Entrevistas

[entrevista NICK GOLD] “Buena Vista” para o negócio dos discos II

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NICK GOLD com RÚBEN GONZÁLEZ | (c) Christina Jaspars

[2ª parte]

Muitos dos artistas que mais discos venderam por infelicidade já faleceram. Há também músicos em idade avançada. Não será necessário pensar numa certa renovação do catálogo da World Circuit?

De momento estou no meio de quatro projectos e com músicos que não estão em idade assim tão avançada. Acabámos de gravar um disco a solo de TOUMANI DIABATÉ só com kora. Penso que é um disco extraodinário. Tenho-o ouvido vezes sem conta. Cheio de “groove”, de belas melodias e de improvisos. TOUMANI não é assim tão velho. Estou também a trabalhar num novo disco da OUMOU SANGARÉ. Terminou ontem [dia 5 de Dezembro de 2006] as gravações e estou à espera de as receber. Ela tem estado a trabalhar com instrumentos mais tradicionais. Grandes balafons bambara a fazer de “sub bass” e com mais n’gonis a fazer de baixo. Tem feito um esforço por inovar. Vamos começar a gravar no final de Janeiro um novo disco da ORCHESTRA BAOBAB com novas composições, pela primeira vez, em 20 anos. Estamos também a gravar um novo disco com a DIMI MINT ABBA da Mauritânia com quem trabalhámos há muito tempo. Há agora muito material novo. No ano passado perdemos o ANGA DIAZ e foi terrível. Ele estava com num novo projecto inovador ao nível da percussão. Tínhamos imensa curiosidade para ver o que ele iria fazer a seguir. Tenho ainda estado a falar com novos artistas mas não há nada em concreto, para já. Não ando à procura de algo novo. Os músicos com quem trabalho recomendam outros músicos. Sabemos que algo virá.

Tanto AFEL BOCOUM como VIEUX FARKA TOURÉ são os músicos que actualmente carregam o legado de ALI FARKA TOURÉ. Como é que vê o facto de não ter editado os discos que saÍram há pouco tempo de um e de outro artista. Afinal, são músicos que já trabalharam consigo.

Houve um pequeno desentendimento com o AFEL. Ele enviou-nos demos eu ouvi-as e fui dizendo para modificar aqui e ali algumas coisas. Ele voltou a enviar-me novas demos e eu acabei por não as receber. Nessa altura andava a viajar muito e houve falhas na comunicação e ele pensou que eu talvez não estivesse interessado. Começou a trabalhar com o Michel [da editora belga Contre Jour] que é óptimo. Tem feito muito bom trabalho. Com o VIEUX foi muito diferente. Quando olho para a música dele penso que nunca irá haver outro ALI. A música dele é diferente e ele precisa de ser visto como uma individualidade. Tem de ser ele próprio. Temos trabalhado com o VIEUX ao nível do publishing. O próprio pai considerava que ele tinha de seguir o seu próprio pé e que precisava de encontrar algo para ele. Ele também pensava que ao trabalhar connosco pudesse ficar rotulado como o “next” ALI.

Apenas coloquei esta questão porque o VIEUX participou em “Savane” e o ALI FARKA TOURÉ também participou nas gravações do disco do seu filho.

Claro que haverá sempre uma ligação. Ele era seu pai, vivia com ele e exerceu uma grande influência sobre ele. Mas há também muitas editoras no mercado. Quem está a trabalhar com o VIEUX é uma editora de um rapaz novo americano. A esse nível, é fantástico encorajá-los. Se este disco for um sucesso terei imensa curiosidade em saber o que vão fazer a seguir. Há muitos projectos a decorrer. Na World Circuit, em termos logísiticos, só podemos editar quatro a cinco discos por ano. Se começarmos a gravar mais discos a qualidade será menor.

Penso que tem ainda em mãos a edição de um outro disco do ALI FARKA TOURÉ e do TOUMANI DIABATÉ gravado também com o cubano CACHAÍTO LOPEZ.

Depois de termos feito o “Heart of The Moon” pensámos que isto era o início. Que poderíamos fazer muito mais. O ALI encontrava-se em digressão e tinha uns dias livres. O TOUMANI estava com ele e pensámos em aproveitar esse tempo para entrar em estúdio. Chamámos o CACHAITO que viajou de Havana até Londres e os três tiveram em estúdio durante dois a três dias. Este disco é muito diferente do “Heart of The Moon” em que muito do reportório é mandinga. Neste há mais repertório sonrai e peul. Há também música mandinga que o ALI trouxe da Guiné e não tanto do legado do TOUMANI. O ALI tocou uma canção que aprendeu com o guineense KEITA FODEBA e o TOUMANII e o CACHAITO juntaram-se de imediato. Há mais temas cantados. O ALI cantou nessa canção. Porque o CACHAITO ali estava, o ALI também cantou uma canção cubana que costumava cantar nos anos 60. A mÚsica cubana sempre foi muito popular no Mali. Ele cantava-a na língua sonrai. É uma espécie de salsa-sonrai e isso fez com que experimentassem também a rumba zairense. Há mais variedade de estilos e há mais experimentação. Há também outro material mais minimalista e atmosférico e menos melódico. O TOUMANI também toca de outra forma. É um disco mais reflexivo.

Quando é que pretende lançar esse disco?

Bom. É muito difícil dizer. Tenho uma série de discos para lançar. O disco a solo do TOUMANI já está pronto. Há medida que iam gravando o disco Íamos conversando e o ALI dizia-nos que queria coros numa ou noutra canção. Havia também um tema mais lento que sugeri que se gravasse uma marimba. Há “overdubs”. Mas não sei ainda como será a edição. Vamos talvez editar em formato duplo. Um puro, só com guitarra, kora e baixo e o outro com todos os”overdubs” incluídos. Algumas canções podem ainda levar uma orquestra. É um disco que ainda não está completo. Queria editar já o disco a solo do TOUMANI mas ainda estamos a trabaLhar de forma árdua com o projecto da SYMMETRIC ORCHESTRA. Ele levou cerca de 15 ou 16 anos a construir este projecto. É fantástico. Penso que precisa ainda de mais exposição. Se editarmos já o disco a solo, as pessoas perdem o interesse na orquestra. Provavelmente vamos lançar este disco lá para Setembro, Outubro porque a SYMMETRIC ORCHESTRA irá tocar muito durante o Verão.

Irá continuar a ir a África ou a Cuba gravar novos discos? Penso que, da forma como as coisas estão na obtenção de vistos, acaba por se tornar mais fácil ir ao local onde os vivem os músicos para se gravarem os discos.

É verdade. No verão queríamos trazer a Londres a DIMMI MINT ABBA e os seus músicos (eram sete ao todo) para gravar parte do novo disco. Tínhamos imensos planos para a levar também aos Proms, à BBC 3, ao Womad. DIMI é uma estrela na Mauritânia. Uma cantora clássica e o governo britânico não concedeu visas a alguns dos músicos. Tínhamos visas para três mas recusaram dar aos restantes quatro sob o pretexto de não terem a sua própria conta bancária na Mauritânia. Há imensa gente que não tem conta bancária na Mauritânia. É embaraçoso estar a convidar uma pessoa para vir ao nosso país e o governo negar a sua entrada. Mas ela veio e deu os espectáculos com os dois músicos que também vieram, mas não conseguimos acabar o disco. Tem razão. Por causa dos problemas de imigração temos definitivamente de ir à Mauritânia terminar as gravações. Há a desvantagem de no local, por vezes, não termos a sala certa para gravar. Mas há a grande vantagem de termos fácil acesso a músicos. Quando estava a gravar com o ALI no Mali, ele precisou de um músico que tocasse njarka num estilo diferente do dele.

Foi fácil encontrá-lo em Niafunké. O que faríamos se estivéssemos em Londres? Há, de facto, muito mais fácil acesso aos músicos.
Com a SYMMETRIC ORCHESTRA era logisticamente impossível trazer 20 músicos a Londres. Agora podemos trazê-los porque eles andam em digressão, mas naquela altura era difícil. Tínhamos de acabar também o disco do ALI e do TOUMANI. Não estava muito confiante que o pudéssemos terminar em Bamako. Mas o ALI sabia que iria concluir o disco. Mais do que eu ou do que o TOUMANI. Eu estava preocupado com o tempo que eles tinham para ensaiar o repertório e o ALI disse-me: – somos profissionais, não precisamos de ensaiar. Ele tinha razão. Tocou todo este repertório mandinga e surpreendeu o TOUMANI. Ele não sabia que o ALI tocava tão bem esses temas.
Cheguei a passar dois ou três dias em estúdio com o ALI e não surgia nada. No dia seguinte tinha 10 temas gravados. Com ele tínhamos de carregar no botão de gravação antes de ele começar a tocar. Tínhamos de estar preparados para ele.

Como está o processo da Fundação ALI FARKA TOURÉ?

De momento estamos num processo de discussão de ideias. Porque o ALI tinha muitos interesses e era conhecido por muitas coisas. Por atravessar fronteiras, por levar a sua música para fora do seu país, por modernizar a música das tribos sonrai e peul, por ajudar a região onde vivia. De momento, a Fundação está a ser criada e estamos a ver para onde caminhará. É o problema de trabalharmos em memória de alguém que tinha tantos ideais e interesses.

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