Kepa Junkera, mago da trikitixa e principal embaixador da folk basca, regressa a Portugal para actuar este fim-de-semana na sétima edição do Festival Folk Celta de Ponte da Barca que se realiza a 25 e 26 de Julho, na Praça Terras da Nóbrega desta localidade minhota.
Depois de ter recentemente actuado no FIMI de Lisboa, o basco Kepa Junkera voltará a apresentar no nosso país o seu mais recente duplo-álbum-livro “Galiza”, no segundo dia do evento (26 de Julho).
Galiza é uma espécie de celebração à Chieftains da música galega por parte deste bilbaíno. Aqui, Kepa Junkera gravou com mais de vinte projectos musicais galegos: Milladoiro, Uxía, Mercedes Peón, Cristina Pato, Budiño, Luar na Lubre, Susana Seivane, SonDeSeu, Xabier Díaz, Treixadura, Os Cempés, Pandereteiros de O Fiadeiro, Radio Cos, entre outros.
À semelhança de alguns dos anteriores álbuns de Kepa Junkera, “Galiza” é servido num packaging de respeito: um livro de 23 x 23 cms de 50 páginas com ilustrações, fotos e textos, editado pela editora (também) galega Fol Música.
Apesar de ter sido um disco que contou com a participação de cerca de duzentos músicos, Kepa Junkera apresenta este repertório em Ponte da Barca em classe económica. A acompanhá-lo estarão apenas percussionistas (de txalaparta e de pandeireta galega).
– Em anteriores entrevistas, referiste que o álbum “Galiza” é um pouco diferente dos outros? Em que aspecto? Por teres gravado com mais músicos [cerca de 200] do que tem sido habitual? Por te afastares da tua matriz de composição?
– Porque estou a trabalhar em toda a música tradicional da Galiza. Habitualmente gravo a música que componho, inspirada na música de raiz do País Basco. É uma diferença importante. É a primeira vez que dedico um projecto a uma outra cultura tão forte. Gravei o disco anterior com a Orquestra Sinfónica do País Basco mas a interpretar temas meus. Este “Galiza” tem jotas, tem muñeiras…
– Mas não é apenas um disco de música galega, é um disco de composições galegas com instrumentistas galegos em convívio com instrumentos e músicos bascos…
– Sim, neste projecto tocámos txalaparta, pandeireta basca, trikitixa que é um pequeno acordeão como a concertina do norte de Portugal. Foi um processo de aprendizagem.
– Como foi gerir este processo que envolveu mais de 200 músicos de diferentes sensibilidades?
– O projecto começou muito antes de se começar a gravar o disco. Houve gente de todos os estilos, profissionais, amadores, jovens, pessoas mais maduras. Queria que este disco refletisse com a maior precisão quais as pessoas que estão actualmente a tocar música galega e o que é esta música, quais são as tradições da Galiza.
– Além de compositor e intérprete de trixitixa, tens sido também o produtor dos teus discos. Ao teres de trabalhar com 200 pessoas de várias sensibilidades, “Galiza” exigiu-te um esforço maior enquanto produtor?
– Creio que o mais importante é a experiência adquirida. Já produzo discos há tantos anos que sei muito bem até onde posso chegar. Conhecia a música galega e tinha a clara noção do que queria fazer, por isso não foi tão difícil como possa parecer. Tive a preciosa ajuda da minha equipa e, assim, tornou-se mais fácil poder coordenar um projecto deste tipo. Há projectos mais complexos. Creio que o facto de ter já experiência na área da produção permite-me optimizar melhor o tempo em função do objectivo final.
– Pelo facto de assumires o papel de produtor de corpo e alma, não poderás correr o risco de desenvolveres menos o papel do músico, do instrumentista?
– Para mim, a realidade é una. Por exemplo, estou actualmente envolvido num projecto individual em que toco vários instrumentos. Para mim, a produção faz parte do meu desenvolvimento enquanto músico. Não sinto uma coisa independente da outra. Há momentos em que tocas mais e outros em que tocas menos, por exemplo com a Orquestra SonDeSeu. O concerto de Ponte da Barca, em que serei apenas eu e os percussionistas, obrigar-me-á tocar muito.
– E em “Galiza”, há temas em que és absorvido pelos músicos galegos…
– Isso não me importa. Tocar mais ou tocar menos não é uma coisa que me preocupa. Muitas vezes, o mais engraçado é tocares instrumento num projecto ou numa canção e aquilo não soar. Tu estás noutra onda. É algo filosófico.
– Este é um disco que reflecte sobretudo a excelente saúde que continua a gozar a música galega. Como é que um basco vê toda esta movimentação dos galegos em torno da sua música?
– São pessoas que amam a sua própria cultura. Gostam de tocar, de bailar, de cantar e isto é transmitido de geração em geração de uma forma muito intensa. No País Basco também acontece isso, também há muita “afición”. Creio mesmo que em toda a Península Ibérica. Mas, de facto, a Galiza é um caso que se destaca. O número de gente que toca e participa nas festas é maior.
– Como sabes, a WOMEX deste ano realiza-se na Galiza, em Santiago. Que expectativas tens relativamente à promoção de “Galiza” e de alguns artistas galegos junto de todos os participantes nesta feira?
– Como dizes, a WOMEX é uma excelente montra. Temos de, entre todos, dar a conhecer a música de toda a Península. As nossas culturas são irmãs e o nosso património cultural é muito importante para mostrar ao mundo. Há muitas coisas para dizer no panorama internacional da música. Acho que há muito interesse por parte dos participantes em conhecer as músicas da Península Ibérica. Está na altura de muitos dos projectos galegos darem o salto para o circuito internacional. Esta será uma boa oportunidade.
– Em 2015 celebras 35 anos de carreira musical. O que é que estás a preparar para celebrar essa efeméride?
– Estou a trabalhar num projecto em que regresso às minhas raízes, ao mundo da trikitixa e da pandeireta basca. É um pouco um reviver do que senti ao longo dos anos a tocar estas músicas. Os músicos que me influenciaram e que admiro. É também um projecto de divulgação dos diferentes estilos e tipos de intérprete de trikitixa. Os mais tradicionais / clássicos aos mais modernos. Será um disco-livro que deverá sair até ao final deste ano. O que vou celebrar com este projecto, é o meu 50º aniversário. Toco desde os 14 ou 15 anos e parece-me o momento especial para fazer isso. Nunca quis celebrar nada, nem quando completei 25 anos de carreira. Desta vez não resisti.
– Como amante que és da música de Astor Piazzolla, nunca te sentiste tentado em criar um projecto argentino semelhante ao que fizeste em “Galiza”?
– Sim, o problema é o tempo disponível. Sou um amante da música do Atlântico, inclusive da portuguesa. Já toquei com Júlio Pereira, António Chainho, Mafalda Arnauth, Teresa Salgueiro, Filipa Pais, Dulce Pontes. Orgulho-me da minha relação com Portugal. A minha relação com Argentina, com Chile, com Uruguai é muito forte também. E aqui há relações fortes com o País Basco porque os bascos participaram activamente na construção destes países da América Latina. Gostaria muito, mas acabei há pouco tempo o projecto da “Galiza” e iniciei o projecto da trikitixa. E há sempre concertos, digressões pelo meio…
– Uma última pergunta: como adepto do Athletic de Bilbao que és, quais as tuas expectativas para este ano na Liga?
– “Hombre”, eu sempre tenho as melhores expectativas. Este ano jogamos a Champions. Vai ser difícil, mas temos um estádio novo [San Mamés] que é uma catedral de futebol… Em Bilbao, o futebol é algo muito familiar, que está no sangue dos bilbainos, dos viscainos. Como sabes, os nossos jogadores são bascos, apoiamo-los muito porque para nós é uma forma de darmos aos nossos jovens um espírito colectivo, de comunhão com o nosso povo. Esperamos passar a fase seguinte na Champions e bater-nos de igual para igual com o Real Madrid ou com o Barcelona. Jogaremos mano-a-mano desde que mantenhamos a nossa identidade basca, a nossa energia.