mais “lua cheia”, mais densa. Estou agora a escrever muito mais de manhã e gosto disso. E vou falando sobre o que me vai saindo. Este disco foi um momento de amor, de mudança e de aprendizagem. Acabei com uma relação de muitos anos. Essa relação transformou-se numa amizade muito boa. Tive experiências de amor à distância porque viajo muito e assim compus “Amor Mariñero”. Havia gente que dizia que eu não podia escrever canções de amor.

– Porquê?

Diziam que eu era um radical. A Julieta Venegas [do México] que está muito envolvida em causas ecológicas, nunca deixou de escrever canções de amor (que são muito boas).
Eu faço reivindicações que não são nada panfletárias. Creio que nos impõem muitas necessidades. Reivindico o presente, falo sobre a natureza sem radicalismos. É o que eu digo: quando és conhecido a tua imagem não te pertence. Num dia, uma pessoa vê-me a andar de bicicleta em Barcelona e diz-me que sou o melhor, noutro dia, outra pessoa vê-me a andar de moto e diz-me que sou o pior. Não vivo no campo. Vivo na sociedade em que vivo. Tenho que fazer muitas coisas e às vezes preciso andar de moto. Não posso mudar o combustível dos aviões em que viajo. Mas em casa reciclo. Falo dos pequenos movimentos, mas sem radicalismos.

– Para ti o importante é o poder da palavra positiva e que as tuas canções toquem no coração das pessoas? E isso está para além de mestiçagem, de rumba ou de outros géneros musicais… são simplesmente canções, não é verdade?

Como bem dizes, quero que as minhas canções transmitam algo e que as faça chorar, rir, dançar. Como um amigo meu dizia, primeiro a canção, segundo a canção, terceiro a canção.

– No período em que vivias numa casa de ocupas, dizias que o facto de comeres num dia paelha e noutro dia cus cus estimulava muito a tua criatividade. O que é que fazes hoje em dia para continuares a ser criativo?

Não gosto dos ocupas por ser uma coisa na moda, «fashion». A nossa ocupação aconteceu naturalmente. Era uma pensão ilegal. Começaram a vir amigos meus. Veio o Juanlu El Canijo “Calima“. A casa estava a cair, passavam-se dias sem corrente eléctrica. Por isso, decidimos não pagar o aluguer e a casa converteu-se numa ocupa até ao dia em que colocaram tijolos nas entradas e tivemos mesmo de sair. Era eu, o Carlitos Rivolta (dos Dusminguet que faleceu), Muñeco (Ojos de Brujo), Carlos Jaramillo (da Colômbia) Kiko Claus (do Brasil). Foi um intercâmbio. Era algo natural. A minha vida segue em frente, não vivo numa casa ocupada, não toco na rua porque estou noutra fase da vida. Não ganhava tanto dinheiro na rua como hoje mas vivia muito bem. Agora tenho outras responsabilidades. Vou-as canalizando. Há 20 pessoas que dependem de mim. E aqui estou. Estou muito feliz, graças à editora, ao meu trabalho e à vida por tudo o que me tem trazido.

Macaco "Puerto Presente" (4)

– Mas qual é o segredo para continuares a ter criatividade para escreveres as tuas músicas, apesar das responsabilidades acrescidas que falas?

É simplesmente seres tu mesmo. Estar com os olhos abertos. Sou uma pessoa inquieta. Estou sempre a mover-me, a falar. Estamos agora a falar e não sabes que podes ter-me dito algo que me pode inspirar para escrever uma canção amanhã de manhã. Um olhar de uma pessoa, algo que li num jornal, algo que me disse o meu pai, um sentimento de tal, algo que me provoca coragem, uma raiva contida…os motivos para compor são muitos. Tenho sorte em ter muita imaginação, para o bom e para o mal.

– É preciso ter sempre as raízes enfiadas na terra e as antenas abertas…

O que mais me custa são as raízes.

– Porque és mais marinheiro?

Mareio muito quando estou em terra firme. Para mim é sempre difícil o momento em que acaba uma digressão.

– Não costumas cantar em catalão. Além do tema “Corren” que gravaste com os Gossos não me lembro de ouvir temas teus na tua língua nativa. Porquê?

Creio que estas coisas têm que ser naturais. Sou o que os catalães chamam de «chernego», que é um termo depreciativo para quem não fala bem nem o castelhano, nem o catalão. Aprendi o catalão já em idade avançada, porque a minha mãe é de uma povoação de Castela. Tenho também antepassados andaluzes. O meu apelido é cigano-judeu e o meu pai é catalão. A gente que me rodeava falava mais castelhano. Por casualidades da vida, por exemplo, a minha irmã tinha mais amigos que falavam catalão. Tenho muito respeito por músicos como Serrat e nunca me atrevi muito. Quando dou entrevistas na Catalunha misturo as línguas o tempo todo. Foi muito bom ter sido convidado para cantar nesse tema dos Gossos. Estou muito orgulhoso de o ter feito e irei gravar certamente mais coisas em catalão. Queria ter gravado um tema para este disco de um poeta cujo nome está debaixo da minha língua, que nasceu no bairro do povo novo (no qual nasceram o meu pai e muitas indústrias) que escreveu um tema para Serrat, “Se eu fosse marinheiro”. Mas como o disco está vivo, porque tenho um acordo de “open disc” com a minha editora, posso meter outras canções na web para que fiquem acessíveis a quem o comprou. Tenho outras canções que não couberam no disco e que vou colocando como pequenos presentes, mas gostaria de gravar mesmo essa canção. Mas, seguramente, irei gravar mais temas em catalão.

Reivindico muito a Catalunha e creio que a minha música é muito catalã. A cultura não é só a língua, é a rumba, o bairro do porto, são muitas coisas. O que gosto mais são as pessoas abertas que falam em catalão, inglês, chinês, guasabi, etc. como dizia Lec, que cito no outro disco, “Aprendamos todas as línguas mesmo as inexistentes”. O que importa é comunicar.

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