Festivais

Rituais do Oriente e de África no Évora Clássica

O Palácio dos Duques do Cadaval em Évora recebe, entre os dias 5 e 7 de Julho, a 17ª edição do mítico festival Évora Clássica, este ano subordinado ao tema “Rituais do Oriente e de África”.

Alain Weber, director artístico do Évora Clássica, apresenta esta edição:

«O rito, este espaço-tempo que se instala no nosso quotidiano como uma pontuação, permite a este corpo do Oriente e da África, envolver-se do ornamento dos deuses e dos espíritos e franquear a linha de um outro mundo de representação. Abandonar o nosso mental e convidar a nossa emoção a percorrer uma paisagem desenhada por um outro gesto.

As danças sagradas cultivam a ambiguidade de uma sensualidade simultaneamente carnal e espiritual, quer com os corpos africanos possuídos pela lua cheia, quer com os corpos indianos maquilhados e acrobáticos evocando o amor divino de Krishna e dos seus Gopis. «O homem indiano não aspira à divindade; é o deus que, na sucessão de encarnações, escolhe fazer-se homem. » (Lyne Bansat-Boudon, Introdução ao Teatro da Índia antiga – Pléiade)

O culto de uma beleza celeste e depurada torna-se num refúgio onírico, num chamamento para a eternidade, face às preocupações comezinhas dos nossos destinos efémeros e da actualidade alarmista dos tempos modernos.

As artes e as músicas tradicionais vêm de uma época em que a espiritualidade fazia parte integrante de todo o processo de criação. A arte indiana e a dança, elas mesmas, deixarão progressivamente o recinto secreto do templo para o aparato do ouro dos palácios. A beleza física quer-se assim a imagem celeste da eternidade.

A emoção desordenada e rápida do corpo que conduz ao transe anárquico, o de um sufismo ao mesmo tempo agreste na sua prática e extremamente sofisticado na sua poesia, como o da confraria Skallia de Fez, continua, ainda hoje, uma realidade, apesar das pressões de um islão ortodoxo.

Viver intensamente o efémero do momento presente é em si mesmo uma maneira de abordar o sentimento da eternidade e de apreender a ideia da morte. « Quando eu nasci toda a gente ria, mas eu chorava ; mas quando eu morrer, o mundo chorará à minha volta e eu rirei » dizia Kabîr, o grande poeta de Bénarès (1440 – 1518).

À imagem dos quadros vivos dos jovens gotipuas da Orissa, que flutuam, por magia, no ar alguns segundos, apenas para celebrar o poder de um deus criança, músico sedutor, as artes tradicionais apresentadas este ano em Évora são um convite para desafiar o tempo durante alguns dias.

Reviver esta sensação iniciadora dos rituais de África com as Máscaras da lua em que o homem procura ao mesmo tempo imitar e apropriar-se da natureza, é uma maneira de melhor apreender a arte humana e de ir, este ano, à procura de emoções ainda mais intensas.»


Terça-feira, dia 5 de Julho: As Máscaras da Lua

Mestres da palavra, fiéis guardiães da tradição oral. Burkina Faso

As máscaras brancas «sumbo poa», igualmente chamadas de «máscaras de tecidos» pertencem aos contadores da aldeia de Bereba : a família Bihoun. Mestres da palavra, fiéis guardiães da tradição oral, conservadores incontestados dos usos ancestrais, músicos de todas as ocasiões da vida social, os contadores têm a responsabilidade da música no seio da comunidade bwaba. A arte da palavra é uma herança que se transmite de pai para filho, e até de geração em geração.

Estas máscaras brancas confeccionadas em tecidos de cristas ricamente decoradas de conchas, só dançam à noite, ao luar. Muito espectaculares, as suas danças enérgicas e acrobáticas são acompanhadas pelo xilofone, tambores e um coro de mulheres. O xilofone é o instrumento que ocupa um lugar preponderante na sociedade bwaba. Está presente em todas as actividades do homem : cultura, luta, festividades, funerais, iniciações, etc. Ele tem uma linguagem precisa que os membros da sociedade compreendem.

As máscaras dos contadores são a incarnação da divindade Do. A partir do momento em que veste o hábito branco, o iniciado deixa de ser um homem : todas as relações que ele mantinha com os seus pais e amigos ficam suspensas. A palavra – símbolo da condição humana – não lhe pertence mais : ele apenas faz ouvir o grito do Do e ninguém, doravante, pode interpelá-lo. Participando no poder da divindade, ele não é mais responsável pelos seus actos e tudo lhe é permitido. A aparição das máscaras provoca alegria e desencadeia excessos corporais (danças anárquicas, movimentos desordenados) e afectivos (entusiasmo, sobreexcitação) que marcam bem o carácter festivo que reveste o regresso de Do à terra.

Quarta-feira, dia 6 de Julho: Gotipuas

Quadros acrobáticos dos templos de Orissa – Índia

A beleza incandescente e divina de Krishna e Radha encarna-se nestes quadros vivos em que o bailarino se transforma em motivo pictórico.

Espectáculo crianças

No mundo tradicional, a acrobacia é a expressão do sagrado; ela visa incarnar o sobrenatural através da destreza humana levada ao seu paroxismo, a criar verdadeiros frescos vivos celebrando e honrando a divindade.

No coração dos templos milenares da Orissa, o Senhor Krishna não pára de se reincarnar na arte acrobática das crianças bailarinas gotipuas.

Magia da ritualidade, os corpos divinizados dos jovens bailarinos gotipuas contorcem-se e compõem verdadeiras pirâmides humanas evocando, à moda antiga, alguns quadros vivos.

O corpo, para melhor se aproximar de Deus, pode com efeito feminizar-se. É assim que, desde o Século XVI, estes jovens rapazes gotipuas usam na sua dança, a natureza andrógina da divindade. A sua infância, acrobata e frágil, é totalmente dedicada a Krishna, o pastor ladino que seduz Radha com a sua flauta divina, em equilíbrio sobre uma só perna.

A pequena aldeia de Raghurajput situa-se no distrito de Puri. Ladeada pela ribeira Bhargavi, o seu templo delimitado por coqueiros, vinhas, palmeiras, mangas e outras árvores tropicais é o refúgio de uma das duas últimas escolas da Índia a transmitir este saber ancestral.

Quinta-feira, dia 7 de Julho: Marouane Hajji e o Conjunto Akhawane El Fane

O sufismo marroquino

O sufismo marroquino existia desde os primeiros séculos da hégira em Marrocos. A sua influência prolongou-se para Leste, até ao Egipto, para Norte na Andaluzia muçulmana e para Sul até ao Sara e aos países da África Ocidental.

Os « chorfas » (ligados à família do Profeta) Skalli de Fez são os descendentes do venerado santo Moulay Ahmed Skalli. A « zaouïa » Moulay Ahmed Skalli foi fundada no Século XVII. É ainda hoje o lugar onde se pratica de forma regular o dhikr e o samaâ.Moulay Ahmed Skalli (1700-1763) exercia a profissão de vendedor de perfumes no bairro Attarine onde se dedicava na sua perfumaria a uma leitura iniciática. Aquando da sua morte, os seus discípulos compraram uma casa e enterraram-no nela. Transformada em « zaouïa » por causa do santuário, ela continua a ser frequentada e nela ainda se praticam as invocações em comum (wadifa) uma vez por semana geralmente à quinta-feira à noite e mais recentemente à sexta-feira.

As invocações (dikhr) e o canto (sama’) de acordo com um ritmo estudado levando à dança extática (jadbah), sob o controle de um moqqadem ou de uma outra pessoa da assistência que se coloca no meio do círculo dos discípulos.

O Samâa de Fez soube atravessar os séculos enriquecendo-se com a chegada dos Árabes de Espanha após a queda de Granada em 1492.

Marouane Hajji (nascido em Fez em 1987) prolonga directamente esta herança que, desde muito novo, sabe moldar vocalmente a seu modo, favorecendo a procura do êxtase tão desejado neste repertório sagrado.

Marouane é originário de uma família sufi e é graças ao ensinamento do Cheikh Haj Mohammed Bennis, que tão bem conhece os cânticos destas confrarias com que aguardamos muitas vezes a noite, com as vozes perdendo-se no enfiamento das ruelas da maior Medina do mundo oriental magrebino.

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