Concertos

FMM 2007 | Porto Covo e Sines

Arranca hoje, na vila de Porto Covo, o maior festival português de músicas do mundo da actualidade. Além de trazer dos nomes mais sonantes do universo cada vez mais indefinido das músicas do mundo, o FMM é também aquele que mais arrisca no cruzamento de sonoridades mais tradicionais com rock, jazz e outros experimentalismos.

Ao longo de nove dias (três em Porto Covo, seis em Sines) teremos a oportunidade de assistir a trinta e três espectáculos com artistas provenientes dos cinco continentes, com destaque óbvio para a noite de encerramento com GOGOL BORDELLO (prestes a editarem novo disco), para o ‘raï-rocker’ argelino exilado em França RACHID TAHA, para o êxtase etíope de MAHMOUD AHMED, ou para a diva maliana OUMOU SANGARÉ. O cartaz do FMM de Sines promete muitas e boas agradáveis surpresas a descobrir durante os próximos dias, como o colectivo NORSKT da Bretanha, a ETRURIA CRIMINALE BANDA de Itália, a OKI DUB AINU BAND do Japão, os BELLOWHEAD do Reino Unido, DARKO RUNDEK da Croácia ou HAYDAMAKY da Ucrânia. Paralelamente, há também animação de rua com a HYPNOTIC BRASS ENSEMBLE de Chicago, sessões de ‘djing’ nas longas quatro noites do Castelo e da Avenida da Praia, workshps para crianças (dos seis aos onze anos) com vários artistas do FMM deste ano, conversas com alguns dos artistas, um ciclo de cinema “Música e Trabalho” (com apresentação do filme “O Povo que Canta” de Michel Giacometti e Alfredo Tropa) e uma exposição de fotografia do angolano Kiluanji Kia Henda que se encontra patente no Centro de Artes de Sines (desde 1 de Julho) até 30 de Setembro.

Este espaço irá acompanhar de perto todas as actividades possíveis do FMM deste ano durante os nove dias de festividades, conjuntamente com a fotografia e o vídeo do Mário Pires. Fiquem atentos.

Dia 20 de Julho (Porto Côvo)

GALANDUM GALUNDAINA (Portugal) | DARKO RUNDEK & CARGO ORKESTAR (Croácia / França) | ETRAN FINATAWA (Níger) 

Dia 21 de Julho (Porto Côvo)

DON BYRON PLAYS JUNIOR WALKER (Eua) | MAMANI KEITA & NICOLAS REPAC (Mali / França) | DETI PICASSO (Rússia / Arménia)  

Dia 22 de Julho (Porto Côvo)

DJABE (Hungria) | RÃO KYAO & KARL SEGLEM (Portugal / Noruega) | HAYDAMAKY (Ucrânia)

Dia 23 de Julho (Sines – Centro de Artes)

MARCEL KANCHE (França) | TTUKUNAK (País Basco) 

Dia 24 de Julho (Sines – Centro de Artes)

LULA PENA (Portugal) | JACKY MOLARD ACOUSTIC QUARTET (Bretanha)

Dia 25 de Julho (Sines – Castelo / Av. da Praia) 

TRILOK GURTU BAND; (Índia) | BELLOWHEAD (Reino Unido) | OUMOU SANGARÉ (Mali) | OKI DUB AINU BAND (Japão)*

Dia 26 de Julho (Sines – Castelo / Av. da Praia)

HARRY MANX (Canadá)* | CARLOS BICA “AZUL” (Portugal / EUA / Alemanha) | TARTIT (Mali) | MAHMOUD AHMED (Etiópia) | BITTY MCLEAN & THE HOMEGROWN BAND (Reino Unido / França)*

Dia 27 de Julho (Sines – Castelo / Av. da Praia)

ARONAS (Nova Zelândia / Austrália)* | HAMILTON DE HOLANDA QUINTETO (Brasil) | WORLD SAXOPHONE QUARTET “POLITICAL BLUES” (Eua) | RACHID TAHA (Argélia) | LA ETRURIA CRIMINALE BANDA (Itália)*

Dia 28 de Julho (Sines – Castelo / Av. da Praia)

NORKST (Bretanha)* | ERIKA STUCKY (Suíça / EUA) | K’NAAN (Somália) | GOGOL BORDELLO (Estados Unidos / Ucrânia) | SEÑOR COCONUT (Chile / Alemanha)*

*Concertos na Av. da Praia

GALANDUM GALUNDAINA

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Do planalto mirandês ao Alentejo banhado pelo mar, os Galandum Galundaina chegam para abrir o FMM2007 com um dos espectáculos mais vibrantes que a música portuguesa de raiz tradicional tem para oferecer. Partindo de melodias, gestos e palavras preservados durante séculos no isolamento das terras de Miranda (Trás-os-Montes), os Galandum são tudo menos um grupo fechado no passado. Há a graça natural com que dialogam com o público em mirandês e a qualidade das inovações tímbricas, rítmicas e harmónicas que introduzem. Há o efeito visual do grupo de pauliteiros e o modo como cantam e tocam a gaita-de-foles mirandesa, a flauta pastoril, a sanfona e muitos outros instrumentos tradicionais. Sobre a base dos discos “L Purmeiro” e “Modas i Anzonas”, ouviremos em Porto Covo modas, rimances, danças de roda, “lhaços” (os instrumentais sobre os quais dançam os pauliteiros), todos juntos num baile comovedoramente genuíno e divertido. Pela mão de quatro músicos completos (Paulo, Manuel e Alexandre Meirinhos e Paulo Preto), o melhor folclore para o melhor arranque do festival.

Paulo Preto, voz, gaita-de-foles mirandesa, sanfona, flautas
Paulo Meirinhos, voz, bombo, gaita-de-foles galega e percussões
Manuel Meirinhos, voz, percussões tradicionais, flautas
Alexandre Meirinhos, voz, caixa de guerra e percussões tradicionais
+ Grupo de 7 pauliteiros de Miranda

DARKO RUNDEK & CARGO ORKESTAR

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Em poucos lugares como nos Balcãs encontramos músicos com uma visão tão lúcida sobre os nossos tempos. Em 2006, o FMM ouviu Boris Kovac. Em 2007, ouvirá outro artista para quem a doçura é o registo certo para servir o Apocalipse. Nascido em 1951, Rundek começa a carreira num grupo marcante do rock balcânico, os Haustor, ao mesmo tempo que faz rádio e estuda teatro. No início dos anos 90, com a desintegração da Jugoslávia, exila-se em Paris, onde grava dois discos a solo e, em 2002, encontra os músicos que virão a compor a Cargo Orkestar. Reunindo oito artistas de diversas origens (incluindo um franco-português), a orquestra é um cargueiro repleto de influências, mistura dolente de Balcãs com Europa Central, América do Sul, África e electrónica, tecida como um tapete delicado pela voz rouca de Darko. O repertório, baseado em “Ruke” (2004) e “Mhm A-Ha Oh Yeah Da-Da” (2006), trata de exílio, relações virtuais, solidão urbana, mas também – sempre – da utopia do amor. Da mesma estirpe de um Tom Waits, um Leonard Cohen ou um Serge Gainsbourg, um cantautor verdadeiramente excepcional.

Isabel (Blaise Catala), violino
Igor Pavlica, trompete
Emmanuel Ferraz, trombone
Djani Pervan, bateria e percussões
Bruno Arnal, baixo
Dusan Vranic, teclados e acordeão
Darko Rundek, voz e guitarra

ETRAN FINATAWA

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Entre o Sahara e a África Negra, o Níger sempre foi um país pobre. Tuaregues e “wodaabe” são dois povos nómadas, de pastores, que ao longo dos séculos competiram pelos mesmos recursos escassos. Mas no projecto Etran Finatawa, finalista dos últimos prémios de world music da BBC Radio 3 (categoria “revelação”), demonstram que há mais a uni-los do que a separá-los. Criados em 2004, depois de um encontro bem-sucedido no famoso Festival do Deserto, no Mali, os Etran juntam seis músicos tuaregues e “wodaabe”. Dos primeiros ouve-se as longas linhas da guitarra eléctrica, o toque do calabash e de outras percussões. Dos segundos, a força hipnótica da polifonia vocal e o bater de palmas, acompanhados de dança lenta e extravagantes vestes e pinturas faciais. Cantadas nas duas línguas, as canções falam da beleza das mulheres, dos animais que os acompanham, de Deus e da religião, dos bons e maus momentos que vivem na imensidão da savana. Já com um disco gravado, em 2006 – “Introducing Etran Finatawa” -, as “estrelas da tradição”, brilham no céu de Porto Covo.

Zaid Ag Abdoul Jamil, tambor “tende” e voz
Mamane Tankari, cabaça de água e coros
Bagui Bouga, cabaça e voz
Ghalitane Khamidoune, voz principal e guitarra
Bammo Agonia, voz principal
Alhousseini Mohamed, baixo, coros e guitarra

DON BYRON PLAYS JUNIOR WALKER
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Há poucas músicas mais livres que o jazz e há poucas músicas mais cheias de vida que a “soul”: este vai ser o concerto privilegiado em que as duas se cruzam. Considerado um dos melhores clarinetistas do mundo e eleito músico de jazz do ano de 1992 pela “bíblia” Down Beat, Don Byron sempre procurou “um som acima do género”. Da salsa ao klezmer, tem experimentado todos os universos sonoros; de Roy Orbison a Puccini, tem feito suas as criações dos artistas mais diferentes. No projecto que traz ao festival, baseado no seu 12.º disco, “Do the Boomerang” (2006), visita uma figura pioneira, mas algo esquecida, da soul dos anos 60, o saxofonista e cantor Junior Walker. No clarinete, mas sobretudo no sax tenor, fá-lo com um grupo de músicos que inclui a voz de Dean Bowman, David Gilmore, na guitarra, o órgão Hammond de George Colligan, Brad Jones, no baixo, e a bateria de Rodney Holmes. O resultado é um cocktail só classificável com rigor recorrendo a três estrangeirismos: “funky”, “groovy”, “sexy”. Memórias actualizadas do lado mais cru da produção Motown para dançar, no FMM2007.

Don Byron, sax tenor e clarinete
Dean Bowman, voz
David Gilmore, guitarra
George Colligan, órgão Hammond
Brad Jones, baixo
Rodney Holmes, bateria

MAMANI KEITA & NICOLAS REPAC

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Filha de uma família nobre mandinga, se a tradição mandasse, Mamani Keita não deveria cantar em público, função da casta dos “griots”. Neste caso, a modernidade ganhou ao costume e o mundo tem a prazer de ouvir uma das mais belas vozes africanas actuais. A carreira musical de Mamani começou em Bamako, na Orquestra Nacional do Mali. Foi aí que, no início dos anos 90, uma das figuras tutelares da música do país, Salif Keita, a conheceu e convidou a ir para França, integrar o seu grupo de vozes de apoio. Depois de anos com Salif, em 2002 consegue a sua emancipação artística, gravando o primeiro disco a solo, “Electro Bamako”, música tradicional com forte trabalho electrónico. Em 2006, com concepção e produção do guitarrista francês Nicolas Repac, edita “Yelema” (“a mudança”), um disco em que a electrónica está mais presente nos procedimentos (ex. uso do “sampler”) do que nos sons, deixando sobressair todos os valores da música africana e riqueza de cambiantes de uma voz excepcional. Dia 21, um delicadíssimo universo sonoro africano para degustar em Porto Covo.

Mamani Keita, voz
Nicolas Repac, guitarra, flauta e voz
Moriba Koita, n’goni
Bienvenue Tanga, baixo e contrabaixo
Patrick Goraguer, bateria

DETI PICASSO

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Chamam-se “Filhos de Picasso” e uma coisa é certa: a sua música desenha-se de tudo menos de traços lineares. Compostos por dois arménios (os irmãos Gaya e Garen Harutyunyan, voz e guitarra eléctrica) e três russos (Vadim Kuznetsov, violoncelo, Alexey Filippik, baixo, Bogdan Bobrov, bateria), a jovem banda Deti Picasso faz rock com acentuado travo de acidez sobre melodias de canções tradicionais da Arménia. Sedeados em Moscovo, de cuja cena experimental são originários, foram considerados a melhor nova banda russa de 2002 e têm um amplo grupo de seguidores no seu país e países vizinhos. A música alterna momentos plácidos, quase ambientais, com explosões psicadélicas, onde estão em evidência a guitarra de Garen e, sobretudo, a voz fulgurantemente mal-comportada de Gaya, situável num território agreste algures entre Savina Yannatou e Alanis Morissette. Já com três discos gravados desde 2002 (“Mesyac Ulibok”, “Ethnic Experiments” e, o último, de 2006, “Glubina”), os Deti Picasso representam a música mais cativante e incatalogável da Rússia do séc. XXI.

Gayane Arutyunyan, voz
Karen Arutyunyan, guitarra
Vadim Kuznetsov, violoncelo
Alexey Filippik, baixo
Bogdan Bobrov, bateria

DJABE

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Os húngaros gostam de comida condimentada e de música também. Os Djabe, o mais premiado e internacional dos grupos de jazz do seu país, oferecem um “goulash” de música improvisada, tradição popular húngara, padrões rítmicos de todo o mundo e até referências de algum rock progressivo dos anos 70. Activos desde 1995 e já com 11 discos gravados (“Slices of Life” foi o último), os Djabe (“liberdade” na língua africana Ashanti) são um conjunto de músicos cujo contributo singular se identifica no som final da banda. Os dois principais compositores são Tamás Barabás (baixo) e Attila Égerházi (guitarra), cujos solos vão empolgar o público do FMM. Ferenc Kovács foi considerado pelo mestre Archie Shepp um dos melhores músicos do mundo, quer ao trompete, quer ao violino, o instrumento que mais ajuda a localizar os Djabe na música do centro da Europa. Depois, há as teclas de Zoltan Kovács, a bateria do jovem Szilárd Banai e a versatilidade de András Sipos no uso de percussões de todos os cantos do mundo. Dia 22, estende-se a mesa para o banquete do “jazz/world” com “paprika”.

Tamás Barabás, baixo
Attila Égerházi, guitarra
András Sipos, voz e percussão
Ferenc Kovács, trompete e violino
Szilárd Banai, bateria
Zoltán Kovács, piano e teclados

RÃO KYAO & KARL SEGLEM

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Se com a evolução dos transportes e das comunicações o mundo ficou mais pequeno para todos nós, para os músicos parece tê-lo ficado ainda mais. Já não há redutos estéticos nacionais: cada músico é, em si, um mundo, onde as mais diferentes formações e interesses ganham uma configuração pessoal. Rão Kyao e Karl Seglem são representantes ideais desta nova realidade. Karl é um dos melhores saxofonistas noruegueses. Com 23 álbuns, a solo e em grupos como os Utla e os Isglem, a sua música assenta no jazz, mas busca elementos na folk, na “world music” e na exploração sonora da clássica contemporânea. Rão Kyao é, desde os anos 70, um músico à parte. Formado no jazz, foi ele que, através do saxofone, melhor aproximou este género do fado e, através das flautas de bambu, restabeleceu com a música portuguesa o elo oriental (indiano, árabe, chinês) que a sua história justificava mas tinha perdido. Com mais dois músicos noruegueses (Harald Skullerrud e Helge Harstad) e dois portugueses (José Peixoto e Ruca Rebordão), em estreia mundial, o encontro, mais do que de dois músicos, de dois planetas musicais.

Rão Kyao, flautas de bambu e voz
Karl Seglem, sax tenor, sax, cornos de cabra e electrónica
Harald Skullerrud, bateria e percussões
Helge Harstad, baixo e contrabaixo
Ruca Rebordão, percussão
José Peixoto, guitarra

HAYDAMANKY

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Em 2004, as ruas de Kiev encheram-se com o povo ucraniano unido pelo triunfo da democracia. Na Praça da Independência, centenas de milhares de pessoas faziam a Revolução Laranja e os músicos mais importantes do país participavam, actuando para a multidão. Entre eles, estavam os Haydamaky, a banda que recorda o nome de uma rebelião de camponeses no século XVIII e está a atravessar fronteiras para a dar a conhecer ao mundo a música do renascimento de uma grande nação europeia. Nascidos em 1991, ainda como “Aktus”, os Haydamaky começaram no rock, evoluíram para os domínios do ska-reggae e do punk e, em 1993, com a entrada de Olexandr Yarmola, cantor e tocador da flauta “sopilka”, e Ivan Len’o, acordeonista, aproximaram-se das músicas tradicionais da Ucrânia, fixando a identidade que têm hoje, fusão de todas essas correntes. Já com três discos gravados nesta formação (“Haydamaky”, “Bohuslav” e “Ukraine Calling”), o grupo que inventou o “Ska dos Cárpatos” fecha com a música imparável do Leste a primeira parte do FMM2007, em Porto Covo.

Oleksandr Yarmola, voz e “sopilka”
Ivan Leno, acordeão, “tsymbaly”, midi e coros
Volodymyr Sherstyuk, baixo e “drymba”
Eugeniu (Hayduk) Didic, trompete
Oleksandr Dem’yanenko, guitarra e “domra”
Ruslan Ovras, bateria, “bukhalo” e percussões
Ivan Tkalenko, “bandura”

MARCEL KANCHE

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Aos 50 anos, poeta, compositor, guitarrista exímio e voz profunda “à la Gainsbourg”, Marcel Kanche é uma figura enigmática, com uma carreira de 30 anos sempre um pouco marginal à cena musical francesa. Nos últimos tempos, porém, tem sido impossível não reparar nele. O seu disco mais recente, “Vertiges des Lenteurs” (2006), foi acolhido como uma obra-prima pela imprensa do seu país e a insuspeita revista britânica Mojo não foi menos entusiástica: “Este é o tipo de disco que Leonhard Cohen devia fazer mais vezes: esparso, lânguido, com baladas poéticas cantadas por uma voz de barítono”. Na tradição da canção francesa, sobretudo se a ela associarmos um cuidado inigualável com o texto, as suas referências dominantes não estão no entanto em artistas como Bécaud ou Ferré, mas no rock experimental, entre o progressivo e o punk, de Robert Wyatt, dos Suicide ou da jazz-woman Carla Bley. No escuro do Centro de Artes, em ambiente sereno, estruturado por um ensemble acústico de instrumentos como o violoncelo, o violino e o piano, um concerto lírico, no bosque nocturno de Marcel.

Marcel Kanche, voz, guitarra e piano
Julien Levèvre, violoncelo
Laurent Levèvre, violino
Isabelle Lemaitre, voz e coros

TTUKUNAK

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Há dois milénios, as montanhas do País Basco eram pouco populosas e para se comunicar a longas distâncias usava-se um meio peculiar. Para anunciar a chegada de inimigos, para informar da morte de alguém ou simplesmente para fazer um convite para uma festa regada de sidra, tocava-se a “txalaparta”, um objecto feito de tábuas e vigas de metal de dois metros de comprimento, percutido por ripas de madeira. Com o tempo, o toque do instrumento – que produz um som semelhante ao galope de um cavalo – foi ganhando complexidade rítmica e tornou-se música. Para soar como deve, a “txalaparta” precisa de ser tocada por duas pessoas ao mesmo tempo e as suas intérpretes actuais mais conhecidas não podiam ser um par mais cúmplice: duas gémeas de Vitória, Maika e Sara Gómez. Nascidas em 1978 e com formação erudita, as Ttukunak abordam o instrumento de forma contemporânea, inovando nos ritmos (há contributos de outros lugares, de África ao Brasil) e apostando sobretudo na improvisação. Um espectáculo de força e elegância, sonoro e visual, a não perder.

Maika Gómez, “txalaparta”
Sara Gómez, “txalaparta”

LULA PENA

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É uma das mais misteriosas cantoras portuguesas, tão intensa quanto tímida, uma diva das profundidades, anti-estrela que brilha como poucas quando se senta em palco com a sua guitarra. Natural de Lisboa, Lula Pena tem tido uma vida artística errante, quase toda feita fora de Portugal. Aos 22 anos, a primeira aventura: foi para Barcelona, experimentar a sorte nos clubes de jazz. E há muito jazz na sua formação. Mas também há pop, fado, música brasileira, cabo-verdiana, música árabe, todas as músicas “soul” do mundo. A sua voz, um prodígio tímbrico, espessa, quente, grave, transforma tudo em que toca, de um dos clássicos mais populares do fado, como “Júlia Florista”, a um inusitado sucesso pop dos anos 80, como “Do You Really Want to Hurt Me”, dos Culture Club de Boy George. Com dois discos gravados, “Phados”, em 1998, e “Profissão de Fé”, em 2002, Lula Pena regressa a Sines na fase de preparação do seu muito antecipado terceiro disco. Dia 24, encontro marcado com uma das mais comoventes vozes da língua portuguesa.

Lula Pena, voz e guitarra


JACKY MOLARD ACOUSTIC QUARTET

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Com 30 anos de carreira, Jacky Molard é uma instituição da música da Bretanha. Alguns dos melhores agrupamentos bretões das últimas décadas (como os Bal Tribal e os Celtic Procession, que tivemos o privilégio de conhecer em Sines) beneficiaram do contributo da sua criatividade. Agora, regressa com o primeiro projecto em nome pessoal, já com um registo gravado em 2007. Embora tenha começado pela guitarra, o seu instrumento preferido foi, desde cedo, o violino, que aprendeu a tocar no modo irlandês. É, precisamente, entre a Irlanda e a Bretanha que se situam as principais referências do seu trabalho, mas todo o universo da música celta e da improvisação são seu objecto de interesse. No Centro de Artes, apresenta-se com o contrabaixo de Hélène Labarrière, os saxofones de Yannick Jory e o acordeão diatónico de Janick Martin para um concerto de música aberta, onde às matrizes estilísticas de eleição se juntam o jazz manouche e elementos balcânicos e orientais. Uma volta à Europa improvisada, num trem acústico entre a baixa e a alta velocidade, para desfrutar no último concerto em Auditório.

Jacky Molard, violino
Hélène Labarrière, contrabaixo
Yannick Jory, saxofones
Janick Martin, acordeão diatónico

TRILOK GURTU BAND

Depois de ter dado aquele que muitos consideraram o melhor concerto do FMM2006, o percussionista indiano Trilok Gurtu regressa para a ocasião especial da abertura da música no Castelo. Eleito cinco vezes o melhor percussionista do mundo pela revista Downbeat, Trilok Gurtu tem sido ao longo da sua carreira um incansável “globetrotter” dos sons, cruzando através do ritmo os mais diferentes universos musicais. Entusiasmado com o sucesso obtido em Sines, volta ao festival para mostrar a nata dos seus melhores discos do séc. XXI: os ritmos mais próximos da tradição indiana de “Remembrance” (2002), as múltiplas mestiçagens de “Broken Rhythms” (2004), o encontro africano de “Farakala” (2006) e a fusão com o lirismo das cordas de “Arkeology” (2006). Acompanha-o uma super-banda composta pelo violinista italiano Carlo Cantini (do Arkè String Quartet), a cantora indo-britânica Reena Bhardwaj (do grupo de Nitin Sawhney), o guitarrista Jan Ozveren (do grupo de Corrine Bailey Rae), o baixista da Reunião Johann Berby e o australiano Phil Drummy (“didgeridoo” e “santoor”). A entrada da música no Castelo não podia ser mais fulgurante.

Trilok Gurtu, percussões
Carlo Cantini, violino
Reena Bhardway, voz
Jan Ozveren, guitarra
Johann Berby, baixo
Phil Drummy, “didgeridoo” e “santoor”

BELLOWHEAD

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O duo folk John Spiers / Jon Boden estava num engarrafamento perto de Londres, em 2004, quando surgiu a ideia de formar a “big band” Bellowhead. Abençoado engarrafamento. Melhor grupo e espectáculo de 2007, na escolha dos Folk Awards da BBC Radio2, a banda está a ser encarada pela crítica, mais do que uma revelação, como uma verdadeira epifania na folk britânica, sendo o seu disco de estreia, “Burlesque” (2006), comparado aos melhores que o género já produziu. Além de Spiers (melodeão) e Boden (voz e violino), integram os Bellowhead nove músicos, que tocam acima de 20 instrumentos, entre os previsíveis (como a guitarra, o violino ou a gaita-de-foles) e os imprevisíveis (como o bouzouki, a tuba e o sousafone). O som é uma surpresa. Com arranjos que remetem para os lugares mais diversos (do cabaret ao Brasil, de África ao jazz), e um acento inusitado nos metais, as velhas canções e danças tradicionais inglesas ganham uma energia e uma riqueza tímbrica e harmónica nunca antes ouvidas. Rebelde, colorida, teatral, a folk dançante dos Bellowhead aquece a noite de quarta-feira.

John Spiers, melodeon
Jon Boden, violino e voz
Benji Kirkpatrick, guitarra, “bouzouki”, bandolim e banjo
Andy Mellon, trompete
Justin Thurgur, trombone
Brendan Kelly, sax
Gideon Juckes, tuba e sousafone
Peter Flood, percussão
Rachael McShane, violoncelo e violino
Paul Sartin, violino e oboé
Giles Lewin, violino e gaitas

OUMOU SANGARÉ

Na primeira vez em que subiu a um palco, aos seis anos, a mãe deu-lhe um conselho: “Oumou, canta como se estivesses em casa, na nossa cozinha”. Hoje, quase a fazer 40 anos, Oumou Sangaré é uma das mais celebradas e internacionais cantoras africanas de sempre, mas continua a cantar com a naturalidade de quem está entre os seus. Originária da região do Wassoulou, no sul do Mali, Oumou teve uma infância difícil na capital, Bamako, cantando em festas de rua para se sustentar e observado o efeito devastador que a poligamia pode ter numa mulher, no caso, a sua mãe. É precisamente “Mulheres” (“Moussolou”) o título do seu primeiro disco a solo, gravado em 1989, um clássico instantâneo da pop africana e um corajoso manifesto pelos direitos das mulheres. Alta e impressionantemente bela, Oumou é autora de uma música onde cruzam os ritmos “Wassoulou” com funk, rhythm n’ blues e afrobeat, pontuadas pela nostalgia de um violino e pelo fumo do seu timbre excepcional. Depois de um período centrado no Mali, voltou às tournées internacionais em 2003 e aos discos com “Oumou”, em 2004. A sua vinda ao FMM concretiza-se em 2007.

Oumou Sangaré Haidara, voz
Souleymane Sidibe, percussões
Sekou Bah, baixo
Hamane Touré, guitarra principal
Brehima Diakite, kamele n’goni
Zoumana Tereta, violino
Aliou Dante, bateria
Cheick Oumar Diabaté, djembé
Amadou Traoré, flauta
Dandio Sidibé, coros

Sata Kouyaté Sissoko, coros

OKI DUB AINU BAND

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Na ilha mais a norte do Japão, Hokkaido, vive um povo antigo, de ascendência mongol, que, à semelhança dos índios da América ou dos aborígenes na Austrália, se bate pela sobrevivência das suas tradições no contexto da cultura nacional dominante. Oki Kano, criado como japonês “puro” até aos 24 anos – quando descobre que o seu pai era dessa origem étnica – está a tornar-se um defensor heterodoxo da cultura dos Ainu, misturando a sua música com dub-reggae, electrónica e música afro-americana. Depois de ter trabalhado como artista de efeitos especiais nos EUA, só em 1992 conhece e aprende a tocar sozinho o “tonkori”, um instrumento Ainu de seis cordas, com um corpo extremamente alongado e uma minúscula abertura para a caixa de ressonância, fonte de um som cheio de reverberações e capacidades rítmicas. Com oito discos gravados desde 1996, Oki vem a Sines para um concerto nocturno de música “trance” verdadeiramente global, entre o acústico e o eléctrico. Dançando junto do palco ou com os pés na areia, acabe a noite com um som – garante a revista “Wire” – “completamente diferente de tudo o que já ouviu”.

Oki, “tonkori”, guitarra e voz
Futoshi Ikabe, “tonkori”, “cho” e dança
Takashi Numazawa, bateria
Taku Nakajyo, baixo

HARRY MANX

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Para quem defende que os blues, mais do que um género, são um estado de espírito, a música de Harry Manx é um bom argumento. Ele toca blues – indiscutivelmente -, mas fá-lo, entre outros instrumentos, com um híbrido de guitarra indiana e “setar”. Nascido na ilha de Man, Harry passou a infância no Canadá. Na década de 70, volta à Europa, onde toca na rua, em bares e em festivais com a sua “slide guitar”. Nos anos 80, ouve um disco do guitarrista Vishwa Mohan Bhatt e torna-se seu aluno, durante cinco anos, na Índia. Em 2000, retorna ao Canadá com a velha “slide guitar” dos anos 70, o banjo e a harmónica, mas também com uma oferta especial do mestre: a Mohan Veena, um instrumento de 20 cordas que combina propriedades da guitarra indiana e da “setar”. Os seis discos gravados em seis anos (o último dos quais, em 2005, “Mantras for Madmen”) são testemunho de uma estética a que já chamaram “Mysticssipi”: a cadência, o sentimento, os temas dos blues, salpicos gospel na interpretação vocal e um manto de texturas rico como o de uma raga indiana.

Harry Manx, guitarra “mohan veena”

CARLOS BICA & TRIO AZUL COM DJ ILL VIBE

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Se Berlim é hoje o que Paris foi noutros tempos, porto de abrigo para os melhores criadores europeus, o contrabaixista português Carlos Bica não podia ter escolhido melhor base para se afirmar como um dos grandes músicos de jazz do continente. Já firme nesse estatuto, Bica carrega entre a Alemanha, Portugal e os palcos do mundo a tocha muito pessoal de um jazz aberto à música erudita, à folk e – bastante – ao rock e à pop, não cruzasse ele no seu percurso formação clássica, experiência na música improvisada e colaborações com músicos populares. Mestiço nos géneros, altamente melódico e apostando no valor do formato canção, o jazz de Carlos Bica chega a Sines através da sua configuração mais bem sucedida, com os americanos Frank Möbus (guitarra) e o Jim Black (bateria e percussões), que teve a sua primeira encarnação no histórico álbum “Azul” (1996), um dos melhores de sempre do jazz português. Apurado por três novos discos que produziu entretanto (o último dos quais, “Believer”, em 2006), “Azul” chega ao Castelo com um quarto elemento – o DJ alemão Ill Vibe – para um concerto com música que se adivinha brilhante.

Carlos Bica, contrabaixo
Frank Möbus, guitarra
Jim Black, bateria e percussões
DJ Ill Vibe, disc-jockey

TARTIT

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Quando uma mulher tuaregue Kel Tamashek gosta de um homem, pede-lhe a mão em casamento. Quando deixa de gostar, divorcia-se dele e organiza uma festa. Um atípico matriarcado na África de influência árabe, a sociedade de onde provêm os Tartit tem uma história de resistência. Dividida por vários países (Argélia, Líbia, Níger, Mali e Burkina Faso) na sequência das independências africanas, revoltou-se em 1963 e 1991 na defesa do meu modo de vida nómada. Da última revolta resultou a fuga para campos de refugiados, num dos quais os Tartit (“união”) nasceram, em 1995. Composto por cinco mulheres e quatro homens originários da região de Timbuktu (Mali), o grupo produz uma música de ritmos circulares e inebriantes: as mulheres cantam em coro, ululam, batem palmas e tocam o tambor “tinde”; os homens tocam “imzad” (violino de uma corda), “tehardent” (espécie de alaúde) e guitarra. Com o terceiro disco acabado de lançar – “Abacabok”, disco africano de 2006 para a revista Rolling Stone -, cantos de amor e desamor, do desejo de voltar a casa, por um dos mais tocantes grupos africanos actuais.

Fadimata Walett Oumar, voz e tambor “tinde”
Walett Oumar Zeinabou, voz e tambor “tinde”
Mama Walett Amoumine, voz e tambor “tinde”
Fadimata W. Mohamedun (Fatma), voz e tambor “tinde”
Tafa Al Hosseini, voz e “imzad”
Amanou, alaúde “tehardent” (3 cordas), vocals
Ag Mohamed Idwal, alaúde “tehardent” (4 cordas)
Mossa Ag Mohamed, voz
Mohamed Issa ag Oumar, guitarra eléctrica principal e voz

MAHMOUD AHMED

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Num prémio em que estava nomeado um gigante como Ali Farka Touré, Mahmoud Ahmed, 66 anos, foi considerado pela BBC o melhor músico africano de 2006. Pouco ainda para reconhecer a estatura deste formidável cantor, representante da música única de um país mais conhecido pelas convulsões políticas e imagens de miséria. Ahmed é um resistente na infeliz história recente da Etiópia. Depois de uma infância pobre, consegue a sua primeira oportunidade numa das bandas oficiais do imperador Hailé Selassié, que tinham o exclusivo da música. Em 1974, no meio da década (paradoxalmente) dourada da música etíope, uma junta militar toma o poder e aperta os limites à sua produção. Mas Ahmed não desiste. Depois de anos na obscuridade, torna-se conhecido no Ocidente depois da reedição europeia do seu clássico dos anos 70, “Erè Mèla Mèla”, em 1986, e, mais tarde, pela colecção “Ethiopiques”, da editora Buda. Mahmoud é o rei da “eskeusta” (“êxtase”), música onde se misturam os ritmos circulares de sabor oriental da tradição aramaica, o pop e o jazz mais aventuroso, e vai dar em Sines um concerto absolutamente imprescindível.

Juhar Mahmoud Ahmed, voz
Hawaz Girum Mezmur, guitarra
Mussa Dagmawi Ali, baixo
Gebru Eyassu Nega, bateria
Mekonnen Gultu Tèfèra, teclados
Aklilu Wolde-Yohannes, sax
Asfaw Yaréd Tèfèra, sax

BITTY MCLEAN & THE HOMEGROWN BAND

Filho de jamaicanos, mas nascido já no Reino Unido, o pequeno Bitty McLean nunca gostou de chuva, e o único consolo que encontrava para os dias tristes de Birmingham era a colecção de música negra dos seus pais. De Bob Marley a Nat King Cole, ouviu de tudo. Hoje, com essa bagagem “soul” e uma suavidade completamente invulgar no género, é uma das melhores vozes de reggae em actividade. Também engenheiro de som e produtor, é como cantor que Bitty tem conseguido os seus maiores sucessos. Ainda na década de 90, entra nos tops britânicos com várias canções reggae-pop, mas é nos últimos anos que, mais virada para as raízes, a sua carreira ganha consistência. Em 2006, voa para a Jamaica para trabalhar com Sly Dunbar e Robbie Shakespeare, os génios do drum n’bass. Infelizmente devido a um acidente de Robbie no final de Junho (fractura na perna e rotura de ligamentos), a dupla não poderá acompanhar Bitty a Sines, ao contrário do anteriormente anunciado, sendo substituída nessa função pela banda francesa The Homegrown Band. Mas mesmo sem os imperadores do reggae, a noite de 26 de Julho na praia não não vai deixar de cumprir a promessa: será, não temos dúvidas, uma das mais tórridas do festival.

Bitty McLean, voz principal
Winston Carl Nembhard, teclados
Mark Overton, saxofone
John Johnson, trombone

Stepper (Guillaume Briard), saxofone
Bost (Jeremie Dessus), bateria
Bim (Thomas Join Lambert), guitarra
Daniel Moustin, baixo

ARONAS

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Ainda adolescente gravou o seu primeiro disco de jazz. Em 2003, ganhou o prémio australiano para melhor jovem músico do ano. Em 2005, o jornal inglês Observer declarou: “este é, potencialmente, um dos melhores pianistas do jazz”. Com 26 anos, Aron Ottignon, nascido na Nova Zelândia, com quase uma década de vida na Austrália e actualmente radicado no Reino Unido, sobreviveu à síndrome do menino-prodígio e tornou-se num dos grandes músicos do jazz contemporâneo. E não podia ser mais dos nossos tempos a música que faz no seio do grupo Aronas. Nesta digressão, com o baixista eslovaco Jozef Secnik e os bateristas Alexis Nunez-Carcamo e Samuel Dubois, Aron Ottignon é o líder de um projecto de jazz desafiante onde se mistura atitude punk e influências, entre muitas outras, dos ritmos nativos das ilhas do Pacífico. Já com um disco gravado (“Culture Tunnels”, 2005), Aron e o seu grupo de secção rítmica reforçada dão, ao final de tarde de dia 27 de Julho, na Avenida da Praia, um concerto que os amantes da música imprevisível não vão querer perder.

Aron Ottignon, piano
Jozef Secnik, baixo
Alexis Nunez-Carcamo, bateria
Samuel Dubois, bateria

HAMILTON DE HOLANDA QUINTETO

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Com pouco mais de 30 anos, Hamilton de Holanda tem um quarto de século de bandolim nos dedos e os elogios mais rasgados dos mestres da música brasileira. Se Hermeto Pascoal lhe chama “o maior bandolinista do mundo”, se a crítica francesa o coroa “Príncipe do Bandolim”, se artistas de todo o mundo pedem a sua colaboração, só pode ser porque estamos perante um músico fora do comum. Criado numa família musical, Hamilton teve como principal influência o pai, violonista de “choro” (estilo paradoxalmente muito rápido e virtuoso), que começa a ensinar-lhe bandolim aos seis anos, ao mesmo tempo que promove a sua educação em violino. Entre a academia e as rodas de choro, Hamilton cresce e torna o seu bandolim de 10 cordas (acrescentou-lhe duas) no mais forte e rico de sempre. Animal de palco, toca de forma vertiginosa um repertório de música popular, erudita e jazz. Com Daniel Santiago (violão), André Vasconcellos (baixo) Gabriel Grossi (harmónica) e Márcio Bahia (bateria), companheiros em “Brasilianos” (2006), vem a Sines para um concerto fundamental.

Hamilton de Holanda, bandolim
Daniel Santiago, violão
André Vasconcellos, baixo
Gabriel Grossi, harmónica
Márcio Bahia, bateria

WORLD SAXOPHONE QUARTET “POLITICAL BLUES”

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Aos 30 anos, o mais famoso quarteto de saxofones do mundo está cheio de energia para lutar por um mundo e por um jazz melhores. Depois da presença no FMM em 2001, o WSQ regressa a Sines com o recém-lançado (e entusiasticamente recebido) “Political Blues”, um manifesto demolidor contra o clima político americano. Nem uma palavra de revolta é poupada na denúncia das ambiguidades da guerra contra ao terrorismo, das diferenças raciais evidenciadas pelo furacão Katrina e, a outro nível, do neo-conservadorismo que entendem estar a assolar o próprio jazz como forma de arte. “Negro, americano e zangado” (AllAboutJazz), um projecto de jazz com arestas interpretado pelos três membros originais do quarteto (Oliver Lake, no alto, David Murray, no tenor e baixo clarinete, e Bluiett, no barítono), o saxofonista Tony Kofi e convidados escolhidos entre a elite do género. Condimentado de blues e muito funk, “free” jazz com o milagre a que Murray nos tem habituado: no palco, os saxes cruzam linhas melódicas dissonantes; na plateia, o público dança.

David Murray, sax tenor
Oliver Lake, sax alto
Hamiet Bluiett, sax barítono
Tony Kofi, sax alto
Hervé Samb, guitarra
Calvin Weston, bateria
Jamalaadeen Tacuma, baixo

RACHID TAHA

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Devedora do mesmo tipo de patriotismo ingénuo, a canção “Douce France”, de Charles Trenet, é o equivalente francês da “Casa Portuguesa”. Quando, em 1986, um artista de origem magrebina a grava com instrumentação árabe e uma raiva punk na voz, a França não sabe como reagir. Rachid Taha tinha chegado, e com ele a voz de uma nova geração de músicos de origem árabe que cruza as músicas e critica as hipocrisias das duas margens do Mediterrâneo. Natural da Argélia, Rachid emigrou para França aos 10 anos. Formando o seu gosto a ouvir os ritmos do seu país, mas também as grandes figuras do rock, começa a carreira como DJ num pequeno clube de Lyon. Em 1982, funda os Carte de Séjour, grupo que já conciliava as raízes árabes e uma atitude rebelde típica do punk. Nos anos 90, inicia a sua carreira a solo e, com a colaboração do inglês Steve Hillage, cria um som de fusão com forte componente de dança. Hoje, já com oito discos editados – o último dos quais “Diwan 2” (2006), inspirado em clássicos da música argelina -, este punk-rocker árabe de 49 anos, showman de voz profunda e corpo franzino, tem tudo para ser uma das figuras do FMM2007.

Rachid Taha, voz
Guillaume Rossel, bateria
Yves Aquizerate, teclas
Stéphane Bertin, guitarras
Christian Banet, baixo
Hakim Hamadouche, oud
Rachid Belgacem, percussões

LA ETRURIA CRIMINALE BANDA

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Era uma vez uma banda de 15 músicos que tinham cometido um crime, o mais venial dos pecados de um artista: pegaram no que existia, subverteram-no e foram mais além. Sexta, ao fim da noite, uma abordagem experimentalista e surreal à música tradicional italiana. Com parte dos membros originários da região da Etrúria, a Criminale Banda, sedeada em Roma, foi uma iniciativa de Giovanni e Nando di Cosimo. O primeiro, director artístico, tem formação clássica e nome feito no jazz e na música contemporânea; o segundo é especialista em música popular. O projecto – para o qual foram convidados alguns dos melhores músicos italianos nas três áreas – era, através de uma esmagadora secção de metais (flauta, sax, trompetes, tubas), vozes cavernosas, guitarras, percussões, criar uma música de fusão onde se cruzasse, sem chocar, tarantelas, música de circo, tangos, ska ou swing. E foi isso que aconteceu, numa atmosfera de ironia, diversão e amor pela música como reino da pura liberdade. Com um disco homónimo editado em 2005 e várias bandas sonoras no currículo, a ECB é uma aposta especial do FMM2007.

Giovanni di Cosimo, director artístico, arranjador e fliscorne
Nando di Cosimo, voz e trompete
Edu Nofri (Il Falisco), guitarra e canto diafónico
Marco Fagioli (Il Grande Etrusco), tuba
Marco Ariano, percussão
Antonio Jasevoli, guitarra
Marco Conti, sax tenor
Stefano Arduini, sax alto
Claudio Zenobio, trompete
Giancarlo Romani, trompete
Giuseppe Rosa, trombone
Mauro Gavini, baixo
Stefano Baldasseroni, bateria
David Barittoni, gritos, uivos e outras vozes
Knuf, sons e ritmos digitais

NORKST

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A harmonia e o contraponto são a grande riqueza distintiva da música europeia. Mas a sua hegemonia também teve efeitos perversos. A tendência, depois dos anos 50, de forçar a música bretã às estruturas da música tonal ocultou as suas raízes modais. Em 2004, o cantor Erik Marchand fundou uma academia (a Kreiz Breizh Akademi), com o objectivo de desenvolver uma orquestra que trabalhasse a música modal da Baixa Bretanha. A música modal (ainda muito presente no canto tradicional bretão) distingue-se da clássica pelo uso de notas, como os quartos de tom, normalmente associados à música oriental e da África do Norte. Saída da academia, Norkst (“a orquestra”) junta 16 jovens músicos que, durante um ano, receberam uma aprendizagem intensiva com mestres bretões e das mais variadas partes do mundo modal, adaptando os seus instrumentos a esta forma de fazer música. O resultado está gravado em “Kreiz Breizh Akademi” (2006), disco que, sendo profundamente bretão, recupera velhas afinidades com as músicas do Oriente e dos Balcãs.

Simone Alves, canto
Hoëla Barbedette, harpa modal
Yves Chapalain, “biniou” e saxofones
Yann Gourvil, violino e guitarra “frettage saz”
Jean Le Floc’h, acordeão hiper-cromático a quartos de tom
Grégoire Hennebelle, violino e violino tenor
Guillaume Le Guern, clarinetes
Christophe Le Menn, canto e percussões
Glenn Le Merdy, percussões
Eric Menneteau, canto
Anne-Marie Nicol, bombardas
Youen Paranthoën, acordeão diatónico modal
Delphine Quenderff, contrabaixo
Yvon Rouzic, guitarra “cümbüs”
Yann Simon, flautas transversais
Nicolas Syz, clarinete

ERIKA STUCKY & ROOTS OF COMMUNICATION

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No final dos anos 60, a menina Erika passava os dias com os pais hippies, no parque da ponte Golden Gate, São Francisco, a fazer piqueniques ao som de rock psicadélico. A entrada na idade adulta coincide com o regresso à Suíça. O cenário muda: são os prados e as neves dos Alpes; ouve-se “yodel”, dança-se polkas. Compreender estes dois pólos da sua biografia, é começar a compreender Erika Stucky. Vocalista com formação em jazz e acordeonista, chega a Sines acompanhada dos Roots of Communication (Robert Morgenthaler, Jean-Jacques Pedretti e Peter Horisberger), donos de instrumentos como a enorme trompa dos Alpes, a bateria e o trombone. Comparada a Laurie Anderson e Meredith Monk, Erika canta em inglês e alemão suíço composições próprias e versões de artistas contrastantes (Led Zeppelin, Doris Day, Jimmi Hendrix, Procol Harum…). Uma mistura de pop, jazz vanguardista e muito “yodel”, servida por uma cantora cheia de recursos, humor refinado e grande sentido do espectáculo, para uma das mais fortes candidaturas a revelação do festival. “Divertimento a sério”, promete a Rolling Stone.

Erika Stucky, voz e acordeão
Robert Morgenthaler, trompa dos Alpes e outros sopros
Jean-Jacques Pedretti, trompa dos Alpes e outros sopros
Peter Horisberger, bateria e percussões

K’NAAN

Depois de um dos concertos mais elogiados do FMM2006, o “filósofo dos pés descalços” volta para marcar a entrada decisiva do “hip hop” no coração histórico do festival, o Castelo. Será um concerto para quebrar barreiras e destruir preconceitos pelo músico que a BBC Radio 3 consagrou recentemente como melhor novo artista na área da “world music”. Aos 29 anos, K’Naan tem uma carreira curta (editou apenas um disco, “The Dustyfoot Philosopher”, em 2005), mas a sua vida não podia ser mais cheia. Cresceu na Somália devastada pelos bandos armados (o lugar onde morava chamava-se “Rio de Sangue”) e, mais tarde, no Harlem, um dos bairros mais duros de Nova Iorque. Hoje radicado no Canadá, K’Naan é especialmente crítico do modo leviano como muitos “rappers” tratam a violência. K’Naan é um rebelde, as suas letras chamam os “bois pelos nomes”, mas a sua atitude perante o lado mais sombrio da vida é “antes acender uma vela do que praguejar contra a escuridão”. Poesia de protesto consequente, sobre “hip hop” orgânico, com marcas dos ritmos e timbres tradicionais, para escutar, sábado, no Castelo.

K’naan, voz
Regozo Kierscey, guitarra
Jackson Usen Eno, djembé
Hassan Abdi Razak Adan, coros

GOGOL BORDELLO

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Depois do desastre de Chernobyl, Eugene Hütz viaja durante sete anos pela Europa para fugir à radioactividade. Essas viagens dão-lhe um conhecimento profundo da música e da opressão do povo cigano. A ideia de inseminar a música Rom com a vibração punk começa no Velho Continente, mas é em Nova Iorque, para onde emigra nos anos 90, que se consuma em definitivo. Aí, em 1999, junta-se a dois russos no violino e acordeão, duas vozes / percussionistas de ascendência asiática, um guitarrista e um baixista israelitas e um baterista americano, para formar uma banda que passa depressa da animação de casamentos para os melhores clubes da Big Apple. “Frontman” imparável, Hütz inventa uma música de protesto com referências ciganas, punk e dub-reggae, mas também laivos de metal, cabaret e klezmer. Melhor grupo das Américas nos últimos prémios da BBC Radio 3, os Gogol já têm três discos (o último e, talvez, melhor, é “Gypsy Punks Underdog World Strike”, de 2005), mas não há como vê-los ao vivo. Com um novo disco em fase de lançamento exactamente quando vêm a Sines, a fechar o FMM no Castelo, com fogo-de-artifício, Sines terá esse privilégio.


Evgeny Nikolaev (Hütz), voz e guitarra
Oren Kaplan, guitarra
Yury Lemeshev, acordeão
Sergey Ryabtsev, violino
Eliot Ferguson, bateria
Pamela Racine, dança e percussão
Elisabeth Sun, dança e percussão
Thomas Gobena, baixo

SR. COCONUT AND HIS ORCHESTA FEAT. ARGENIS BRITO

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Se a música se reduzisse a “conceitos”, esta seria a mais estranha do mundo: clássicos da pop electrónica alemã e japonesa tocados com arranjos latinos? Ok. É mesmo uma das mais exóticas combinações jamais inventadas, mas o resultado é tão divertido e musicalmente à prova de bala que ouvir Señor Coconut é uma experiência irresistível. Tudo começou nos anos 90, quando Uwe Schmidt, produtor e DJ alemão cansado da Europa decide mudar-se para o Chile e explorar a música latina. Depois de “El Gran Baile” (1997), é em 2000, com “El Baile Alemán”, que consegue o seu primeiro grande sucesso: as melodias robóticas dos ídolos da electrónica alemã dos anos 70, os Kraftwerk, transformadas por ritmos de salsa, cumbia e merengue. Em 2006 volta em força com “Yellow Fever”, onde a pop electrónica japonesa da Yellow Magic Orchestra, surge sob a forma de mambos, boleros e cha-cha-chas, nas vozes e instrumentos de uma banda de grandes músicos de jazz latino. Com o cantor venezuelano Argenis Brito, vibrante música alquímica, para entrar, pela noite dentro, nas últimas horas do festival.

Atom tm (Uwe Schmidt), electrónica
Argenis Brito, voz
Norbert Kraemer, vibrafone
Carsten Skov, marimba
Assi Roar, baixo
Peter Kibsgaard, percussão
Thomas Hass, saxofone
Detlef Landeck, trombone
Urban Beyer, trompete

Textos da responsabilidade da organização do FMM de Sines

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14 Comments

  1. Olá,

    Isso é que é olho clínico, David. É de facto uma pena não haver mais músicos portugueses no castelo. Mas o programa é um senhor programa. Com grandes estrelas e boas (novas) propostas para conhecer.

  2. Bom dia Artur, só falta mesmo o Accordion Tribe. É uma pena que ainda não tenham pisado um palco português. Belos tempos aqueles em que a Maria Kalaniemi ia ao Cantigas do Maio (ando um saudosista do caraças, é verdade). Talvez por estarmos a 10 dias de voltarmos à Fábrica Mundet (onde se realiza o Portugal a Rufar)…

  3. a tradição já não é o que era… também de início o fmm durava 3 dias e agora prolonga-se por 9. havia 1 palco e agora são 4. de qualquer forma este ano temos vários concertos tugas, ou quase, o que é bem bom!!!

  4. Olá António e Carlos,

    Já recuperaram da noite de ontem?

    Muito ar em movimento mas com energias muito distintas. Deixo o efeito “tsumami” do kimmo para vocês. Prefiro a suave instabilidade do tempo britânico (ora chuva, ora sol, ora sombra, ora claridade) espelhada na música dos accordion tribe.

    Quanto aos “tugas” ou aparentados, venha lá o Gama e o Vasconcelos no próximo ano…

  5. Olá Luis. Não está mal, de facto. Mas, e os Bellowhead…? ainda não foi desta? Ja vi os Norkst num grande concerto…de resto, vai ser optimo porque se me apresentam uma série de novidades ao vivo. Abraço

  6. Olá Hugo,

    Se reparares bem, tens os Bellowhead no castelo a 25 de Julho. Atenção também à Etruria Criminale banda de Itália. Acho que também vais gostar do Jacky Molard (já que gostas de Norkst).

    Aí para os teus lados, recomendo vivamente o sírio residente em Inglaterra (e marido da Natacha Atlas, acho) Abdulah Chhadeh. Nas festas do Almonda em Torres Novas.

    grande abraço

    lr

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