Discos

TARAF DE HAÏDOUKS: abelhas que voam por todo o planeta e que misturam o pólen musical que recolhem de diferentes flores

TARAF DE HAÏDOUKS
Band of Gypsies
(Crammed / Megamúsica)

Já estiveram em Portugal por várias vezes. Por onde passaram, deixaram imensas saudades. Vão estar nas celebrações do 30º aniversário da Festa do Avante. Uma festa imperdível, de acordo a qualidade do cartaz.

Depois de dez anos de intensas digressões à volta do mundo, a TARAF DE HAÏDOUKS (grupo de justiceiros) fez justiça pelas próprias mãos. Entraram pela primeira vez, de forma apoteótica na capital Romena, para gravar o seu quarto disco ao vivo. Uma super produção que demorou três noites, onde contaram com a presença de convidados especiais de vulto: a KOÇANI ORKESTAR BRASS BAND da Macedónia e o turco TARIK TYYSUZOGU. Quem conhece a Taraf de Haïdouks como referência incontornável da música cigana e da folk que sopra de leste, poderá minimizar tal feito. Apesar da banda criar simpatias com gente ilustre como o actor Johnny Depp, que chegou a pagar cerca de vinte mil contos (cem mil dólares) para os ver no seu bar Viper Club e com o estilista japonês Yamamoto que já vestiu todos os seus elementos, a TARAF DE HAÏDOUKS é praticamente desconhecida na Roménia. Se na era Ceausecsu, os músicos ciganos eram constantemente vigiados pela polícia política, para não cantarem as baladas medievais mitológicas que pudessem descrever actos heróicos de outrora e consequentemente desvalorizar a política comunista, hoje em dia esses mesmos ciganos que detêm o mais baixo nível de vida na Roménia, continuam a ser alvo de actos racistas generalizados. No entender da população branca, são eles os responsáveis pelo contínuo mau estar económico e social que o país tem sofrido nestes dez anos da era pós-Ceasusescu. As consequências variam: desde a impossibilidade de as crianças frequentarem a escola e outras instituições públicas, ao acto de fogo posto nas suas casas perpetrado pela população branca. Sem acesso à educação, as crianças ciganas de Clejani podem não saber ler e escrever, mas desde cedo aprendem instintivamente a tradição dos “lautari”. Afinal, é esta a forma mais eficiente de ganharem dinheiro em todo o tipo de celebrações: casamentos, aniversários, baptizados e funerais.

Bela Bartók poderá acusar os ciganos de corromperem a verdadeira folk dos camponeses da Europa de Leste. No entanto, a Roménia só tem de agradecer-lhes pelo facto de nunca terem parado de tocar e terem continuado a cantar clandestinamente (e a passarem de pais para filhos) as canções que Ceausescu proibiu e cujos registos magnéticos queimou, dando um importante contributo para a preservação de parte dessa cultura. Daí que tenhamos de concordar com a opinião do mestre da tabla indiana ZAKIR HUSSAIN quando diz que, sem os ciganos a história musical do nosso planeta seria diferente, comparando-os a abelhas que voam por todo o planeta e que misturam o pólen musical que recolhem de diferentes flores. Afinal, foram eles que transportaram da Índia o conhecimento de várias percussões, que se foram desenvolvendo com a diáspora cigana: a dumbak no Líbano, a Tar na Núbia ou a Darbouka na Turquia.

A TARAF DE HAÏDOUKS e o sublime registo “Band of Gypsies” acaba por fazer bom uso das palavras mobilidade, espontaneidade, diversidade, cumplicidade e despique que caracterizam cada concerto. O confronto entre gerações (a dos 70/80 anos e dos 20/30 anos) provoca a dualidade entre a balada cantada e sentida com a mesma mágoa do blues e as composições instrumentais tocadas a todo o gás, como se o pendular pendulasse (a cerca de 300 kms/h). O caldeirão de culturas consegue fazer aquilo que os diversos chefes de Estado não têm conseguido: unir toda a extensa região das Balcãs através da música – da Jugoslávia, Hungria e Roménia, até à Bulgária, Macedónia, Turquia – com o Norte de África. Todo o seu tecnicismo e improviso põe à prova a capacidade de criar empatia em qualquer palco do mundo. Sente-se que a TARAF DE HAÏDOUKS precisa do calor do público, como uma acendalha numa fogueira, para entrar em combustão e dar toda a energia e virtuosismo selvagem que têm e não têm. Além da capacidade que eles possuem de tocar todo o dia e toda a noite, visível há meia-dúzia de anos em Faro quando se encontravam em rodagem de um documentário sobre a banda, os treze elementos funcionam como uma equipa bem oleada, sem estrelas, cujo cúmulo da coesão é conseguirem mudar de contra-baixista a meio de uma composição, sem prejuízo para o espectáculo. A todas estas características visíveis aos olhos de quem teve a oportunidade de os ver ao vivo em Portugal, de realçar neste disco o duelo que a TARAF perpetua com a KOÇANI ORKESTAR, com as cordas dos romenos e os metais dos macedónios a amplificarem ainda mais o tom de êxtase selvático, mas puro das celebrações ciganas. Por tudo isto, a TARAF DE HAÏDOUKS tornou-se na principal embaixatriz da cultura musical da Roménia, para desgosto do cidadão comum deste país. A justiça feita por justiceiros tem destas coisas.

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