Entrevistas

Hazmat Modine: América selvagem

wschuman260.jpgOs Hazmat Modine deram uma belíssima actuação na decima edição do FMM de Sines, extensão de Porto Covo. Wade Schuman, o mentor e o maestro desta orquestra que absorve as várias músicas afro-americanas (dos Estados Unidos às Caraíbas) desde o início do século XX à actualidade e as mistura com outras sonoridades que vão da folk das balcãs e da música klezmer ao canto gutural de Tuva, revela-se um músico com as raízes bem assentes no universo rural dos Estados Unidos, mas sempre atento às sonoridades dos quatro cantos do mundo. “Bamahut”, o seu álbum de 2006, é o resultado de um longo processo criativo edificado peça a peça (como uma cidade da Lego) em que Schuman foi requisitando músicos e adquirindo instrumentos raros à medida das suas necessidades. Urge ouvir o disco e, sobretudo vê-los novamente (ou pela primeira vez) em palco.

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– Os Hazmat Modine são um projecto que tocam não só múltiplas tradições da música negra americana de várias épocas (desde os anos 20, 30 até à actualidade), como também vão às Caraíbas, ao leste da Europa (sobretudo Roménia) e até mesmo a Tuva. Como é que esta banda foi formada, de forma a abranger todos estes estilos e épocas?

Muito simples. Basicamente toco a música que gosto. Gosto muito de diferentes estilos e sabores de música e de ver performances em que nunca sabemos o que vai acontecer. Mas tudo tem uma base: a música de raiz americana.

– Contudo, penso que o delta blues e a harmónica constituem o epicentro deste terriório alargado.

Sim. É a música de onde venho. É a voz musical que tenho. Toco harmonica desde os 10 anos, há 36 anos.

– Quem eram os seus heróis quando tinha 10 anos?

Ouvia muito Sonny Terry e música da pré-guerra, dos anos 20 e 30.

– Gravações do Alan Lomax?

– Não. O meu irmão mais velho que também é músico e exerceu em mim uma grande influência deu-me o álbum “Harmonica Blues” dos anos 20 e 30 da Yazoo Records. Tem muitos músicos actualmente pouco conhecidos. Neste período, as pessoas ainda não tinham rádio, os músicos tocavam muitos estilos. Não apenas blues, mas também música pop e de dança. Este CD tem DeFord Bailey, um músico negro que tocou no Grand Ole Opry [nr: famoso programa de rádio de música country que começou a ser transmitido a partir de 1925 na rádio WSM de Nashville, Tennesse]. Essencialmente tocava música country. Auto-intitulava-se de black hillbilly. Foi um dos maiores tocadores de harmónica. Este álbum tem também tocadores de harmónica de ragtime blues. É daqui que venho. Também oiço muito Paul Butterfield que se movimentava entre o blues e o rock’n’roll e tinha uma banda muita boa.

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– não toca apenas harmónica. Toca também «banjitar» e outros instrumentos raros de cordas…

Bom, sou um tipo que gosta de coleccionar instrumentos estranhos. Tenho uma «banjitar» mas em palco toquei «lute guitar». É um instrumento alemão com cem anos que comprei através da intranet, no e-bay. Gosto de ter sons diferentes. Esta é mais pequena, é fácil de transportar.

– Como é que encontrou a «banjitar» e a «claviola»?

Já vi que fez o trabalho de casa, não fez? A coisa engraçada do banjo é que há diversos instrumentos: de 4, 5, 6 e 8 cordas. Era o instrumento que se tocava antes da guitarra. Podemos ouvi-lo a longa distância. Gosto do som, é quintessencial no som americano.

– o banjo é fulcral na música negra…

É a génese da música americana. Atendendo à situação politica actual, se há algo de que nos podemos orgulhar da america, é da sua música. Temos conhecimento que muita da música é de origem negra. O lado genial desta música é a combinação das influencias africanas e das tradições ocidentais. Muita da música americana vem desse encontro afro-americano. Sejas branco ou negro, não podes escapar a isso. Também não podes escapar a isso se estiveres no resto do mundo. Onde quer que vás ouvirás jazz, r’n’b, soul.

– E como é que surgem as influências da folk da Europa de leste na música dos Hazmat Modine? Apesar de não terem tocado neste espectáculo cimbalom, há registo deste instrumento no último disco.

É, mais uma vez, influência do meu irmão. Ele toca piano e acordeão. Toca música romena e búlgara. Fala romeno e croata. Exerceu uma grande influência em mim. Mas penso que alguma da melhor música do mundo é feita nesta região.

– Na Transilvânia?

Sim. E nos Cárpatos, em Bucovina, no sul da Ucrânia. O cimbalom é dos instrumentos mais bonitos do mundo e a coisa engraçada é que nunca chegou à música americana. Penso que tem a ver com o facto de não ser muito prático a um imigrante trazê-lo para os Estados Unidos. Mas oiço dizer que seria um instrumento perfeito para tocar bluegrass.

– É tocado de forma muito rápida e técnica, sobretudo por pelo cigano hungaro Kálman Balogh.

claro que a música romena emprega muita coisa que ouvimos na música americana como glissandos e sincopação. Mas penso, como americano, não tento tocar música de outras culturas porque não o consigo. A música americana é algo que retira elementos a outras culturas e transforma-os em algo novo. Penso que o que faço é muito americano. Mas também não sou purista. Penso que os puristas geralmente perdem o ponto da questão. O ponto é a alma da música, não a sua replica. É como na música clássica. Não quero ser intérprete de reportório, quero fazer a minha música que seja real e ter a mente aberta para receber as mais diversas influências. Toda a gente na banda traz coisas em que nunca tinha pensado. Por exemplo, o Pete Smith que toca guitarra traz influências brasileiras e cubanas. O Joseph Daley (tocador de tuba) cresceu em Nova Iorque e toca com muitas bandas latinas que estão a aparecer.

– Ele aqui tocou Sousafone…

Sim. mas no disco toca tuba. o Sousafone é mais fácil de transportar.

– o Sousafone é mais fácil de transportar do que uma tuba?

Bom, a tuba que ele toca é enormíssima. Mas podes movimentar-te mais facilmente com o Sousafone. É melhor para estar em palco.

– É por isso que não tocam cimbalom ao vivo (pelo menos aqui)? É difícil de viajar com este instrumento?

Bom, trago oito músicos. Matavam-me se trouxesse mais um. Mas, no essencial, é que eles trazem os sabores latinos que não fazem parte do meu «background» musical. E é este encontro que faz com que a música dos Hazmat Modine seja mais rica. Procuro músicos que tenham um «background» diversificado, em vez de músicos que tenham raízes semelhantes às minhas.

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– Como é que surgiu o encontro dos Hazmat Modine com os Huun-Huur Tu de Tuva? Porque a editora alemã Jaro que edita o vosso disco também também editou material deles?

É um pouco ao contrário. Conheci os Huun-Huur Tu em 1993, numa festa em New Jersey. Tenho amigos russos muito chegados. Alguém os trouxe a esta festa quando eles fizeram a sua segunda digressão pela América. Gostei deles, da sua música. Toquei harmónica com eles nessa festa. Mantivemo-nos sempre em contacto. Disse-lhes que se formasse uma banda gostava de contar com eles. Pouco depois de fundar os Hazmat Modine, contactei-os e eles vieram a minha casa. Tocámos algumas canções antes de actuarmos juntos em Idaho. Uma das canções foi gravada na sala de minha casa.

– No FMM de Sines tocaram o tema «Nobody’s Loves You» sem os Huun-Huur Tu (como seria de esperar), mas pareceu-me que o Joseph tentou imitá-los com através do seu Sousafone…

Sim. ele põe ali os harmónicos deles. Tens de reenventar o reperótio para o tocar ao vivo. O CD é um produto meu, feito ao longo dos anos. Se sinto que necessito de um cimbalom, vou à internet ver se há alguém na zona de Chicago que toque esse instrumento. Contacto-o e ele concorda gravar comigo. Penso que o CD é uma forma de arte por si própria. As pessoas em casa ou no carro querem algo difente do que oferecemos num festival. Quando gravei o “Bahamut” ninguém conhecia a banda. Trabalhava sozinho. A banda tornou-se bem sucedida festivais há agora mais gente a ver-nos e a saltar connosco em festivais. Tocamos com uma atitude mais de banda rock. Abrimos mais espaços para os solos. No CD ninguém quer ouvir um solo de 20 minutos de tuba. Tento ser flexível na forma como vejo as coisas.

[fim]

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