Entrevistas

[Entrevista GAITEIROS DE LISBOA]: “O nosso caminho natural é o do Mediterrâneo”

gaiteiros

@Mário Pires

Excerto da entrevista com CARLOS GUERREIRO que passou na emissão da Terra Pura de 19 de Junho 06

Na altura em que gravaram o disco, decidiram editá-lo através de uma editora estrangeira de modo a terem outra visibilidade. Entretanto passaram-se seis meses e o disco é editado através da Sony BMG. O que é que correu mal neste processo?

Carlos Guerreiro: O disco anterior foi editado pela Adufe, editora da casa, sem meios de promoção. Vendeu-se o que se vendeu, mas o grupo foi perdendo visibilidade. Uma editora é outra coisa, tem outra máquina a funcionar. Por outro lado, o nosso público, o público que nos entende como eu gostaria de ser entendido não está em Portugal. Vamos à Alemanha, à Holanda ou a França e temos pessoas sentadas a analisar atentamente aquilo que ouvem. Coisa que em Portugal não acontece. As pessoas gostam, batem palmas, dão pulos. Mas aquela nota que nós metemos lá, aquela subtileza, só nós é que sabemos e mais ninguém. Estivemos uma vez num festival da Córsega onde estavam os maiores craques da crítica musical francesa e os tipos vieram bater em todos os pontos que nunca nos tinham falado em Portugal. É outra coisa.
Daí todo este interesse. Já que não é de dinheiro que andamos à procura (claro que também gostamos de ganhar algum com isto), ao menos que sejamos reconhecidos a nível de prestígio e qualidade. Como tal demos prioridade à procura de uma editora estrangeira. Uma das editoras contactadas foi a Galileu [de Espanha] que nos enviou inclusivamente o contrato. Os contratos não são para assinar de imediato, são para estudar e reflectir e contra-propor. Como caímos na asneira de dizer que estávamos com pressa, eles disseram-nos: “ – Ou é assim, ou é melhor irem bater a outra porta”. Como tínhamos de facto muita pressa, apareceu a possibilidade da Sony e fomos por aí. Não está excluída a possibilidade de voltarmos à carga daqui por seis meses.

– Este contrato com a Sony é somente de distribuição nacional.

– Não tenho o contrato presente, mas acho que a Sony tem uma prioridade de seis meses para o poder distribuir no estrangeiro. Se não o fizer perde esse direito preferencial.

– De qualquer forma o disco sai a 26 de Junho. Acaba por ser um num tempo recorde.

– Sim agora estamos todos a correr. Vamos uma vez mais andar a correr e à pressa.

– O que é que o dia 27 nos reserva em termos de grandes surpresas? Presumo que haja dois convidados óbvios: Mafalda Arnauth e Manuel Rocha.

– Sim. E a grande surpresa que não entrou no disco. Aquele tema de homenagem ao Carlos Paredes [“Movimentos Perpétuos”] foi o Zé Salgueiro que tocou Xilofone, mas nem ele tem técnica para o tocar de uma vez só. O Xilofone é um instrumento muito complexo. O Zé Salgueiro é mais um percussionista rítmico do que um percussionista melódico. Não vamos fazer mal aquilo que poderia ser bem feito. Ele foi o primeiro a sentir isso, pegou no telefone e convidou o Pedro Carneiro. É uma máxima honra termos o Pedro Carneiro a tocar o tema do Carlos Paredes e, provavelmente outro da sua autoria. É um desperdício ter o Pedro Carneiro em cima do palco a tocar só um tema.

– O que é que falta aos músicos portugueses da área tradicional [que não interpretem fado] para vingar lá fora. Isto é, para tocar com maior regularidade, como certos fadistas?

Acho que o fado foi imposto. Não é nada contra o fado, acabei de compor um para este disco. É uma fama que vem de longe a de transformar o fado na música nacional. Isso foi uma coisa “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Ainda hoje e apesar de todas as campanhas que todos os músicos do país fizeram contra isso, sem que fosse uma luta contra o fado, faz com que o fado posto em competição com outra música tenha um peso desigual. Basta dizer que fomos nomeados para aquele prémio de World Music da BBC, conjuntamente com Madredeus e Mariza e é evidente que ganhou a Mariza. Independentemente do grande valor que ela tem, acho que ganhou por ser fado. Ainda hoje a Mísia vende um disparate de discos na Holanda. Acho muito bem que ela venda. O que lamento não é o facto de o fado vender por ser uma música particular, mas sim pelo simples facto de o fado ser fado. Isso faz com que haja uma certa cegueira em relação ao resto da música que se faz em Portugal. Cada vez que nós e outros grupos tradicionais portugueses saímos para o estrangeiro, vamos para um circuito. O circuito dos festivais daquele tipo de música e às vezes não é raro que os outros grupos que lá estão são muito piores que os portugueses. Muitas vezes não são os festivais da qualidade. São os festivais daquela música. Da música dos coitadinhos, muitas vezes. Acho que é assim mesmo. É tudo uma questão de marketing. Os grupos africanos estão extremamente na moda graças a uma máquina que os promoveu. Se tivéssemos máquinas em Portugal a promover a Ronda dos Quatro Caminhos, se calhar eles estavam lá em cima.

– Agora vou ser um bocado provocador. Não achas que os Gaiteiros de Lisboa podiam ser vendidos de várias formas? Quer como folk celta português, quer como folk mediterrânico?

Já sabes a minha posição em relação a essa história do folk celta. Não concordo muito. Mas acho que o nosso caminho natural é mesmo o caminho do Mediterrâneo, das canas do “harundo donax”, a cana com que se fabrica a palheta dos instrumentos que tocamos. Isso faz-me impressão por que já lá devíamos de estar. Tínhamos obrigação de já ter ido a não sei quantos festivais da Bacia do Mediterrâneo, sejam eles da Córsega, da Sardenha, do Egipto, do Algarve, de Marrocos…Acho que toda a nossa linguagem está para aí virada.
Acho que o nosso país andar de olhos postos nos celtas… eh pá! Acho que sim. Mas acho que isso vem matar também um bocado… acho que estes grupos que se dedicam à música tradicional portuguesa andam muito atrás de um modelo que não é o seu. O Mediterrâneo sim. Acho que nós e todos os grupos que tocam música tradicional portuguesa deveriam olhar mais para o Mediterrâneo do que para o Norte. Já bastam os Galegos com a mania que são Celtas.

Já bastam os galegos com a mania de que são Celtas.

Entrevista integral em versão mp3 (57 minutos, 80 megas), aqui

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