São um dos mais estimulantes projectos folk do Báltico e da Europa de Leste. Depois de terem estado no FMM de Sines e em Lisboa (Fórum Lisboa), a WARSAW VILLAGE BAND regressa a Portugal no próximo dia 22 de Julho. Constituem um dos principais motivos de interesse do cartaz de 2006 do Festival Raízes do Atlântico do Funchal. O sexteto polaco apresenta, mais uma vez, o seu terceiro álbum, “Uprooting” (distribuido em Portugal pela Megamúsica). Deixo-vos com um excerto de uma entrevista ao violinista Wojtek Krzak, realizada durante o FMM de Sines.
Tradição Musical na Masóvia
“Toda a música música na Masóvia é proveniente dos tempos medievais, mas os interpretes são católicos ortodoxos. Nunca pensaram em paganismo.
A vida social nesta terra era muito dura. A Masóvia sempre foi uma das partes mais pobres da Polónia. Por isso é que a sua música é tão dura e tão bárbara. As pessoas não tinham dinheiro nem oportunidade para ver se deslocar e para ver o mundo além Masóvia. Inevitavelmente, era uma sociedade fechada. É por isso que temos nesta área uma tradição à base do violino e da percussão porque eram os instrumentos mais baratos.
Na Masóvia, em celebrações como casamentos, o mais importante era o violino. Toda a gente podia tocar ritmos básicos de percussão. Não era tão importante porque toda a gente sabia como tocar.
Apenas vejo influencias medievais nesta música. O mesmo acontecia com o baixo. O ritmo era simples.”
O Mar Báltico
“Sempre houve muita influência da Suécia na Polónia, devido às sucessivas guerras entre ambas as partes. Há seiscentos ou setecentos anos atrás, um exército sueco ocupou parte da actual Polónia escutou a música da Masóvia e introduziram algumas das suas danças na Suécia. É por isso que os suecos têm na Suécia a Polska [que quer dizer polaco na língua sueca]. Há uma história incrível de invernos muito rigorosos. Nessa altura, o mar Báltico encontra-se completamente gelado e as pessoas caminham através do gelo. No meio do mar Báltico foi construído um bar que recebia pessoas oriundas de ambas as margens que cantavam e tocavam. Facto que explica toda essa troca de influências.”
“White Voice”
“A “White Voice” é a forma mais natural de canto na Polónia oriunda das montanhas. Toda a gente consegue cantar assim, seja na montanha ou na planície. É a maneira mais fácil de cantar. E a mais popular. Tem é de ser cantado bem alto e bem projectado.”
Tocar simples e de forma intensa
“Por vezes, quando oiço Ali Farka Touré a tocar njarka, isto é, um instrumento simples de apenas uma corda, sinto-o como se fosse o Jimi Hendrix. Não é preciso adicionar mais nada ao seu instrumento, à forma como toca. Esta é a maior força da Warsaw Village Band. Tocamos instrumentos esquecidos como a Suka polaca.”
A Promoção via BBC e WOMEX
“O prémio da BBC foi para nós uma agradável surpresa e, sobretudo, uma boa forma de promoção. Foi como uma porta de entrada para o resto do mundo, tal como a possíbilidade de tocarmos no WOMEX, Nunca pensamos em ser estrelas da “world music”, em tocarmos em grandes festivais. Há bandas que não tocam muito bem, mas tem um bom “background”. Nós estamos no início. Agora temos mais chances de tocar em várias partes do mundo.”
WVB em Sines [2004]: Bárbaros e Pagãos
Três vozes intensas e misteriosas cantando em uníssono em polaco, num ritual de chamamento a longas distâncias, como faziam no passado os pastores polacos. Dois violinos crepitantes que gelam o Báltico, unindo a Polónia à Suécia da “old fiddler tradition”. Um violoncelo tenso e incisivo, que dá o “drone” hipnótico à folk da WARSAW VILLAGE BAND. Um saltério menos onírico do que o dos suecos FRIFOT, mais ligado à terra e a grandes cavalgadas punk / hardcore. Uma “frame drum” tocado como se fosse um tambor xamânico dos Sámi e um “kit” de percussão simples, constituído por um bombo, um prato e (por vezes) ferrinhos, o quanto baste para que o som seco e rico em variações rítmicas – que fazem lembrar os ritmos das “brass bands” ciganas de leste – ganhe protagonismo. Há um nervo bárbaro e pagão aliado a um profundo conhecimento das tradições musicais da região da Masóvia, com um desejo de inovar, que torna WVB numa das mais frescas e interessantes propostas da folk (em confronto com o rock e a dança) do norte e do centro da Europa sedento de inovação, alinhando-a à movimentação “ethno-punk”, ao lado de HEDNINGARNA, GARMARNA, ALAMAAILMAN VASARAT, VASMALOM e BESH’o’DROM.
Sem recorrer a quaisquer instrumentos electrificados ou electrónicos em palco (coisa que já não acontece em disco), a WVB tocou quase sempre como uma banda hardcore, extremamente rápida na execução e na duração das composições escolhidas a dedo de “People’s Spring” (2002) e de “Uprooting” (2004). Arrebataram corações pouco sintonizados com a folk do Báltico, cumprindo plenamente o seu objectivo. O de chegar ao público mais festivo, à espera de se divertir, perdendo com isso o resto do repertório mais ascético e calmo. Curiosamente, foi num desses raros momentos contemplativos, apenas com a violoncelista e violinista (aqui, envergando um violino medieval “suka”) que a WVB se mostrou mais sedutora, quebrando o ímpeto repetitivo dos tiques punk (curiosamente, um dos percussionistas envergava uma t-shirt da banda hardcore D.R.I.) usados ao longo de quase todo o espectáculo.