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O melhor de 2014 (1/15): Edições discográficas Folk // Trad // PT

O melhor de 2014: Folk // Trad // PT by Terra Pura Radio on Mixcloud

Lista dos dez discos de 2014 da área da música tradicional / folk, criada por músicos portugueses ou residentes em Portugal.

myricafaia_virobalho10. Myrica Faya – “Vir’ó Balho” (Ed. Autor)

Da Ilha Terceira chegam-nos os Myrica Faya que exibem uma nova leitura de alguns clássicos da música tradicional açoriana que temos conhecido ao longo dos anos pelas vozes, instrumentos e tecnologia de gente ilustre como Belaurora, Carlos e Zeca Medeiros, O Experimentar Na M’incomoda e Helena Oliveira, entre outros, como “A Charamba”, Os Bravos”, “A Lira”, “San Macaio”, “O Caracol” e o Balho da Povoação”. Em “Vir’o Balho” há blues fumegantes e vulcânicos tocados com viola da terra, uma charamba que recebe pujante secção de metais, um balho-rock contaminado pela distorção de uma guitarra eléctrica… uma visão fresca e descontraída da belíssima música açoriana. Os Myrica Faya são Bruno Bettencourt (Viola da Terra), Cláudio Oliveira (Baixo), Emílio Leal (Piano, Voz), Pedro Machado (Guitarra, Voz), Ricardo Mourão (Guitarra, Voz).

karrossel9. Karrossel – “Karrossel” (Ed. Autor)

Superbanda de ensino e interpretação de danças tradicionais portuguesas e europeias que agrega elementos de outras formações folk (e não só), como Mu ou Pé na Terra, Baile Vadio, Homens da Luta, Banda às Riscas, Recanto, etc. Em Karrossel há viras, malhões, fado batido, danças bretãs, romenas, lituanas, gregas. Tudo isto tocado de forma informal e em espírito festivo com percussões africanas e instrumentos de cordas indianos. Há ecos da boa folk nortenha que se fazia nos momentos áureos do Intercéltico do Porto, como a “Contra-dança” de Baião (que conhecemos há duas décadas via Toque de Caixa). Há “Misirlou” aflamencado e temperado com tarang, fora de órbita do universo do rebétiko e do surf rock de Dick Dale.
Karrossel é formado por Hugo Osga (bul tarang, dunus, didgeridoo, sanfona), Ricardo Coelho (gaitas de foles portuguesa, galega, búlgara, francesa, flauta transversal e sopros), Nuno Encarnação (cajon, darboka, riq e percussões), Sérgio Cardoso (clarinete e flauta transversal), Andreia Barão (acordeão) e Diana Azevedo (responsável pela recolha e ensino de danças tradicionais).

umacoisaemformadeassim8. Uma Coisa em Forma de Assim – “Uma Coisa em Forma de Assim” EP (Seiva Bruta)

Há dez anos a criarem e a interpretarem repertório original que respeita as estruturas de danças tradicionais europeias, Uma Coisa em Forma de Assim edita, finalmente, o primeiro EP de quatro temas. Um pequeno cartão de visita que abre com o inevitável “Periclitam os Grilos” e que exibe toda a potencialidade técnica dos enormes músicos desta orquestra (sobretudo em “Pequeno Choro”) que, por um lado, parecem poder interpretar todas as músicas dançantes do balcão Atlântico com frescura e swing – de afrobeat, a frevo e a son cubano-, por outro, dão ares de formação brass-folk britânico (de Brass Monkeys a Bellowhead). Façamos figas para que o álbum não demore muito tempo a chegar. Uma Coisa em Forma de Assim é formada por Filipe Valentim (saxofones), Carlos Garcia (teclados), Eduardo Jordão (baixo), Eduardo Lála (trombone), Emanuel (acordeão) e Gonçalo Santuns (bateria).

Marafona_tiamiseria7. Marafona – “Tia Miséria” EP (Ed. de Autor)

Podia ser um projecto inspirado na angustia de um guarda-redes de Moreira de Cónegos no momento da grande penalidade, mas a Marafona traça a migração dessa boneca típica de Monsanto, da sua aldeia para Lisboa, levando consigo dois mundos: ”um mundo só dela e outro que adivinhava à descoberta”. Marafona é um colectivo de gente ligada a vários projectos na área da música tradicional e não só (Baú, Trigala, Arranca Telhados) que estabelece muito bem o perímetro criativo do boneco que o “bárbaro” Artur Serra (voz, berimbau) encarna em palco. Uma espécie de par perfeito da Deolinda (e Pedro da Silva Martins até escreve para Marafona). Este EP é apenas um pequeno aperitivo do universo sonoro de Marafona (o álbum deve estar para breve) que musica com rigor e mestria contos de encantar (“A Pereira da Tia Miséria”); revisita o fado e a marcha popular (e a sua improvável toponímia); ergue pontes entre o jazz dominado pela secção rítmica do mexicano Ian Carlo Mendonza (percussões) e Cláudio Cruz (contrabaixo) e a riqueza da música popular portuguesa dominada pelos cordofones, ora mais nortenhos e beirões (Gonçalo Almeida – guitarra portuguesa, cavaquinho, braganica, tracanholas e gaita de foles), ora mais clássicos e aflamencados (Daniel Sousa – guitarra clássica).

celinadapiedade_cantedaservas6. Celina da Piedade – “O Cante das Ervas” EP (Ed. Autor)

Depois do enorme banquete que foi o duplo álbum de estreia “Em Casa” que teve alguns comensais de peso nacionais e internacionais, como Kepa Junkera, Rodrigo Leão e Gaiteiros de Lisboa, a acordeonista-todo-o-terreno Celina da Piedade editou o “digestivo” “O Cante das Ervas”. Um fino sortido de ervas de cheiro (em música e em pacotes de ervas para infusão) que é, acima de tudo, uma declaração de amor às canções populares que se aprenderam de ouvido no Baixo Alentejo. Um EP de apenas seis temas, mais comedido, mais caseiro (leia-se sem convidados extravagantes) em termos de produção, mas com a mesma visão global, ampliada, de uma música local cujos arranjos cada vez trabalhados, sofisticados, cinemáticos e telúricos (sem nunca perderem o contacto com a terra), conferem uma sonoridade mais universal à música de Celina da Piedade, que surge aqui acompanhada por Alex Gaspar (contrabaixo, adufe, vassouras de palha), Diogo Leal (flauta de tamborileiro e tamboril), Filipa Ribeiro (coros), Fred Gracias (adufe), Marco Pereira (violoncelo) e António Bexiga (guitarra folk e viola campaniça).

macadame_paoquente5. Macadame – “Pão Quente e Bacalhau Cru” (Ed. Autor)

Nasceram em Coimbra, entre as quatro paredes dos GEFAC, onde coabitam elementos de outros colectivos que tão bem tratam o nosso cancioneiro popular, como Diabo a Sete, Chuchurumel (que, infelizmente, cessaram actividades), Catarina e os Mouros, Segue-me à Capela, Brigada Victor Jara. No álbum de estreia “Pão Quente e Balhau Cru”, os Macadame recuperam, 16 anos depois o espírito renovador do “Sexto Sentido” da Sétima Legião e unem-se ao Experimentar Na M’incomoda na arte de moldar com inteligência e elegância, via programações e tratamento electrónico de instrumentos acústicos como a viola braguesa, quer recolhas de canções de embalar a cantigas de trabalho por M. Giacometti, J.A. Sardinha e GEFAC, como “Macela, Macelinha”, “Dorme, Dorme”, “Por Riba Se Ceifa o Pão”, ou “Ó Minha Mãe dos Trabalhos”, quer a criação de temas originais como a “Chula Andorinha” que tão bem encaixa no restante repertório estoicamente defendido pela belíssima voz de Vânia Couto (também vocalista nos Pensão Flor).
Os Macadame são Vânia Couto (voz), Alexandre Barros (viola braguesa), Paulo Yoshida (baixo), Rui Macedo (guitarra) e João Fong (programação e teclados).

melechmechaya_genteestranha4. Melech Mechaya – “Gente Estranha” (Ponto Zurca)

Os Melech Mechaya cedo perceberam que há muito mais vida do que ser mais uma banda de interpretação de música de celebração de casamentos judaicos. “Gente Estranha” reflecte as inúmeras milhas percorridas e os contactos que os Melech tiveram com boa gente como Klezmatics ou Merlin Shepherd por esses festivais internacionais de klezmer e world, do Brasil à Suécia. Mas, à base Klezmer mais amadurecida, sobrepõe-se a visão idiossicrática, circense, que estende o tapete vermelho para outros protagonistas. Se no no passado houve Mísia ou Frank London (Klezmatics), aqui há Pedro da Silva Martins (Deolinda) – que escreve a letra – e João Mendes do projecto Jazzafari – que interpreta – o tema-título de “Gente Estranha” e Amélia Muge que oferece a letra e a voz em “Querubim Barbudo”.

apresencadasformigas_Pe-de-Vento3. A Presença das Formigas – “Pé de Vento” (Ed. de Autor)

A Presença das Formigas do compositor, violinista e bandolinista Manuel Maio, é um verdadeiro OVNI da música popular portuguesa. Pé de Vento”  é um disco que volta a ser povoado por arranjos de bom gosto e elegância, dinâmicas e estética da folk progressiva, canção de intervenção de escrita sofisticada e actual, confinando um ar muito mais refrescante à música popular feita em Portugal. “Pé de Vento”, que recebeu os convidados João Afonso, João Paulo Esteves da Silva e o cantautor espanhol Luís Pastor, é um disco semelhante mas algo distante de “Ciclorama”, marcado pela reformulação d’A Presença das Formigas. Em 2013, entraram Nuno Silva (acordeão), Rui Lúcio (bateria, percussão) e Sara Vidal, ex-Luar na Lubre (voz).

ronda4caminhos_tierraalantre2. Ronda dos Quatro Caminhos – “Tierra Alantre” (Ocarina)

Em 2014, a Ronda dos Quatro Caminhos celebrou trinta anos de actividades com a edição do álbum “Tierra Alantre”. Mais uma obra épica que volta a unir os universos da música tradicional portuguesa (e agora galega) e das orquestras sinfónicas, onze anos depois de terem editado a pedra basilar desta suprema aventura: “Terra de Abrigo”. Na “Tierra Alantre”, a Ronda dos Quatro Caminhos deixou o Alentejo e rumou a norte, a Tierras de Miranda, a Trás-os-Montes, ao Minho e à Galiza para laborar reportório destas regiões em parceria com a Orquestra Sinfónica Portuguesa e com o Coro do Teatro Nacional de S. Carlos, dirigidos pelo maestro Vasco Pearce de Azevedo, bem como com variadíssimos músicos convidados ligados às tradições galaico-portuguesas: Las Çarandas, Cantadeiras do Vale do Neiva, Armando Possante, Beatrix Schmidt, María Xosé Lopez, Pedro Almeida, Sara Vidal, Ricardo Santos e Xico de Carinho.

 

MU0112 CD Cover Noa Noa - Língua Vol 1 (2014)

1. Noa Noa – “Língua, Vol. 1” (Arte das Musas)

Filipe Faria (voz, adufe, bombo, vassouras, udu, unhas de cabra, chocalhos, guitarra barroca, viola beiroa, flauta doce, flauta bansuri, assobio, melódica) e Tiago Matias (vihuela, guitarra barroca, alaúde, guitarra romântica, colascione, voz, bombo, vassouras, assobio, unhas de cabra) carregam consigo a experiência de década e meia de trabalho ímpar em Sete Lágrimas na forma como resgatam e desenvolvem repertório que os portugueses levaram ou criaram há (pelo menos) 500 anos atrás, em África ou no Brasil, na Índia ou em Macau. No projecto Noa Noa, nascido de uma residência artística que ocorreu em Idanha-a-Nova, o duo aponta o foco à diversidade cultural e linguística da Península Ibérica, interpretando, re-arranjando e edificando com mestria e cunho muito pessoal, um programa consistente e coeso constituído por repertório português, castelhano, mirandês, galego, asturiano, basco e catalão, no qual se esbatem as diferenças temporais e linguísticas. “Lingua, Vol. 1” é erudito e contemporâneo, antigo e moderno, arcaico e inovador. Aqui respira-se uma enorme cumplicidade entre dois multi-instrumentistas, respeita-se o silêncio, os espaços (do terreiro ao salão de baile) e a doçura ou a pujança dos instrumentos, sejam percussões de barro, flautas doces ou cordofones trovadorescos. Uma coisa é certa: nunca se escutaram arranjos como estes de modas, cantos de devoção, de Tierras de Miranda (“Pur beilar el pingacho”, “Mira-me Miguel”), da Baixa Baixa (“Virgem da Consolação”) ou dos Açores (“Tanchão”). Venha rapidamente o Volume II de “Língua”.

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4 Comments

  1. O Artur Serra que Marafona é também um nome de bom fotógrafo (para além de guarda-redes do Moreirense). E cuidado se forem ao Brasil. É que marafona é o pior termo para insultar uma mulher.

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