Entrevistas

Toumani Diabaté: «A Curva da Cintura é um disco espiritual»

Toumani Diabaté, maliano de etnia mandinga, griot, exímio tocador de kora, tem (mais um) novo projecto: A Curva da Cintura com os brasileiros Arlando Antunes e Edgard Scandurra. A poesia portuguesa e o rock experimental sul-americano surge contaminado por ritmos e melodias da África Ocidental num disco gravado em Bamako e que será apresentado hoje em Loulé, no Festival Med.

O mestre da harpa africana de 21 cordas explica como sucedeu o encontro e como este projecto se poderá tornar num novo Afrocubism (neste caso, Afrobrasileirism).

– Este projecto foi gravado em Bamako, Mali, mas as canções foram criadas por dois brasileiros e obedecem sobretudo a um formato canção. Como um músico habituado à improvisação, a tocar longas composições de uma dezena de minutos, se adaptou a este formato?

– Como sabe, participei em vários projectos, por exemplo com o Ali Farka Touré com o qual ganhei dois grammies…

– Sim, com a Bjork também…

– Sim e com o Herbie Hancock mais recentemente. A música é uma língua internacional. As notas em Portugal, são as mesmas que no Brasil, no Mali ou em Nova Iorque. A Curva da Cintura é para mim um álbum muito espiritual. Quando oiço uma canção penso que fica melhor com a inclusão deste instrumento tradicional do Mali. Agradeço a deus por ter tido a possibilidade de pôr a minha música nestas canções de três ou quatro minutos. Também compus uma música em estúdio. Chama-se “Rio Seco”.

– Um tema que, infelizmente, só se encontra incluído na versão especial deste disco…

– Certo. Não toquei música brasileira e os brasileiros não tocaram a minha música. Unimos as nossas criações e gerámos uma nova música. Estou muito contente com este projecto. Arnaldo e ao Edgard são muito bons músicos. A música que tocam vem do coração. Como sabe, a minha música vem de uma muito antiga linhagem de músicos com mais de 700 anos. Tenho de agradecer ao Arnaldo e Edgard, à minha banda Symmetric Orchestra e também ao meu filho Sidiki que também realizou um trabalho maravilhoso neste disco ao tocar kora com pedais, com efeitos wha wha.

– O resultado final deste disco seria muito diferente se não tivesse sido gravado no Mali? Penso que não teriam tido à vossa disposição o enorme leque de bons músicos malianos que participam neste disco…

– Quando partipei no Festival Back2Black no Rio de Janeiro e aí toquei com Arnaldo e com o Edgard, o resultado foi fantástico, muito positivo. Convidei-os para virem ao Mali gravar o disco. Porque quando se ouve um álbum como “In The Heart of The Moon” que gravei com o Ali Farka Touré, consegue sentir-se o ambiente do Mali no disco. Se nunca esteve no Mali, consegue sentir um poder espiritual e de felicidade muito forte. Por isso, queria que este disco, A Curva da Cintura, beneficiasse deste tipo de registo. O Mali é o coração da cultura em África. Disse-lhes para virem ao Mali porque havia muitas possibilidades de gravarmos um bom disco. A música que eles tocam é quase rock’n’roll. Por isso ficaria melhor fazermos uma mistura com n’goni, kora, balafon, djembe, njarka. Não queria gravar um disco de rock’n’roll. Se fosse gravado no Brasil seria certamente rock + kora.

– Claro que o Edgard tem uma variedade notável de guitarras, eléctricas, slide, mas os outros músicos africanos fariam falta no Brasil.

– Sim, por isso, agora, com os músicos africanos em palco, estamos a fazer uma nova música do Arnaldo, do Edgard, do Toumani e também da banda. Já não lhe podemos chamar Curva da Cintura. Esta é uma nova música do Brasil e do Mali que nunca foi feita antes.

– Que músicos traz consigo?

– O meu filho Sidiki. Temos também uma outra voz, Jali Fily Cissokho. Ele é senegalês mas vai cantar em dois estilos: mandinga e maliano. Não há diferenças culturais entre o Senegal, o Mali, a Guiné Conacri, a Guiné Bissau.

– Parece uma mini Symmetric Orchestra para tocar na Europa…

– Sim. Agora estamos a promover o disco A Curva da Cintura, mas vamos preparar uma outra digressão com uma banda maior.

– Quer dizer que o projecto A Curva da Cintura irá unir músicos africanos e brasileiros à semelhança do que foi feito em Afrocubism (entre africanos e cubanos)?

– Exacto. Vamos expandir esta música porque se trata de um novo estilo, uma nova música que temos de divulgar ao mundo inteiro.

– O seu filho está agora a tocar consigo fora do Mali. Há quanto tempo é que ele colabora consigo?

– Começou a colaborar comigo no disco “Mande Variations”. No Mali, ele ganhou duas vezes o prémio melhor “beatmakers”, em 2010 e 2011. Tem uma grande banda de hip hop.

Ele toca teclados, kora, programa beats e canta. É compositor, faz arranjos, interpreta. Mistura música urbana, maliana e griot. Tocou num estádio perante 30 mil pessoas. Quis que ele colaborasse no meu projecto para que se pudesse escutar a diferença entre duas koras. Eu tenho o meu estilo e ele tem o dele.

– Mais moderno, enérgico, eléctrico…

– sim, com efeitos wha wha e uma série de coisas. Ele é muito novo. Tem apenas 20 anos. Combina bem com o Edgard.

– Por vezes, está a tocar kora como se estivesse a tocar guitarra eléctrica…

– Sim, mas mantendo o estilo mandinga. Dentro da suacultura, desenvolvendo-a.

– Pensa que ele tem capacidade de montar um projecto próprio para tocar na Europa e nos Estados Unidos?

– Absolutamente.

– Assim, numa mistura de música mandinga com rock, à semelhança do que o Vieux Farka Touré faz?

– Sim. Ele é amigo do Vieux. Ele vê-o muitas vezes. Vieux é meu filho também, por isso o Sidiki é o irmão mais novo do Vieux. Ele toca a sua própria música e não a do Ali. Tem o seu próprio estilo. O Sidiki tem também o seu próprio estilo a tocar kora. É um músico de mente aberta. Vai poder apreciá-lo no concerto da Curva da Cintura.

– Neste disco, gravou novamente o tema “Kaira”. Este é um clássico que já havia gravado, quer com o Ali Farka Touré, quer com o Taj Mahal. Representa também um movimento de resistência pela alegria, paz e cultura da anterior geração de griots. Será que o Mali precisa actualmente de um novo movimento Kaira?

– Kaira é um nome árabe que significa felicidade. Estou muito contente de gravar novamente o “Kaira” num novo estilo. Se escutou “Kita Kaira” com o Taj Mahal e o meu primeiro álbum, “Kaira”, que gravei há 20 anos, vê que há três estilos distintos. Mas o tema é só um. Com a mesma base. Estou muito contente de retomar este movimento no Mali. Quero que toda a gente no mundo possa ser embaixador da paz no Mali. O norte tem um problema. Não é bom. Não estávamos à espera de ter um problema destes. Os europeus estão a abandonar o país e isso não é bom. Quero que toda a gente possa contribuir para a paz no Mali, que toda a gente esteja ligada, porque o Mali é um país pacífico e que promove o diálogo entre os povos. Os estrangeiros podem ser amigos do Mali.

– No tempo dos seus pais, o músico griot representava para a população o média mais poderoso de divulgação de notícias. Mais do que a televisão ou a rádio. Como é hoje em dia? Ainda mantém um papel importante na divulgação às populações urbanas e rurais deste tipo de notícias que chegam do norte do Mali?

– Continuamos a fazê-lo. O nosso trabalho existe há mais de 700 anos e é mais importante que a televisão, a rádio ou os jornais. Na passada quarta, o Salif Keita e outros músicos organizaram uma Teletón (campanha televisiva de recolha de fundos) e conseguiram 26 milhões de francos CFA para ajudar a população do norte do Mali. Estou há mais de um mês em digressão fora do país, mas continuo a passar a mensagem que, quer no Mali ou fora do Mali, os griots têm de continuar a fazer o seu trabalho. É muito importante para nós.

– Um músico em África tem um papel mais importante do que um político. No ranking da revista norte-americana Forbes, referente às pessoas mais influentes de África, há um maior número de artistas do que políticos.

– Claro. No Mali, desde há 700 anos a esta parte, em qualquer organização de cerimónia, casamento, funeral, baptismo, os griots estão presentes. Um homem não se pode casar com uma mulher sem antes um griot os ligar primeiro. Isto durará para sempre, porque este é o trabalho dos griots.

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