Quarteto nova-iorquino assalta hoje o Theatro Circo de Braga. Trazem caçadeiras, coletes de balas e chapéus à Pancho Villa. Mais do que devolver parte dos Estados Unidos ao México, prometem lutar até à morte contra as injustiças sociais, o racismo e pelos direitos dos imigrantes “chicanos”.
Nova Iorque e, sobretudo o bairro de Brooklyn, continuam a ser um albergue artístico de bandas que se expressam através das mais variadas línguas e estilos musicais. Sandra Lilia Velásquez (voz, guitarra, jarana), natural de San Diego, Califórnia, mudou-se para a “Grande Maçã” há dez anos atrás. Com Maria Elena (acordeão) Inca B. Satz (baixo, guitarra) e Ani Cordero (bateria, percussão e voz secundária – que é também a principal figura de um outro projecto de canções cantadas em castelhano, Cordero), fundou o projecto Pistolera em 2005. Quarteto que reflecte, sobretudo, o intimismo e a veia política de Sandra. Nova-iorquina cujas saudades das suas raízes culturais provocam-lhe a incessante necessidade de escrever canções em língua castelhana, que acabam por serem servidas por uma miríade de géneros musicais latino-americanos, como a cumbia, o tex-mex e o norteño evocativo do génio do acordeonista Flaco Jimenez, rancheras e melodias mariachis, sem nunca deixarem de fora o pulso eléctrico de uma banda de garagem e do deserto californiano. Ora oiçam a Pistolera nos discos “Siempre Hay Salida” (2006) e “En Este Camiño” (2008).
Muitas das suas canções reflectem histórias íntimas da sua vida e sentimentos de tristeza e alegria à flor-da-pele. “No Supplies” (em que dá força à sua mãe), “Tatuaje” (sobre um amor perdido), “Inquieta” (sobre as suas raízes culturais e a sua terra), “Policia” (sobre o facto de ter sido detida num aeroporto e tratada como uma terrorista por trazer um colete de balas como adereço dos seus espectáculos). É muito mais fácil para si escrever em espanhol do que em inglês sobre esses assuntos tão pessoais?
Comecei a escrever em espanhol porque as letras eram tão pessoais que não queria que as pessoas as entendessem. Claro que temos actualmente um largo grupo de fãs nos Estados Unidos que falam espanhol. Actualmente, sinto-me muito mais confortável a escrever e a cantar em espanhol. Durante a minha adolescência toquei em várias bandas em que cantava em inglês. Fiz tudo isso. Mas sinto que há actualmente demasiada língua inglesa na música que se faz nos Estados Unidos. É claro que o espanhol serve perfeitamente o nosso estilo musical. Penso que não soaria tão bem o inglês num projecto onde o estilo musical é claramente latino.
Será que escrever e cantar em espanhol é uma forma de prestar tributo à sua família, à sua herança cultural?
Nasci em San Diego, Califórnia, muito próximo da fronteira com o México. Cresci numa cidade rodeada de cultura mexicana. Quando me mudei para Nova Iorque, em 1999, comecei a sentir falta dessa cultura. Da música, da comida, da língua. Iniciei o projecto Pistolera como forma de, ao estar em Nova Iorque, sentir-me “mais em casa”. Dessa forma, este projecto é um tributo à minha herança cultural.
No primeiro disco escreveu a canção “Cazador”, por alturas da presidência de George W. Bush. Nunca teve problemas políticos em afirmar nesta canção que os americanos roubaram terra aos mexicanos?
Afortunadamente, há muita gente nos Estados Unidos que concorda com as nossas mensagens políticas em Pistolera. Aqueles que não concordam não vão ver os nossos espectáculos. Em quatro anos apenas tivemos, talvez, uns dois e-mails a dizerem-nos que o nosso ponto de vista político estava errado. Mas a maior parte das pessoas escrevem-nos para nos dizer o quanto gostam da nossa música e que aquilo que cantamos são temas que também os preocupam.
Alguma vez se sentiu discriminada nos Estados Unidos por ter sangue latino?
Já me senti discriminada, sim. Há muito racismo e ressentimento contra os mexicanos em San Diego. Existe aquela mentalidade de que os mexicanos vêm para os Estados Unidos para roubar os empregos dos norte-americanos. Fui criada por uma mãe imigrante que trabalhou e estudou direito arduamente e agora, que se tornou advogada de imigração. Por isso, cresci a ouvir pelo que as pessoas tinham de passar para serem cidadãs americanas. O que eu vejo é que são pessoas de trabalho que querem dar uma vida melhor às suas famílias.
Parece-me que em Brooklyn é um terreno fértil para o nascimento não só de projectos como o vosso, como também de grupos que tocam, por exemplo, cumbia, chicha, afrobeat ou música balcânica e cigana de leste. É por isso que músicos de Antibalas, Si Se, Grupo Fantasma, Soul Slavic Party aparecem naturalmente como convidados nos vossos discos? Costuma tocar outros estilos de música com esses seus vizinhos?
Penso que o nosso estilo musical é muito nova-iorquino, com o sentido de que a nossa música é internacional e Nova Iorque é também uma cidade internacional. Cada cultura singular e mundial vive em Brooklyn. É por isso que a adoramos. A comunidade musical em Nova Iorque é muito próxima e todos se misturam uns com os outros. É fantástico ter acesso a tantos músicos maravilhosos. Pessoalmente, não toco outros estilos musicais com outras pessoas porque estou demasiado ocupada a escrever canções para Pistolera. Mas os restantes membros de Pistolera tocam com vários grupos.
Que feedback tem tido dos fãs de reggae e de Bob Marley acerca da versão espanhola de “War”, que costuma tocar nos seus espectáculos? O que é que a motivou a fazer uma versão em espanhol desse tema? O facto da mensagem ser universal e adaptável da língua inglesa para a espanhola?
A razão porque gravamos a nossa versão de “War” em espanhol foi porque a tocávamos há em alguns espectáculos e, sempre que o fazíamos, tínhamos reacções muito calorosas. Perguntavam-nos sempre se a versão estava no nosso disco. Cansámo-nos de dizer “- não”. Por isso gravámo-la para a incluir no segundo disco.
Já tocaram na Europa, sobretudo na Bélgica. O que é que espera do público português que mais facilmente percebe a mensagem das suas letras do que o belga?
Estamos muito contentes por podermos tocar em Portugal. O meu marido é brasileiro, por isso tenho podido praticar português. Mas sei que o público entende as nossas letras. De qualquer forma, falarei mais “portunhol”. É sempre interessante para nós tocarmos fora do nosso país porque a maior parte das nossas canções falam sobre experiências que ocorreram nos EUA e é interessante ver como estas canções podem adquirir novos significados em diferentes países.