DESERT BLUES 2
Vários Artistas
Network / Megamúsica (2xCD 2002)
O carinho demonstrado pelos lisboetas o ano passado a ALI FARKA TOURÉ, o sucesso da recente passagem dos TINARIWEN pelo nosso país, o desejo de muitos dos leitores deste espaço irem até ao Festival do Deserto de Essakane, levou-me a recuperar um texto escrito inicialmente em Março de 2003 – curiosamente o primeiro “post” da primeira versão do blogue Crónicas da Terra. DESERT BLUES 2 é, a par do primeiro volume desta série – DESERT BLUES – de compilações editadas pela “label” alemã World Network, uma peça-chave em qualquer discografia do norte de África.
As fronteiras impostas pelos impérios coloniais do Ocidente dividiram África em quadrados feitos de regua e esquadro, aos quais se dão o nome de países, mas não conseguiram diluir os laços familiares e culturais do sistema tribal. Os griots não são fenómeno exclusivo do Mali, extendendo-se toda a África Ocidental (Senegal, Gâmbia, Guiné). Tal como os tuareges, longe de habitarem países como Marrocos, Argélia ou Líbia, são um povo oriundo do extenso deserto do Sara. Neste “oceano sem água”, a música é vagarosa, escarna a pele e o osso, até à alma, dos blues man islâmicos que cantam a rebelião e o ostracismo de quem nunca conheceu fronteiras nem governos tirânicos. A música, além de refúgio, é um bálsamo para o espírito. Tem poderes curativos (gnawa) e une a diversidade tribal dos mandigas, fulanis e sonrais do baixo Sara, onde o Rio Níger fertiliza a terra árida e conduz-nos à África de floresta densa e tropical. Aqui o tempo é marcado pelo nascer e pôr do sol. O melhor é mesmo contemplarmos o elevado grau de pureza que possuem as vozes sarauis (TARTIT,AZIZA BRAHIM), os ritmos do wassolou (NAHAWA DOUMBIA) e as cordas acústicas de guitarra e cora dessa meca musical denominada Mali (BOUBACAR TRAORÉ, ROKIA TRAORÉ, HABIB KOITÉ, DJELIMANDI TOUNKARÁ), se possível acompanhado de um chá de hortelã e menta, num qualquer terraço com vista para o areal de perder de vista. Mas esta sequela (“DESERT BLUES”) da mais bem sucedida compilação da editora alemã Network, não esquece a contaminação ocidental fusionista. Apesar de se poder pensar o pior do raï, CHEB MAMI e KADDA CHERIF HADRIA apanharam as ondas jazzísticas do melhor que a tradição da cidade argelina e costeira de Oran. O lado da contaminação ocidental é ainda reforçado pela voz da etíope NETSANET MELLESSÉ, que brota das profundezas da África negra, para um ambiente de obscuridade inimista tão característico na música que imortalizou MAHMOUD AHMED.