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Sofia Rei Koutsovitis: Entre Buenos Aires, Lima e Nova Iorque

Sofia Rei Koutsovitis
Sofia Rei Koutsovitis
Sofia Rei Koutsovitis

É nova-iorquina, latino-americana, argentina. Estudou jazz e técnicas vocais de improviso, mas tem os pés bem ligados à música tradicional da América do Sul. Tanto canta Fernando Pessoa no projecto Masada de John Zorn, como presta tributo a Chabuca Granda e à música afro-peruana, ao candomblé, à bossa nova, à cumbia colombiana. Recentemente editou o belíssimo álbum “Sube Azul” (World Village / Harmonia Mundi) que urge conhecer.

Mudou-se de Buenos Aires para Nova Iorque em 2005. Em termos musicais, o que é que aprendeu nesses cinco anos que não tivesse aprendido na Argentina?

Mudei-me primeiro para Boston onde obtive um Master no New England Conservatory. Foi uma experiência incrível. Primeiro, tive a oportunidade de estudar com fantásticos mestres como Charlie Banacos, Steve Lacy, George Rusell, Danilo Perez, Dominique Eade, George Garzone, Bob Moses, Jerry Bergonzi…. Foi aí que também conheci alguns dos meus melhores amigos e músicos com quem toco hoje em dia. Nos primeiros tempos em Nova Iorque, “livrei-me” da escola e aprendi estilos musicais até então desconhecidos. Não somente por questões de experimentação, mas sobretudo por questões de sobrevivência. Envolvi-me num número maluco de grupos com os quais aprendi imenso.

Sofia Rei Koutsovitis
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Referiu que em Nova Iorque existe uma cultural comum entre os músicos da América Latina e que isso é algo que facilita os pontos de encontro. O que é que partilha com esses músicos?

Nova Iorque é um sítio muito especial. Há músicos de todo o mundo em busca de oportunidades. A cena musical é muito interessante, hipercinética…  Relativamente à cultura latino-americana, existe um interessante fenómeno. Há pessoas de todo o continente latino-americano concentrados num pequeno território. Esse facto cria um sentimento de estarmos num continente latino-americano real, com uma cultura unificada, algo que não existe na realidade porque esse continente é muito diversificado. Mas Nova Iorque faz-nos acreditar que a América Latina pode ser isso.  Desde que me mudei para Nova Iorque, comecei a ser requisitada para uma série de projectos focados em música tradicional da Colômbia, Brasil, Argentina, Peru, Venezuela e experimentações que transformam esses estilos em algo fresco e novo. Estou muito grata a todos esses músicos e bandas que me ensinaram tantos géneros musicais diferentes.
Como nova-iorquina sente-se mais argentina e sul-americana? Será que o facto de viver em Nova Iorque lhe incute um redobrado interesse em explorar o folclore argentino como o faz em alguns temas de “Sube Azul”?

Bom, acontece frequentemente que quando te distancias da tua cultura, começas a apreciá-la muito mais. Mudei-me para os Estados Unidos porque queria aprender mais sobre jazz e técnicas de improviso vocal. E certamente que o consegui. Também toquei e gravei discos com músicos de jazz fantásticos como Maria Schneider, Geoffrey Keezer… Mas no fundo do meu coração, desenvolvi uma paixão forte por todos esses estilos sul africanos aos quais aqui estou exposta. Já estava familiarizada com a música argentina e brasileira, mas aqui aprendi sobretudo música do Peru e da Colômbia. Pesquisei estas músicas, aprendi os ritmos, estudei os artistas, os estilos vocais, o repertório. Agora estou a integrar tudo isso na minha música e posso ver isso de uma diferente perspectiva, muito diferente da que teria se tivesse permanecido em Buenos Aires.

É claro que o seu trabalho não poderia ser tão diversificado, repleto de estilos não argentinos (candomble do Uruguai, cumbia, bullengue, bossa nova, jazz) se tivesse permanecido no seu país, não é verdade?

Definitivamente.

Sofia Rei Koutsovitis
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Até que ponto o facto de trabalhar com músicos de nacionalidades diferentes da sua (sobretudo peruanos) ajuda-a a ter essa abordagem mais global?

Os músicos com quem colaboro têm trazido imensas ideias para o som dos meus projectos. É uma banda muito internacional que inclui alguns dos músicos mais talentosos da cena nova iorquina. Eles são americanos, argentinos, chilenos, peruanos, colombianos, mexicanos, israelitas. Cada um traz ideias, sons, grooves que aprenderam na infância, ou com que trabalharam ao longo de vários anos enquanto músicos profissionais em Nova Iorque. São bem versados num número considerável de estilos, da clássica ao jazz, à pop e aos géneros folclóricos. A música sai muito beneficiada com essa situação.

Porque é que a música peruana é tão importante no seu trabalho? Neste disco, “Sube Azul”, tocam instrumentos locais como cajita, quijada. Prestam homenagem a Chabuca Granda, Wilfredo Franco Laguna e Arturo Shutt y Saco Songs…

Quando me mudei para Boston, conheci dois músicos peruanos que me mostraram esse belíssimo repretório crioulo: Jorge Perez Albela e Jorge Roeder. Trabalhamos os três num outro projecto – Avantrio – que explora esta música num contexto diferente, mais rítmico, somente com baixo e cajon. Não há instrumentos harmónicos. Não consigo parar de ouvir… isso seduziu-me. Para mim, foi uma grande novidade, apesar de estar muito próximo do folclore argentino. Mais tarde, já em Nova Iorque, comecei com outros amigos a desenvolver um quinteto afro-peruano denominado Alcatraz. Fomos convidados para participar em octecto no Festival de Jazz de Lima. Ainda agora regressámos ao Peru onde tocámos num outro evento: International Cajon Festival. A ligação existe e torna-se mais forte de ano para ano. Adoro esta música. Admiro muito Chabuca Granda como cantora, compositora, poetisa. Foi uma grande inovadora da música peruana. A sua métrica, o seu ritmo é fantástico.

Sofia Rei Koutsovitis
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Neste momento trabalha integra também o projecto rotativo Masada de John Zorn. Como é que o conheceu? De que forma é que ele a influenciou neste seu projecto a solo?

Envolvi-me com os “Masadas” há cerca de um ano atrás, quando o John Zorn decidiu reformular o seu projecto numa formação a cappella feminina. Conhecia uma das vocalistas dos meus tempos de Boston, Ayelet Gottlieb. Estivemos também juntas num outro concerto com Bobby McFerrin denominado Instant Opera, organizado pelo Carnegie Hall Weill Music Institute. Foi assim que me envolvi com este grupo. MYCALE (o nome deste quarteto) é um projecto muito especial porque inclui quatro vocalistas que aparentemente não têm nada em comum umas com as outras. Somos todas vocalistas / compositoras oriundas de países diferentes (Israel, Marrocos, Estados Unidos e Argentina) e as nossas próprias bandas tocam música muito diferente. A música do John Zorn é fantástica. Fizemos os arranjos e usamos textos de diferentes fontes (Rumi, Fernando Pessoa, Heraclito, etc). Muita desta música influenciou certamente a forma como escrevo canções. E a forma como canto, também. Acabo a ouvir a cantar com mais melismas, como se estivesse a cavar raízes do médio oriente.

Como cantora argentina, como é que sentiu a morte de Mercedes Sosa?

Mercedes Sosa exerceu em mim uma grande influência. A minha mãe era uma grande fã. Por isso, cresci a ouvir a toda a hora os seus discos. Gostava de a ter conhecido pessoalmente. É muito triste receber este tipo de notícias. Gostaria de lhe fazer um dia um tributo à música que a tornou famosa.

Num mundo em que os direitos civis estão sendo postos em causa pela crise económica, por políticas sociais mais agressivas, de que forma fará sentido haver um novo movimento da “nueva cancion”?

Fará sentido se for um movimento esteticamente renovado. Os anos 70 acabaram. Este movimento desenvolveu-se em contexto de maus líderes políticos que promoviam extremisto, violência, regimes dictatoriais. Acredito que precisamos de uma renovação musical e espero que isso incuta também um novo tipo de liderança política. Algo que possa trazer uma verdadeira mudança e esperança numa sociedade mais inclusiva, num novo mundo mais pacífico.

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4 Comments

  1. Sofia Rei tem a versatilidade de uma borboleta em vôo, ao interpretar as passagens mais delicadas, ea força de um furacão, você move o estágio em que a dinâmica da canção pede. Ele sabe como se comunicar e pego fazendo-o participar do turbilhão que está acontecendo no palco. Ouça ao vivo a Sofia, com toda a sua gestão harmoniosa, é uma experiência que você vai querer repetir uma e outra vez!

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