Reportagens

Festival Med [dia #3] UXU KALHUS, AKLI D, TINARIWEN, TARAF DE HAÏDOUKS

UXU KALHUS | Festival MED | Palco do Castelo | dia 29 de Junho | Espaço bem composto
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Ainda sou do tempo que um baile dos UXU KALHUS era um acontecimento de arromba entre a comunidade de adeptos das danças tradicionais. Ainda sou do tempo em que, no seio da banda, para além de um baterista ainda havia mais dois notáveis percussionistas (HUGO MENEZES e NUNO PATRÍCIO). De há uns tempos para cá, a banda foi perdendo elementos e, para além de não poder contar a criatividade e espontaneidade de MR. WINGA, que os tornava tão próximos de África, do Brasil ou do sub-continente indiano, também já não usufrui da versatilidade do multi-instrumentista VASCO RIBEIRO CASAIS. A acrescentar a tudo isto, de registar ainda a ausência das flautas de PAULO PEREIRA neste espectáculo do palco do Castelo. Por muito boa vontade que a bela, corajosa e incansável CELINA DA PIEDADE tenha de resistir estoicamente ao momento difícil por que a banda passa actualmente, por muito gozo que dê vê-la cantar “Erva Cidreira”, “Regadinho” e outras modas recuperadas de forma feliz ao universo dos ranchos folclóricos, é difícil não reparar que a amplitude musical da banda foi substancialmente reduzida. Apesar de a recente aquisição na guitarra ter dado mais pujança aos UXU KALHUS, isso não chega. Nunca nos fará esquecer quer a nickelharpa, quer o bouzouki do VASCO. Instrumentos tocados ora de forma acústica, ora a roçar o noise rock (quando electrificados). E os UXU KALHUS sempre foram muito mais do que uma redutora banda trad-funk-power-metal. E é muito importante que voltem a ser aquilo que foram há dois ou três anos atrás.

AKLI D | Festival MED | Palco da Cerca | dia 29 de Junho | Espaço bem composto
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Numa noite pautada pelos nómadas rebeldes do deserto do Sara, o berbére AKLI D veio à Cerca mostrar repertório do álbum “Ma Yela” que mereceu a produção de MANU CHAO. Envergando um banjo (qual PETE SEEGER do deserto), em vez de um alaúde ou de uma guitarra, o músico que nasceu em solo ocupado pelos argelinos exilou-se em Paris para não ter um fim semelhante ao de LOUNES MATOUB (expoente máximo da música kabylie que padeceu nas mãos das autoridades locais, tendo-se tornado um verdadeiro mártir para todos os berberes que celebram o aniversário da sua morte através do confronto). AKLI D, activista dos direitos humanos, é a voz dos rebeldes que vivem no deserto, das mulheres segregadas pela honra dos homens, dos imigrantes que tentam legalizar-se em solo europeu, das crianças órfãs da Tchetchénia. A sua veia trovadora é elegantemente envolta num combo rítmico que tanto vai às expressões locais do norte de África como a música kaybilie, raï e gnaoua, como extravasa para o reggae, o ska e um certo flamenco e jazz manouche. Só que excelentes momentos como “C Facile” foram raros e a actuação de AKLI D, algo lenta, arrastada, padeceu da dinâmica festiva e dançável que o mais recente disco exibe em muitas das canções.

TINARIWEN | Festival MED | Palco da Matriz | dia 29 de Junho | Espaço muito bem composto
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Num mundo cada vez mais intolerante, há quem exorcize os seus demónios erguendo muros sonoros consistentes de alta tensão provenientes da electricidade abrasiva, sónica e ‘aluesada’ das três guitarras eléctricas. A resistente ‘vedação’ destes tuaregues malianos, representada esteticamente por uma série de amplificadores velhinhos e prateados (tipo Fender) que se encontravam (estrategicamente?) alinhados atrás da banda (a não dar espaço para que os elementos se esgueirassem para o ‘backstage’ e tivessem necessariamente de estar em contacto com o assistência), promove a proximidade entre o público e este bando de ‘rockers’ do deserto. Apesar de IBRAHIM (aquele que se parece mais com JIMI HENDRIX) ser o menos comunicativo, talvez por ter sentido na pele as palavras que canta (por exemplo, aquelas que descreve o massacre que os tuaregues malianos sofreram em 1963 às mãos Modibo Keita), todos os elementos dos TINARIWEN são extremamente expansivos e comunicativos. Apesar de muitos deles usarem turbante a cobrir grande parte do rosto, sabemos que têm um largo sorriso e que estão a divertir-se ainda mais do que o próprio público.

A poderosíssima sonoridade eléctrica feita de três camadas que se sobrepõem umas às outras (uma mais rítmica, outra mais suja, noise, abrasiva, uma outra mais vincada nos blues do rio níger) lança um tapete vistoso para que o ritmo do djembe e as palmas cadenciadas promovam a elevação do espírito a um outro estado (sem recurso a estupefacientes) através de ondas hipnóticas, de transe, que se movimentam em espiral, como a força da terra em direcção ao céu. Os TINARIWEN apresentaram no palco da Matriz o melhor rock’n’roll do universo (segundo palavras do camarada Pires) sem tiques de vedetas mimadas e lavaram-nos a alma com a água sagrada dos raros poços do Sara. Abençoados sejam.

TARAF DE HAÏDOUKS | Festival MED | Palco da Cerca | dia 29 de Junho | Espaço bem composto
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Há uns dez anos atrás, Luciana Fina andou por Faro e outras zonas do país a filmar todos os passos que os TARAF DE HAÏDOUKS deram em solo português. Nessa altura, o Teatro Lethes recebeu-os na sua melhor forma. Em cima e fora do palco (nas ruas, em bares, etc) esta troupe de ciganos romenos parecia que movida por uma bateria inesgotável. De manhã à noite, sempre a tocar.

Desde os álbuns “Musique des Tziganes de Roumanie” e “Hounorable Brighands, Magic Horses and Evil Eye” até ao mais recente “Band of Gypsies”, sempre considerei os TARAF DE HAÏDOUKS como uma das mais interessantes bandas de leste, pela expressividade de alguns dos seus vocalistas e violinistas que entretanto já faleceram, pela forma selvagem com que atacam muitos dos instrumentos (flautas, violinos, contra-baixo), pela qualidade técnica e virtuosa do tocador de cimbalom (que ainda hoje se mantém). Só que, os anos passam, os disciplinadores padecem e certo tipo de vícios acumulados ofusca todo o tipo de qualidades anteriormente exibidas. Tanto no Med, como no ano passado no Avante, em que me desinteressei do concerto ao fim da segunda ou terceira música porque o som estava, de facto, paupérrimo. Quem pôde assistir ao ‘soundcheck’, facilmente percebeu porque é que os concertos da Taraf deixam muito a desejar em termos sonoros, mesmo que se realizem em salas como a Barbican de Londres. A essa hora, já o líquido etílico havia desaparecido há muito dos camarins. Há músicos que se recusam a receber ordens de mulheres que controlam o som. Quando vão para testar cada instrumento… desaparecem. Quando o técnico coloca o microfone no sítio certo para captar o melhor som determinado instrumento, eles retiram-no desse sítio e colocam-no aonde querem. Enfim. Quando o espectáculo começa, ouvem-se estalidos frequentes vindos dos micros dos violinos. São omnipresentes os ‘feedbacks’. As vozes, ora mal se escutam (do mais novo), ora ecoam com toda a pujança (quando o mais barrigudo ataca o microfone do outro vocalista de voz mais contida). Se os problemas técnicos foram uma dor de cabeça para a maioria da assistência, o repertório da Taraf também se revelou algo inconstante, sobretudo quando tocaram temas clássicos do álbum acabado de editar, “Maskarada”. Perto do final, com “Kalashnikov”, fizeram ‘levantar a poeira’ entre aqueles que se encontravam lá à frente. Pouco tempo depois, os músicos e o agente com verdadeiro ar de regozijo agradecem com os polegares levantados o carinho da (pouca) assistência pensando que tinham dado um grande concerto. Foram redondamente enganados.

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2 Comments

  1. Se é verdade, é lamentável. Penso que isso se deve à falta do agente tradicional (Michel Winter) que há muito tempo não acompanha a banda em digressões. Tornaram-se uma “banda cigana” em auto-gestão e tudo pode, agora, acontecer: inclusive, darem concertos memoráveis.

  2. Olá Rui. E o que aqui contei foi muito pouco. Conheces aquela música da Naifa? “Señoritas”? Além disso, não queria mesmo ser dono do restaurante onde eles almoçaram nem do hotel onde eles ficaram …

    O agente actual deles é o Stephane e pouco depois das 10h da manhã estava tão “sóbrio” como a maior parte deles…

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