Nusrat Fateh Ali Khan
Final Studio Recordings
American Recordings / Sony M�sic
V�rios Artistas
Hommage a NFAK
World Network / Megam�sica
Em Pleno dia Mundial da Voz, vale a pena recuperar uma das melhores vozes de sempre: a do paquistan�s Nusrat Fateh Ali Khan e o seu �ltimo disco de est�dio. Aproveito para recuperar dois textos escritos h� j� algum tempo. O primeiro para o s�tio j� extinto M�sicnet e o segundo o antigo suplemento “Vidas” do seman�rio “O Independente”
Nusrat Fateh Ali Khan, durante a sua vida, contraiu bastantes inimigos no Paquist�o por ter subvertido as r�gidas regras da m�sica qawwali de devo��o a Deus, que os m�sticos isl�micos Sufis interpretam. As experi�ncias que fez entre a rigidez da tradi��o qawwali e diversas �reas do mundo ocidental (rock, dan�a, experimentalismo) com gente t�o ilustre quanto Michael Brook, Eddie Vedder e Massive Attack, entre outros, transformou-o num Judas aos olhos do universo isl�mico. Este pioneirismo, apesar de contestado por muitos, serviu de motor de arranque para outros mestres do qawwali fazerem tamb�m eles outras experi�ncias na �rea da pop dan��vel, casos de Shabaz e e dos sobrinhos de Nusrat, Rizwan-Muazzan Qawwali.
“The Final Studio Recordings” �, como o pr�prio nome indica, a �ltima grava��o em est�dio de NFAK, que ficou incompleta devido � tr�gica morte do cantor paquistan�s provocado por ataque card�aco em 1997. Produzido por Rick Rubin, com cr�ditos firmados na �rea do rock e mais recentemente country, “The Final Studio Recordings” � uma surpreendente invers�o de trajecto art�stico de NFAK. Um regresso �s origens e � m�sica de amor e louvor ao profeta Maom� no formato mais puro – vozes, harmonium e tablas – isento de malabarismos de est�dio, pr�ximo de registos como “Shahen-Shah” (1989). NFAK em fase terminal de vida e com a voz um pouco mais rouca, consegue manter a toda a pot�ncia e requebros hipn�ticos do seu canto que, durante a sua vida terrena, nunca foi deste mundo. NFAK, enquanto foi vivo, afirmou que uma boa festa qawwali ter� necessariamente de lan�ar um feiti�o sobre a audi�ncia, apesar de esta n�o compreender a l�ngua. Em mais de duas horas de verdadeiro transe distribu�das por um CD duplo, o mestre cumpre a sua fun��o: a de ser reduzir a dist�ncia entre o criador e a sua audi�ncia, seja qual for o credo desta.
Nusrat Fateh Ali Khan a quem o cora��o atrai�oou no passado dia 16 de Agosto de 1997, morreu feliz. Com o sentimento de ter cumprido a sua miss�o na terra.
Nusrat, como Sufi que era, procurava na m�sica e nos poemas da sua tradi��o espiritual levar a palavra de Al� aos quarto cantos do mundo.
Na compila��o “Sufi Soul” (Network 97) pode ler-se as seguintes palavras de NFAK: “Quero transmitir a mensagem de paz e amor ao mundo e trazer a palavra de Deus bem pr�ximo do povo. Para n�s, a m�sica dos Sufis � como uma ponte que une v�rios povos. Convida todos a darem as suas m�os. � o caminho da reconcilia��o.”
De facto, se olharmos para a not�vel carreira de NFAK, chegamos � conclus�o que este “quarto tenor” espalhou pelo mundo as mensagens do Isl�o e do Sufismo, impregnadas de amor e devo��o, afecto e tranquilidade. Algumas das mat�rias base dos poemas que interpreta, muitos deles escritos h� mais de 500 anos.
Venerado como um semi Deus no Paquist�o, NFAK cedo foi descoberto no Ocidente por Peter Gabriel. O seu nome � sin�nimo de met�foras que demonstram liga��es indissoci�veis entre Ocidente e Oriente, tradi��o e modernidade, sagrado e profano, por culpa das suas m�ltiplas experi�ncias com m�sicos de �reas t�o diversas como o rock, o trip hop, a dan�a e o experimentalismo.
Os seus trabalhos com Michael Brook, Massive Attack, Eddie Vedder, Bally Sagoo e Peter Gabriel, apesar de levarem as mensagens dos Sufis para fora do seu ambiente, foram respons�veis pelo surgir de inimigos no seio da comunidade de m�sicos qawwali (m�sica de devo��o dos Sufis), que sentiram a sua cultura contaminada.
A sua exemplar t�cnica vocal, plena de improviso em m�ltiplas inflex�es, foi provavelmente melhor compreendida no Ocidente. Entre os in�meros f�s de NFAK, Jeff Buckey foi aquele que melhor descreveu e interiorizou o sentimento de escutar um disco daquele que � considerado por muitos o Pavarotti asi�tico. Vale a pena ler as palavras de Jeff publicadas na compila��o de NFAK “The Supreme Collection Vol 1”, editada pela label americana Caroline Records dez dias depois da morte deste carism�tico paquistan�s. Disco que viria a ser dedicado � mem�ria de Jeff Buckey que morreu afogado, a 29 de Maio de 97, cerca de tr�s meses antes do cora��o de NFAK ter batido pela �ltima vez.
Jeff contava-nos que “a primeira vez que ouvi Nusrat Fateh Ali Khan estava em Harlem, em 1990. Eu e o meu companheiro de quarto ouv�amos m�sica em volume muito alto. Nessa altura and�vamos imersos no toque da mar� ondulante dos ritmos sombrios de tablas do Punjab, espica�ados pelo sincronizado bater de palmas que irrompia de cima e de baixo num ritmo r�gido e perfeito. (…) De repente escut�mos uma, depois dez vozes pairando no ar como se tratasse de um bando de gansos ascendendo ao c�u em forma��o. Finalmente a voz de NFAK. Parte Buda, parte dem�nio, parte anjo louco… a sua voz era suave e escaldante, simplesmente incompar�vel.
A mistura do improviso na arte cl�ssica do ‘qawwali’, combinado com o seu estilo audacioso e a sua sensibilidade, transporta-o para uma categoria s� sua, acima de todos os outros que se movem na sua �rea… Para os verdadeiros qawwalis todos os significados na m�sica existem simultaneamente e n�o h� necessidade de um dogma religioso. H� apenas a peregrina��o em direc��o � luz que procuramos no fundo do cora��o, que � a casa de Deus. Existe apenas a pura devo��o e um feroz virtuosismo para ganhar asas e planar atrav�s da m�sica. De dar um beijo nos olhos de Al� e cantar o seu olhar de amor pelos homens.”
Apesar de ter NFAK como pano de fundo, esta “Hommage � Nusrat Fateh Ali Khan” � uma compila��o que abre com um tema do antigo mestre do qawwali e depois vagueia algures entre a S�ria, o Azerbeij�o, Uzebequist�o, Ir�o, Senegal, �ndia, Paquist�o e Punbjab, atrav�s de m�sicos associados � tradi��o Sufi. Esta poderia ser uma esp�cie de segundo volume da colec��o “Sufi Soul”. Mas n�o �. A diferen�a est� em que todos os grupos, apesar de n�o efectuarem quaisquer “covers” de NFAK, escolheram poemas apropriados � mem�ria do paquistan�s e musicaram-nos. Ao longo dos dois discos ouvem-se mensagens m�sticas como “hoje � o dia em que a minha alma parte do meu corpo”, “o meu amado regressou a casa”, “a vida n�o � a mesma sem ti”, ou mais realistas como: “sei que nada regressa”.
Tal como em “Sufi Soul”, esta � uma oportunidade para tomarmos um primeiro contacto com alguns nomes que merecem alguma aten��o por parte de quem tem o ouvido mais exercitado para tais devo��es sonoras. Caso de Munadjat Yulchieva, uma blues woman do Uzebequist�o, dona de uma profunda e intensa voz. Atributos que contrariam a tese de NFAK, quando afirmava que as mulheres n�o t�m resist�ncia para cantar qawwali. Outras descobertas felizes prendem-se com a calorosa voz do iraniano Sharam Nazeri, ou a curiosidade de escutarmos o senegal�s Cheik L� em andamento bem diferente do seu disco de estreia “N� La Thiass”. Ele que faz parte do movimento Sufi senegal�s Baye Fall.
“Hommage � NFAK” � uma compila��o no estilo mais puro e duro da tradi��o Sufi. Bem longe do conceito de “Star Rise” lan�ado pela Real World no final de 97, disco que re�ne remisturas de temas gravados por Nusrat e Michael Brook, assinadas por Asian Dub Foundation, Fun~da~Mental, Talvin Singh e Nitin Sawhnew, entre outros.
Dado a forma de jogar em muitos tabuleiros que caracterizou a carreira e obra de NFAK, s� nos resta ficar � espera que um dia surja uma outra homenagem a este �cone Sufi. E essa, feita por gente como Eddie Vedder, Peter Gabriel, Mick Jagger (que se confessa f� de NFAK), Trent Reznor e at� mesmo o malogrado Jeff Buckley (caso aproveitem uma vers�o de 20 minutos de “Hulka-Hulka” que este gravou nas sess�es de “Live at Sin-�”).