Reportagens

Med de Loulé 2012: A Curva da Cintura é circular

Já perdi a conta das vezes que vi Toumani Diabaté em palcos portugueses. A solo, nas suas “Mandé Variations”, com a Symmetric Orchestra, com Ali Farka Touré… Curiosamente, poucas foram as ocasiões em que assisti a um espectáculo repetido do griot maliano.

Desta vez, o mestre e professor que nos oferece lições gratuitas de como se toca (e de que materiais é feito) uma kora, apresentou-se em Loulé com os brasileiros Arnaldo Antunes (provavelmente uma das vozes com um timbre mais bonito), Edgard Scandurra (um manual de sobrevivência de um guitarrista inteligente e aventureiro num efêmero universo do rock), ladeado por uma frágil fisionomicamente mas possante e eficaz baterista (Michelle Abu), um baixista, filho de Edgard (Daniel Scandurra) e mais um griot e tocador de Kora, este filho de Toumani (Sidiki Diabaté).

Um concerto que inaugurou uma digressão europeia e que, por isso mesmo, se registaram alguns desacertos entre os músicos, próprios de quem está a desbravar um espaço comum para comunicar e a quem apenas falta o sotaque mais correcto. Houve também alguns problemas som (a kora de Sidiki não se ouviu de início, os feedbacks regulares…), facilmente superados por um grupo de artistas que se sentia unido musical e espiritualmente, onde a humildade de Toumani (que, pouco antes do espectáculo, havia demonstrado um enorme respeito pelo meu rapaz de 11 anos quando o apresentei como estudante de violino, como se ele fosse também um griot de pele branca e fizesse parte da sua “irmandade”) foi o adobe que colou a canção brasileira e o constante improviso e subversão africana em praticamente todas as frases instrumentais, sobretudo da kora electrificada de Sidiki. Um tocador de kora mais enérgico e sanguíneo, performer e fazedor de beats de 20 anos que demonstrou uma enorme argúcia na forma como se movimenta em palco, que sabe muito bem o que fazer para tornar um espectáculo mais apelativo. Toumani, recatadamente sentado, além de nos querer mostrar duas sonoridades distintas do seu instrumento de eleição, fez questão em apresentar-nos o futuro do kora rock (já povoado por Ba Cissokho da Guiné Conacri).

Além das canções de Arnaldo e Edgard servidas no disco A Curva da Cintura, houve dois momentos instrumentais de enorme comunhão Mali – Brasil que são verdadeiras bússolas sonoras para a direcção que este “casamento” cimentado pelo grande amor à música poderá tomar: “Rio Seco” e Bamako’s Blues”. Oxalá venha aí um sucedâneo de Afrocubism. Ou seja, um Afrobrasileirism.

(c) Foto: Porta 86

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