Discos

SUSHEELA RAMAN: Beleza anglo-indiana

SUSHEELA RAMAN

“Salt Rain”

Narada / EMI – VC (CD 2001)

pop global de uma inglesa de sangue indiano que viveu a maior parte da sua vida na Austrália

A globalização regulamentada pelas leis de mercado não nos oferece apenas efeitos negativos e “darwinistas” às culturas não ocidentais. Há medida em que as fronteiras se esbatem e que certos acordes e melodias têm a capacidade de recuar cem ou duzentos anos no tempo, a música torna-se num fenómeno global de difícil catalogação estilística e temporal. Assim acontece com Susheela Raman.

Ela é, à semelhança de muitos filhos de pais orientais que emigraram para a Europa, uma inglesa de sangue indiano que viveu a maior parte da sua vida na Austrália, tendo regressando a Londres há quatro anos atrás. Tal como acontece com Nitin Sawhney, a dificuldade de Susheela Raman encontrar a sua verdadeira nacionalidade é equilibrada pela facilidade que a cantora carnática tem em dominar uma linguagem musical multi-culturalista. Só que, à abordagem electrónica de Sawhney, Suseela Raman que já foi vocalista do projecto dançável anglo-indiano Joi, responde com um disco acústico. A surpresa ainda é maior quando reparamos que o compositor do disco é Sam Mills, antigo elemento do projecto industrial e experimental britânico, os 23 Skidoo. Longe das coordenadas sonoras deste projecto ícone dos anos 80, Sam Mills tornou-se num músico ocidental apaixonado pelo Oriente e por África. Viveu na Índia e gravou “Real Sugar” para a Real World, com o cantor espiritual Paban das Baul de Bengal, além de também ter participado no projecto anglo-africano Tama. É o álbum “Real Sugar”, onde ritmos electrónicos de trip hop e drum’n’bass servem de matriz de acolhimento da voz profunda de Paban das Baul, que Susheela Raman tomou como referência para trabalhar com Sam Mills.
A história repete-se mas, curiosamente, quase sem recurso à tecnologia, apesar do pendor dançável de algumas canções. Em “Salt Rain”, Susheela Raman apresenta todas as credenciais de uma cantora carnática, em que a toda a técnica adquirida ao longo do tempo é complementada pela inconformidade de não se cingir apenas e só à rigidez sul-indiana da música de Tamil, fazendo com que este disco seja um verdadeiro laboratório de experimentação.

“Maya”, que tem por inspiração uma raga indiana, é condimentado por uma base ritmica reggae e um aroma klezmer, a que não e alheio o clarinete do grego Manos Achalinotopoulos, capaz de evocar a negritude mágica e nostálgica do “duduk” (oboé ancestral) do arménio Djivan Gasparian. Ambiente que também perfuma “Kamashi”, num duelo intenso com a enigmática e intensa voz de Raman.

“Trust in Me” aparece moldado por uma espécie de cha-cha-cha oriental, comandado pela percussão do egípcio Hosam Ramzi, onde a trágica e cinematográfica voz de Raman situa-se entre o Bollywood típico e as 1001 noites árabes. Em “O Rama” é suficiente a simplicidade da lira queniana de Ayub Ogada para servir a voz da diva num dos momentos mais brilhantes do disco (a par de “Kamashi”). Apesar de haver momentos em que Raman se eleva ao mundo astral, “Salt Rain” também apresenta algumas debilidades, próprias do risco que se corre em tentar fundir geografia e tempo. É o caso de “Woman” e “Salt Rain”, em que a cantora revela o seu lado pop / songwriting algo banal, e de “Song to the Siren”, uma pálida versão do tema escrito e interpretado por Tim Buckley, com uma voz tão inebriante quanto embriagada. Elizabeth Frazer fez bem melhor que Raman na versão dos This Mortal Coil.

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