Depois de ter recuperado temas dos seus dois primeiros discos – “Angola 72” e “Angola 74” – no África Festival, BONGA KWENDA fará um balanço de 30 anos como músico no Coliseu dos Recreios. É já no dia 5 de Setembro.
Nasci em Coimbra, sou branca, quase fluorescente, tenho sardas e cabelo claro, nunca pisei o continente africano.
Apesar disso, o meu peito é angolano, tanto quanto o é português e o Bonga sempre fez parte da minha vida.
Os meus pais, ambos angolanos, assim como 95% da minha família, criaram-nos a feijão com óleo de palma, muamba, pirão, kizomba e Bonga.
Esse mesmo, o Bonga da “Mariquinha”, o da “Lágrima no canto do olho”, o Bonga que a década de noventa vendeu como um personagem piroso e foleiro, como uma espécie de Roberto Leal de Angola, mas que a história – bendita seja – trata agora de recuperar com o estatuto que ele nunca deveria ter deixado de ter. O estatuto do músico, do contador de histórias que se tornou símbolo da riqueza de um povo que nunca esqueceu a sua cultura (porventura o seu maior tesouro) apesar de décadas de guerra, de conflitos e massacres, de governos corruptos e interesses obscuro.
Foi com melancolia imensa que revivi, na Torre de Belém, a alegria da minha infância, dos Natais em família com a aparelhagem a debitar kizomba em volumes proibidos, a casa cheia nos domingos de muamba do meu pai e até dos seus momentos alcoólicos (na altura nem todos eram terríveis) que o faziam dançar com a minha mãe, os dois campeões lá em Luanda, lá na Caala, lá nas Angolas que os meus olhos não conhecem mas que o meu corpo adivinha desde que sou gente.
A minha raíz é aquela, o meu povo é Angola, o meu coração está lá, com aquelas pretas que abanam o rabo ao lado do Bonga, com aquela gente alegre que comunhou o regresso tão esperado deste homem singular.
O meu coração é gindungo, é pirão, é mandioca, é feijão e óleo de palma, o meu coração é Angola e em Belém o meu coração foi Bonga.
Durante a adolescência, e porque as relações familiares nunca foram muito fáceis, deixei de lado essa parte de mim enquanto me tentava descobrir noutros lugares, mas na magia dos sons de BONGA no África Festival, passados tantos anos, senti o arrepio da lembrança dos dias felizes. Senti-me em casa, rodeada pela minha gente. Pensei no meu pai, na minha mãe, nas minhas irmãs e nos meus avós e dancei, amigos, dancei muito.
A voz rouca do Bonga faz parte de mim e por isso, sou-lhe grata.
Dia 5 de Setembro, no Coliseu de Lisboa. Estou lá.