Reportagens

Bassekou Kouyaté: a vingança do n’goni

Ao primeiro dia, Bassekou Kouyaté e a sua orquestra de n’gonis ofereceram a todos aqueles que couberam no auditório do CAS, uma arrebatadora hora e meia de blues enraizados na história do império bamana, servidos por doses brutais de virtuosismo e um «groove» afro-funk omnipresente, complementado, por vezes, com ritmos avassaladores de «talking drum». Um dia antes, no curtíssimo «showcase» que estes malianos deram na Fnac do Colombo facilmente deu para perceber que eles respiram música, ou não fossem todos «griots».

Os largos sorrisos (e pequenos toques de pés) que trocam entre si (o rosto do percussionista do «tambor que fala» é tão irradiante como a luz de Lisboa). Os solos (nada, mesmo nada, onanimistas) se sucedem em catadupa. Quer através dos dedos mágicos de Bassekou, quer através da agilidade e rapidez de execução do seu sobrinho, Oumar “Barou” Kouyaté. A forma como os quatro tocadores de n’goni se alinham e se balançam em jeito de coreografia improvisada, quando o ritmo é mais intenso. A voz de Amy Sacko que parece discreta mas que, quando a canção pede, exibe toda a alma «jeli» (demonstrando muito naturalmente porque é considerada a Tina Turner do Mali).

No CAS houve tudo isto e muito, muito mais. Bassekou Kouyaté consegue num só espectáculo transmitir a energia rock, a alma do blues profundo de Segou (espiritualmente ligado ao blues de Niafunké de Ali Farka Touré a quem dedica “Lament For Ali Farka”) e, sobretudo, as histórias ancestrais de reis e guerreiros transmitidas oralmente de pais para filhos, como o blues de “Poyi” (um hino ao império Bamana); mostrar-nos a dimensão multi-dimensional do seu instrumento de eleição. Em termos técnicos, Bassekou está para para o n’goni como Toumani Diabaté está para a kora. Mas, mais importante do que a versatilidade deste instrumento (que também é o modelo de origem do desenvolvimento nos Estados Unidos do banjo e do bluegrass das montanhas apalaches), é a forma como ele concebe uma formação afro-blues-rock electrizante consituída com diferentes tipo de n’gonis que substituem as guitarras solo e ritmo e o baixo e percussões também elas rudimentares (cabaça e uma pequena bola de búzios) que asseguram a base rítmica produzida por bombo, tarola e pratos de uma bateria.

A noite de Bassekou só não foi perfeita, perfeita, porque foi partilhada apenas por algumas centenas de espectadores que se encontravam dentro e fora imediações do CAS. Estes malianos merecem ser brindados pelo fogo-de-artifício do castelo em 2009.

(c) Fotos: Mário Pires / CM Sines

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