ALI FARKA TOURÉ
“Savane”
World Circuit / Megamúsica
Há algum tempo atrás, no norte do Mali, em pleno coração do Sahel, o agricultor ALI FARKA TOURÉ anunciou que abandonava as lides musicais para cumprir um desígnio maior. Conjugando provérbios e um enigmático sorriso aberto, tão desconcertante e peculiar como o seu estilo de dedilhar a guitarra, ALI explicou que a aridez da savana não dá tréguas: a terra deve que ser amanhada, os animais apascentados, a vasta família sustentada. Com os frutos da consagração internacional colhidos, incluindo um Grammy, e o reconhecimento nacional conquistado ambicionava regressar a sua casa e zelar pelos interesses da sua aldeia, Niafunké. Mas assim como o caudal do Níger não é travado pela secura sub-saariana nenhum voto seria suficientemente forte para conter a música que brota de ALI FARKA TOURÉ e, no ano passado, um novo disco em parceria com o amigo de longa data e génio da kora, TOUMANI DIABATÉ, foi brindado com novo Grammy e acompanhado pelo regresso aos palcos europeus no qual Lisboa foi agraciada numa noite de Verão memorável. Depois, um último silêncio que nem mesmo a teimosia pela qual recebeu o nome do meio venceria. Felizmente “Savane” estava em adiantada fase de conclusão.
Saído das mesmas sessões que originariam a parceria com DIABATÉ e o álbum deste último com a SYMMETRIC ORCHESTRA, “Savane” expande a produção deliciosamente rústica de “Niafunké”, que enformava as intrincadas malhas de guitarra com coros femininos, percussão e njarka (violino de uma só corda), recorrendo a um trio de tocadores de ngoni (um provável antepassado do banjo) mas também ao saxofone de PEE WEE ELLIS, colaborador de JAMES BROWN e VAN MORRISSON, e da harmónica de LITTLE GEORGE SUEREF. FAIN S. DUEÑAS, percussionista nos extintos RADIO TARIFA, fecha o rol de convidados. O resultado é uma derradeira colecção de blues assombrados pelos ventos do deserto redemoinhando histórias e personagens, cenas do quotidiano em Niafunké, visões sobre presente e o futuro do Mali e de África. E se a presença do ngoni e njarka plantam firmemente estas canções em território Songhai e Touareg, o que se pressente de imediato na entrada triunfal de “Ewly” e se confirma ao longo do disco e, em especial, nos magníficos “Banga”, “Machengoidi” e “Hommage a Annasi Coulibaly”, a verdade é que o saxofone e a harmónica pouco ou nada acrescentam à música primitiva de ALI. Mas também não a adulteram, fundindo-se discretamente na mistura final em “Beto” e “Njarou” ou estreitando ainda mais a afinidade com os blues norte-americanos na faixa de abertura e em “Ledi Coumbe” ou “Penda Yoro”. Foi sugerido que, desta forma, mais do que acusar influências externas ou procurar alargar a sua audiência no Ocidente, ALI estaria a reclamar o regresso da diáspora africana ao continente-mãe. “Savane” resolveria assim o permanente mistério sobre a génese da música de ALI FARKA TOURÉ. Estou certo que, pressentindo a nossa dúvida, ele responderia com um imenso, inescrutável sorriso: “C’est ça!”.
Cláudio Pedrosa