Reportagens

UXU KALHUS: Não há Cinderela que resista

Os UXU KALHUS já gravaram (finalmente!) o seu disco de estreia. O álbum que se encontra neste momento em fase de abacamentos deverá estar disponível ao público daqui por duas semanas. Deixo-vos um texto sobre a primeira vez que assisti a um baile da “xucalhada”, em Janeiro de 2004.


(c)Mário Pires

É difícil um baile / concerto proporcionar tanto gozo à assistência de “pé de chumbo”. Quem está completamente fora do mundo das danças tradicionais, não está habituado a ver uma horda de gente a participar na dança, em roda, aos pares, a bater palmas no tempo exacto, sabendo exactamente o que fazer assim que escuta um passo doble, uma mazurca, um chote, ou um bourré.

Há-que dar os parabéns à organização Pedexumbo pela forma como ao longo desta última meia-dúzia de anos tem efectuado sucessivos workshops de dança em todo o país, organiza o Andanças e, acima de tudo, consegue de ano para ano alargar a legião de dançarinos que são, por si só, público mais do que suficiente em qualquer actuação de um projecto à imagem de uns UXU KALHUS, ou de uns AL-TAMBUR.

Curiosamente, partindo de um repertório comum, os UXU KALHUS encontram-se nos antípodas dos AT-TAMBUR. Enquanto estes últimos investem numa vertente de música popular a piscar o olho ao formato clássico de câmara, vestindo o fato e a gravata, os UXU KALHUS incorporam toda uma série de estilos provenientes da Índia, de África e da Jamaica, num tom fulminantemente informal, de indumentária “freak”.

Uma chotiça contaminada por dub, uma valsa em ritmo afro-mandinga com mantras indianos pelo meio, um saraquité afunkalhado, o “I will survive” de Gloria Gaynor cantado entre um passo doble, o “Misirlou” de Dick Dale, o “D’artacão” em versão thrash, entre mais uma dança europeia. Os coelhos que os UXU KALHUS tiram da cartola foram infindáveis numa noite, como sempre, em que o gozo de tocar, de transgredir é mais forte. Nem eles, nem nós, damos pelo avançar dos ponteiros do relógio. De repente reparamos que já passaram mais de três horas. Quase quatro. E acaba por saber a pouco. Nada de cansaço, somente sorrisos rasgados e a vontade de continuar. O capital de simpatia do colectivo é extremamente elevado: pela doce CELINA que nos encanta, ora quando interpreta “Saraquité”, “Erva Cidreira” ou “Regadinho”, ora quando acelera com o seu acordeão numa valsa e quando faz do seu instrumento uma melódica em cima de um ritmo dub; pelo PAULO PEREIRA e o seu virtuosismo em ralchpfeifen, aerofone medieval de palheta dupla e de sonoridade aguda a fazer lembrar uma bombarda bretã; pela mortífera secção rítmica afro indígena de NUNO PATRÍCIO, HUGO MENEZES e MIGUEL CASAIS; pelo groove e funk do baixo de EDDY CABRAL; pela guitarra eléctrica, estridente e propositadamente foleirona, de recorte hard’n’heavy, de VASCO CASAIS, que funciona bem no ambiente inflamado de declarada desbunda, questionável, contudo, quando transposto para disco.

É notável como o duo CPPP (CELINA / PAULO), a essência espiritual deste projecto que já vem de longe – dos próprios CPPP e de BAILIA – funciona tão bem com aquele bando de prevaricadores que conspurcam com ska, thrash e ritmos afro as lineares danças europeias e lusitanas, incitando-os porém, a fazer ainda pior. Fica a sensação de que eles, assim como os IRMÃOS CATITA, não querem ser levados muito a sério. Apenas divertirem-se em comunhão com a turba ágil e certeira nos passos de dança. Resta saber como será o álbum que se avizinha. Como conseguirão eles transpor toda esta folia, todo este gozo para uma rodela de plástico?

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