Entrevistas

Ronda dos Quatro Caminhos: Entrevista com Carlos Barata

Os luxos do gozo

N�o � todos os dias que se juntam em palco � volta de cem m�sicos de diferentes sensibilidades. Da m�sica tradicional urbana da Ronda dos Quatro Caminhos, � orquestra sinf�nica Sinfonietta de Lisboa e a diversos grupos corais alentejanos (localidades de Moura, Campo Maior, �vora, Safara, Serpa, Baleiz�o e Aldeia Nova de S. Bento. Como se isso n�o bastasse, a esta mega orquestra cl�ssica-popular, junta-se-lhe o fado mais solarengo de K�tia Guerreiro, a inquietude do flamenco de Esperanza Fernandez e de Jos� Ant�nio Rodriguez, a magia da viola campani�a de Pedro Caldeira Cabral e o aroma mediterr�nico e magrebino da marroquina Amina Alaoui. Oportunidade de ouvir hoje ao vivo um dos mias belos discos de m�sica popular portuguesa editada em 2003: “Terra de Abrigo”. � no Grande Audit�rio. Centro Cultural de Bel�m, �s 17h30 e �s 22h.

Pode ler-se que “Terra de Abrigo” � o “disco de uma vida”. N�o v�o voltar a fazer nada assim?

“Terra de Abrigo”, para al�m de ser mat�ria comercial, � um produto art�stico que tem para n�s um significado enorme. P�s-nos a pensar numa realidade, num tesouro art�stico que � a m�sica alentejana. P�s-nos a pensar e a aplicar ideias musicais nossas num g�nero t�o rico. Ultrapassou completamente o factor com�rcio para passar a ser uma coisa onde n�s investimos artisticamente. � impens�vel que um concerto desta natureza tenha alguma esp�cie de lucro. Investimos muito no prazer e no afecto que nos vai dar um “lucro” enorme… isso � uma caracter�stica que a Ronda tem tido intermitentemente ao longo da sua hist�ria. A Ronda � uma ideia, porque h� apenas um �nico elemento que est� no grupo desde o in�cio. Eu sou o segundo mais antigo e estou aqui apenas h� oito ou nove anos. Regularmente a Ronda d�-se ao luxo de poder investir naquilo que lhe d� muito gozo n�o pensando nos benef�cios materiais.

Este � um disco e um concerto de “carolice”? o apostar numa ideia em que, custe o que custar, o que interessa � implement�-la?

Seguramente. Talvez n�o haja aqui grande jeito para fazer a gest�o art�stica deste espect�culo. Quem quiser ter lucro vai fazer outras coisas.

Um disco que leva tr�s anos a ser gravado dificilmente sairia por uma editora multinacional?

N�o existe, actualmente, um �nico grupo de m�sica popular [excluindo o fado] neste pa�s que grave um disco atrav�s de uma editora multinacional. Os grupos v�o gravando os seus discos em editoras muito pequenas, o que acaba por nos prejudicar imenso. N�o existe boa distribui��o. Funciona tudo na base da sorte e do azar.
Que diferen�as notas no trabalho com a Universal (quando passaram por l�, h� uns anos) e agora com a Ocarina?

Se tiv�ssemos gravado este disco na Universal, de certeza que os meios de grava��o deste disco eram outros. And�mos a poupar cada tost�o. Se tiv�ssemos gravado isto com os meios normais, o disco teria custado muito mais dinheiro.
Que meios “anormais” utilizaram na concep��o do disco?

Por exemplo, o m�todo de grava��o: h� uma orquestra que � pr�-gravada e os coros s�o gravados em cima disso. Se n�s tiv�ssemos possibilidades de o fazer de outra maneira, n�o o t�nhamos feito dessa forma. Tr�s sess�es de ensaio geral como aquele que fizemos a semana passada, proporcionariam um disco muito melhor. N�o us�mos o m�todo de grava��o melhor, us�mos o m�todo mais econ�mico.

Muito antes de fazerem este disco, o grupo j� tinha sentido a vontade de prestar uma homenagem � m�sica alentejana. Como � que foram montando todo este “puzzle” de grupos corais? Foi algo que viveu da informalidade das rela��es humanas?

H� uma coisa de que a Ronda se pode orgulhar: h� neste disco uma experi�ncia afectiva incr�vel. Isso � uma qualidade da Ronda. Para al�m de m�sicos, n�s somos pessoas que conseguimos estabelecer la�os sinceros de amizade com os grupos. Voc�s v�o falar com algu�m dos grupos e eles gostam de n�s. Tenho um enorme orgulho nisso. T�m paci�ncia para nos aturar, o que � importante.

O relacionamento com um grupo coral alentejano deve ser bastante diferente do relacionamento com uma orquestra como a Sinfonietta. As sensibilidades devem ser muito diferentes. Podes descrev�-las?

Completamente diferentes. Esta coisa da afectividade e da amizade… conhe�o o maestro da Sinfonietta h� muito anos, mas s� tive oportunidade de lidar mais com ele recentemente. � um indiv�duo extraordinariamente dispon�vel e que compreende perfeitamente aquilo que n�s queremos. Acha gra�a �s ideias. Assim, � meio caminho andado.

Existe um certo preconceito de certos m�sicos da cl�ssica olharem com desd�m para a m�sica tradicional. N�o sentiram isso na pele?

Para j�, viste as idades das pessoas que aqui est�o. T�m o esp�rito mais aberto. � parte de algumas excep��es, n�o convivemos muito. Mas, uma orquestra � uma esp�cie de um pequeno ex�rcito. H� um c�rebro com quem lidamos, que � o maestro. Da�, temos o melhor dos feedbacks. Apesar de todos os problemas t�cnicos que existem, h� sempre uma enorme boa vontade para os contornar.
Com os coros a coisa � muito diferente. Curiosamente ou n�o, n�s somos m�sicos da tradi��o popular, mas somos urbanos e temos uma linguagem musical completamente diferente dos coros alentejanos. A� n�s temos que estabelecer uma rela��o um bocado diferente. Temos de arranjar m�todos de trabalho. Explicar como gostar�amos que eles fizessem. Ensin�-los a ouvir as partes em que n�o est�o a cantar e est� a orquestra a tocar para as coisas colarem todas. Para aquilo ser uma obra � necess�rio que as argamassas se v�o misturando. Eles t�m muita dificuldade, porque na sua tradi��o n�o h� maestros. H� um ensaiador e o un�ssono est� nos ombos das pessoas. Os cantores da Sardenha do da C�rsega agarram-se uns aos outros.

Com estes coros alentejanos existe j� um certo grau de afectividade que vem de tr�s, com a grava��o do disco. Relativamente � Sinfonietta, o relacionamento � mais recente, uma vez que eles n�o participaram em “Terra de Abrigo”, mas sim a orquestra de C�rdoba. O grau de envolvimento de ambos n�o ser� diferente?

N�o sei. Quando fizemos a festa do Avante fic�mos muito contentes. � evidente que quando n�o conhecemos algu�m com quem vamos trabalhar, vamos com o esp�rito “vamos ver o que isto d�”. A orquestra acarinhou-nos. Pareceu-nos que eles estavam a sentir-se bem a tocar a nossa m�sica e a achar uma certa gra�a. A m�sica popular precisa � de gra�a. Divertiram-se a fazer aquilo. Estiveste aqui no ensaio e viste as caras deles. N�o estavam aqui a fazer nenhum frete, pois n�o?

N�o, antes pelo contr�rio.
O Audit�rio 1� de Maio, na Festa do Avante, pareceu-me demasiado pequeno para albergar tanta gente. O grande audit�rio do CCB ser� o s�tio ideal para a banda tocar?

S� te vou dizer isso no fim. Posso afirmar o contr�rio. A Ronda gosta de tocar muito junta. Alguns. O baterista gosta de nos ter longe. Eu gosto de tocar junto dos meus parceiros. Quando os palcos s�o muito grandes, �s vezes, h� uma certa dispers�o. Na Festa do Avante, t�nhamos um bom som em cima do palco e isso � muito confort�vel. Normalmente, n�o temos t�o bom som que nos permita estarmos muito afastados a fazer o nosso papel sem preocupa��o de comunica��o com os parceiros.

E depois do CCB? Que condi��es existem para p�r este espect�culo na estrada?

� imposs�vel montar novamente este espect�culo. Posso garantir que um CCB completamente esgotado n�o paga este espect�culo. De qualquer modo, est� pensado fazer-se uma vers�o de c�mara. Para j�, vamos ao festival internacional da Catalunha com 18 pessoas.

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17 Comments

  1. Pingback: laranja amarga
  2. Cavalheiros

    Estou estupefacta! Subitamente, pareceu-me ter entrado num qualquer bairro popular, onde alguns habitantes empunham facas e outros alguidares…

    Senhores, que interessa quem

  3. Sinceramente, meus senhores! Se todos lerem o que escreveram o Vasco Sacramento e o Luis Rei recentemente, v

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