Ali Farka Touré [1939 – 2006]
O Génio do Rio
“Perdemos um monumento”. Foi com esta manifestação de pesar que o Ministro da Cultura do Mali comunicou, no dia 7 de Março, o falecimento de Ali FarkaTouré. Tinha 67 anos. Na nossa memória ficará registado, não só, o genial músico que era, mas sobretudo o homem extremamente generoso e sorridente que melhorou a dia-a-dia de todos aqueles que o rodeavam.
Foi um dos primeiros músicos africanos a pisar palcos europeus. Cedo (em 1990) compreendeu que as sucessivas digressões mundiais lhe roubavam a telúrica ligação que tinha com o rio Níger, com os hipopótamos que circundam as suas margens, com a terra de Niafunké e com os seus habitantes. Anunciou várias vezes a retirada dos palcos internacionais, com um único fim: a dedicação total à vida de agricultor e de chefe de família (com duas mulheres e doze filhos para alimentar). Mas, como as águas de um rio que vão e vêm, lá voltava (mais comedidamente) aos palcos do “mundo civilizado”. Sortudos dos portugueses que o viram em grande plano, num duelo mágico de cordas com o “deus da kora” (como ele próprio lhe chamava), Toumani Diabaté. A 22 de Julho de 2005, deu o seu penúltimo grande concerto internacional de uma mini-digressão de seis espectáculos que terminaria em Nice. Poucos dias depois, ainda em França, tentou fazer um último tratamento. Sem sucesso. O seu estado de saúde era irreversível. Ali, derrotado por uma doença cancerígena nos ossos, venceu dois dos maiores flagelos de África: a seca e a fome. Só não conseguiu tornar Niafunké tão verdejante, à semelhança da Suiça, como ambicionava.
O agricultor
Quem teve a oportunidade de assistir à única entrevista que Ali Farka Touré concedeu a um jornalista português (Ana Sousa Dias, em “Por Outro Lado”), por alturas do mítico concerto do Keil do Amaral, cedo reparou na forma entusiasta, quase religiosa, com que o músico-agricultor falava da variedade de alimentos que colhia, dos animais que criava, dos peixes que pescava, da estação das chuvas, do rio Níger e de como era importante que o seu caudal enchesse.
Manifestou-se incomodado com a situação de seca em Portugal vivida, praticamente, durante todo o ano de 2005. Elogiou a capacidade da mão-de-obra dos portugueses na agricultura, na pesca e na indústria. Não se referiu, porém, à nossa música nem aos nossos músicos. Não faz mal. Em sessenta minutos, Ali Farka Touré deu-nos uma excepcional lição de vida, contrariando os dados estatísticos (apresentados pela jornalista) que fazem do Mali o quarto país mais pobre do mundo. “Se tivermos água, temos tudo”, disse Ali. Para ele, o dinheiro por si só, não serve para nada. “Quando o chapéu voa, a cabeça fica”, dizia o “tigre do norte” num dos seus famosos provérbios referindo-se ao vil metal que facilmente desaparece. Para ele, “o pobre é aquele que está completamente impotente, não pode fazer nada por si próprio e tudo tem de vir dos outros”. Não havendo fome, havendo saúde e capacidade de agir, não poderá haver pobreza.
Deborah Cohen, agente de Ali Farka Touré nos seus últimos dez anos de vida e visitante habitual de Niafunké, refere num português perfeito (com sotaque brasileiro) que todo o sistema de irrigação agrícola implementado por Ali e tudo aquilo que ele colhia da terra, representavam “o seu maior orgulho”. Mais do que a música.
[excerto de um artigo a publicar em breve numa nova revista dedicada em exclusivo às músicas do mundo: “W”]
Grande grande Senhor!
Quando é que pensam arrancar com o novo crónicas da terra? Continuo a aguardar por novidades.
Abraço
é mesmo triste. o tipo esteve sempre lá, no panorama musical mundial, era incontornável.
e aquela decisão de voltar a Niafunké porque a musica privilegia só alguns mas a agricultura dá de comer a muitos é excepcional.
o mundo precisava de mais tipos como ele.