Obituários

R.I.P. Mercedes Sosa [1935-2009]

Mercedes Sosa

Faleceu na manhã deste domingo (e não sábado como alguns órgãos de comunicação social antecipadamente anunciaram), em Buenos Aires, «a voz da América Latina», vítima nos últimos dez dias de um agravamento do seu estado de saúde, causado por problemas renais e pulmonares. Débil condição física que já tinha impossibilitado Mercedes Sosa de participar na edição deste ano do Festival Med de Loulé.

Contudo, La Negra contou até ao último fôlego. Os seus mais recentes discos, «Cantora» (volumes 1 e 2), foram editados este ano e contam com uma série de colaborações com artistas latinos da América do Sul e de Espanha, como Shakira, Caetano Veloso, Joan Manuel Serrat e Jorge Drexler, entre outros. Obras que se encontram nomeadas para três categorias de Grammys Latinos, que serão atribuídos no próximo mês. Prémio, aliás, que Mercedes Sosa já havia arrecadado.

Na nossa memória ficará sobretudo a voz de contralto de uma indígena argentina e expoente máximo do movimento musical latino-americano da década de 60, “Nueva Canción”, que lutou contra a ditadura militar argentina (1976-1983) e que «deu voz aos que não tinham voz», imortalizando poemas e canções de Violeta Parra, Pablo Neruda e Víctor Jara. «Gracias à La Vida» por te termos conhecido.

Dado que a longa vida e riquíssima obra de Mercedes Sosa são apreciadas por alguns dos leitores habituais deste espaço convido-vos (alô Amália, Duda, Gaucha) a prestarem homenagem a esta alma imortal.

Mercedes, sempre Mercedes

Ouvi pela primeira vez Mercedes Sosa há cerca de 25 anos (estou velha). Apresentaram-ma amigos Argentinos em Moscovo, onde estudávamos. Desde logo me identifiquei com aquela voz quente, poderosa, doce, mas que arranhava a alma, não a deixava adormecer.

As primeiras canções que ouvi, já não me lembro quais foram, mas deram-me a vontade de indagar entre todos os que conhecia, se tinham mais e fui assim fazendo a minha colecção de cassetes: “La Maza”, “Volver a los 17”, “Jardin de la Republica”, “Las estatuas”, “Alfonsina y el mar”, “Soy pan soy paz”, “Estrella azul”, “Ojos azules”, “Años”, “Cancion de las cantinas”, “Luna Tucumana”, “Plegaria a un labrador” e tantas outras que fui aprendendo e cantando sozinha, com amigos, em festas. Umas alturas as de amor, outras as revolucionarias, mas Mercedes, sempre Mercedes.

Voltei a Portugal e ia mostrando as cassetes que arranjava. Alguns ouviam e gostavam, outros não entendiam, Talvez fosse a minha alma latina a crescer. O primeiro disco que tive foi “Gracias a la vida” um vinil ainda que a minha irmã mais nova me ofereceu, por saber desta paixão. Ouvi-o e ouvi-o vezes sem conta, assim como as cassetes que trouxe e viajaram por tantos países (algumas eram argentinas, outra colombiana, outra nem sei de onde). Davam-mas quando viam o brilho nos olhos, a atenção com que as ouvia e a emoção com que pedia: deixa-me gravar – fica com ela, depois arranjo outra.

Graças à globalização e à internet comprei uns e outros baixei-os.
Mais tarde, em 2002, consegui vê-la ao vivo numa quase vazia Aula Magna, mas não me importei. Cantei, chorei, calei. Ouvi-a e sonhei com o dia em que a veria num estádio argentino (La Bombonera, por exemplo) e cantaria em coro com outros milhares e a ouviria dizer: Gracias, les quiero.

Mercedes trouxe-me a vontade de conhecer mais da cultura e principalmente do folclore da Argentina e depois de outros países: Chile, Peru… Ouvir versões ou originais das canções que cantava. “Descobri” muitos outros cantores e/ou músicos porque fizeram duetos com ela (Teresa Parodi e o seu Pedro Canoeiro; Júlia Zenko e a melhor versão em espanhol de “O que será que será”; Antonio Tarragó Rós e Maria va). Comecei a gostar de ouvir Acordeão e apaixonei-me depois pelo Chamamé. Mais tarde cheguei ao Tango. Tudo isto culpa de Mercedes Sosa. Até ao rock argentino me levou depois de ouvir as suas versões de Charly Garcia.

Mas não pensem que sou daqueles fãs que de tudo gostam, não, não sou incondicional. Detestava ouvi-la cantar em brasileiro. Algumas canções como “Cuando tenga la tierra” irritavam-me.

No entanto de cada vez que a oiço, descubro alguma coisa que me tinha passado nas vezes anteriores. E lá encontro mais uma canção entre as mais de 400 que tinha (como disse num concerto, naquela maneira fácil com que falava com o publico: “amanhã vem outra vez e canto outras, tenho mais de 400 canções”) que passa a ser importante.

Mercedes acompanhou-me sempre nestes 25 anos, nos momentos alegres, tristes e sei que me seguirá acompanhando. Quando me apaixono e quando ódio, quando me solidarizo, quando luto e quando desmoralizo.

Mercedes Sosa é a artista com mais músicas na Banda Sonora da minha vida. Hoje, que já não está cá, dá-me raiva e cresce-me o egoísmo. Não sou capaz de pensar que estará cantando num sítio melhor. Penso que nunca mais a verei ao vivo, aqui ou quando for até à Argentina. As únicas frases que me dançaram na mente quando soube da sua morte foram de duas canções que estão no seu último disco “Cantora 2”: “Jamás te olvidaré” (Marcela Moreno) e “Maldigo el alto cielo que nos expropió tu canto” (versos de Joaquin Sabina)

Amália Oliveira

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4 Comments

  1. Calou-se este fim-de-semana a Voz da Argentina.
    A voz dos pobres, dos oprimidos, pelos direitos dos homens e das mulheres, da luta por uma pátria melhor
    Calou-se a voz de Mercedes Sosa, calou-se apenas, porque nunca se irá perder, não se vai esquecer, nunca irá deixar de ter o significado que sempre teve.
    Uma grande Sra. que eu infelizmente nunca vi ao vivo mas, à qual dediquei muitas horas.
    No dia em que faleceu estivemos a ouvi-la música atrás de música, no dia seguinte vi a noticia no jornal.
    Lágrimas quentes caíram dos olhos lindos de alguém que a adorava muitíssimo e por causa das duas eu fiz aquele blog.
    Que descanse em paz La Negra.

  2. Não tive ainda oportunidade de dizer o que sentí quando ouví a notícia da morte da minha querida Negra. Mas posso dizer que chorei, sim. Ela foi a minha companheira durante estes anos que levo fora de argentina, ela me trazia a alma do meu povo, pois ela foi, sem dúvida, mais que uma boa cantora a alma dos argentinos (todos), como ninguém mais foi. A música da Negra teve e tem na minha vida uma ligação aos meus sentimentos mais profundos, por isso eu não a esqueçerei. Que Deus te guarde grande Negra!
    Gaucha

  3. Nestes meses em que estive em Argentina, passei varias vezes na cidade de Mendoza pelo “canal Guaymallén” que leva água da cordilheira até muitas, muitas vinhas mendocinas. Ela escolheu que as suas cinzas fossem arrojadas neste local, tenho certeza…. para voltar a terra e converter -se em vinho (Malbec seguramente!!!) e assim permanecer com a sua gente. Me fez bem….ali passar, e saber que escolheste o lugar onde nasci para ficares por sempre, como no meu coração.

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