Concertos, Entrevistas

Noa: as raízes e as antenas da música judaica iemenita

Achinoam Nini - «NOA»Achinoam Nini, comummente conhecida por Noa, é uma das artistas israelitas que melhor promove o encontro cultural entre os universos árabe e judaico. Para além de ser uma conhecida activista do direitos humanos e defensora da paz no médio oriente, no seu último disco, “Genes & Jeans”, parte em busca da memória dos seus antepassados que viveram no Íemen. Entre pop, arranjos minimais da escola nova-iorquina pelo marido Gil Dor, músicas circulares e acappela judaico-iemenitas, Noa traz este riquíssimo legado da música judaica que se desenvolveu num país árabe, a quatro palcos do nosso país: dia 7, no Centro Cultural de Ílhavo, dia 9 no Teatro das Figuras de Faro, dia 10 no Centro Cultural de Belém e dia 11 no Theatro Circo de Braga.

Noa, a nova-iorquina que aos 17 anos se mudou de Nova Iorque para Israel, onde viria a cumprir serviço militar obrigatório na banda do exército durante dois anos, falou com as Crónicas da Terra. Deixo-vos a primeira parte desta conversa realizada há já cerca de três meses.

– Será o título do disco «Genes & Jeans» uma metáfora para o ponto de equilíbrio entre o nosso DNA (Genes) e aquilo que adquirimos ao longo da vida (Jeans)?

Sim. Não podemos mudar aquilo com que nascemos, mas podemos escolher aquilo que adquirimos. Hoje em dia, muita gente no mundo escolhe usar «jeans», um símbolo de um mundo novo e livre. A primeira coisa que os imigrantes fazem quando vão viver para o mundo ocidental é vestirem «jeans». Isso liga-os a um lugar universal de um modo especial. Os «jeans» são também feitos de lona. Neste sentido, são também um símbolo da lona que o pintor usa ao pintar o retrato das suas vidas, as suas cores. Estas cores vêm dos seus «jeans», do seu sangue, do seu passado, da sua cultura, das suas tradições. Este é um importante ponto artístico de referência. Porque, neste álbum, houve também uma jornada de retorno à história, às raízes da minha família. Os meus antepassados vieram do Iémen para Israel ao virar do século XX, numa jornada difícil. Muitos anos depois de se terem fixado em Israel (a sua vida era muito difícil lá), a minha família veio para os Estados Unidos. É engraçado que Israel era a terra prometida para os judeus que viviam no Íemen, mas os Estados Unidos são também a terra prometida para a educação e a oportunidade. O meu pai era professor e o meu avô era negociante. Cresci na América. Até aos 17 anos vivi Nova Iorque, o que mudou a minha vida.

– Este disco é um olhar para as suas raízes cujos antepassados da sua família viveram num país árabe. Como é observa a ligação actual entre a música judaica e arábica? Na Europa medieval, a música sefardita era um ponto de união cultural entre judeus e árabes…

Há muitos exemplos ao longo da história de que os árabes e os judeus viveram juntos em harmonia, em vários períodos da história. Claro que a história de como chegámos ao lugar onde chegámos é longa. Há vários aspectos na pergunta que formulou. Sobre a música judaica do Iémen: os judeus sempre fizeram a sua própria interpretação da música local. Normalmente ligado com a língua que falam e com as escrituras sagradas. Por exemplo, na música judaica iemenita há canções na língua árabe iemenita e também canções em hebreu das escrituras sagradas. O que as separa em canções sagradas e circulares. Outra coisa única, é que os judeus acreditavam desde a destruição do Templo Sagrado, os judeus estavam pesarosos até este voltar a ser erguido. Aí não lhes era permitido tocar qualquer instrumento, pois isso é um símbolo de alegria. É por isso que esta música judaica iemenita é sobretudo accapela. O único instrumento permitido era um certo tipo de percussão que não é um instrumento em si, mas sim um objecto caseiro. Claro que esta música escutada por quem está de fora, soa totalmente arábica. Este é apenas um exemplo da profunda ligação que temos com a cultura árabe. No meu caso, é muito engraçado o facto de eu fisicamente parecer uma mulher árabe mas ser judia. Tenho uma amiga palestiniana com quem toco algumas vezes. Ela cresceu numa cidade árabe israelita, o pai é palestiniano, a mãe búlgara. Tem olhos verdes, pele mais clara. Quando estamos em palco ela parece-se mais com uma mulher judaica e eu com uma mulher árabe.

A situação actual em termos políticos é muito complicada. A religião tem um peso muito forte. Se fosse só em termos culturais, língua, comida, música, seria muito mais fácil. As semelhanças são muitas. A partir do momento em que a religião, honra, justiça, está envolvida, estamos em sarilhos. Porque os conceitos de honra e justiça sempre levaram o mundo ao caos, em vez de compaixão, entendimento, abertura de mente. Especialmente o fanatismo ligado com a justiça e honra leva-nos a um grande problema.

E, na sua opinião, como pode ser solucionado esse problema?

Com calma, com activismo de paz, diplomacia. Sobretudo com uma grande ajuda económica. São eles que têm o poder de dar às pessoas uma alternativa à violência e ao desespero. Se houver um grande investimento no desenvolvimento económico da região, mais diplomacia e interacção política usando a democracia para dar poder às pessoas que comunicam umas com as outras, mais a neutralização do fanatismo religioso, podemos seguir em frente.

[continua]

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