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Mísia no Lux: «a intérprete é que tem de fazer o ambiente»

Mísia
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Mísia, cantora que mais caminhos paralelos ao fado tem trilhado, em Portugal, em França, ou em Espanha, actua hoje à noite no Lux. Momento único de escutarmos dois concertos num só espectáculo: o primeiro através de uma viagem onírica, imaginária, pelas ruas de Lisboa inspirada pelas gaivotas parisienses do Sena, em que escutamos fado em língua francesa com letra de Vasco Graça Moura ou uma morna escrita pelo alentejano Vitorino; o segundo mais todo-o-terreno por música turca, “enka” japonesa, mariachi, napolitana, flamenco e de revisitação de alguns dos monstros da indie pop anglo-saxónica: Ian Curtis e Nine Inch Nails.

Um espectáculo raro por uma intérprete que não tem actuado muito em palcos lisboetas enquanto residente em França. «Há cinco anos que não faço um concerto de fado com o meu grupo», afirma. «Antes fiz no Teatro Dona Maria o espectáculo do “Drama Box”, a Operita Maria Buenos Aires, produzida pelo Teatro São Carlos, fiz o meu repertório com orquestra sinfónica, fui convidada pelo Hélder Moutinho, no Castelo de São Jorge. Mas realmente não tenho estado muito por cá».

A digressão do álbum “Ruas” (de 2009) termina hoje no Lux. Um Espaço pouco comum para uma audiência de fado. Este facto pressupõe, por um lado que a sua carreira vai muito para além do fado, por outro lado, este disco é assumidamente para um outro tipo de público como se pode constatar na parte 2: “Tourists”.

Tenho um bocado de dificuldade em classificar o público de fado, porque acho que há pessoas que gostam de fado e de outras coisas. Mas tem toda a razão em dizer que, de todos os discos que fiz até agora, este é o que melhor encaixa no Lux. Porque é um álbum duplo e o segundo disco tem guitarra eléctrica. Também tem a ver com um certo trabalho de “guerrilha”, de ir a outros lados buscar público para o fado. O intérprete é que tem de fazer o ambiente. Mesmo que se cante no meio da rua, deve-se poder cantar música litúrgica e vice-versa. Tem a ver com isso. Com fronteiras pouco definidas sempre naquilo que eu faço.

Este extravasar de fronteiras ainda nos remete para a década de 90 em que a Mísia e o Paulo Brangança trouxeram toda a subversão para o fado, quando se começou a falar do “novo fado”. Esta sua forma de estar no fado não terá também um papel de dar uma alfinetada às novas vozes para que eles sejam também um pouquinho mais subversivos?

O que eu faço é muito solitário e pessoal. Não tenho nenhuma intenção em mostrar caminhos. Quando fiz o meu primeiro disco escreveram que era a primeira experiência de “novo fado”. Claro que quando o fiz não estava a pensar nesses termos. Nem agora. Cada pessoa sente onde é que pode cantar. Não há uma obrigação de ser-se subversivo porque se é jovem. Eu gostaria muito que houvesse um bocadinho mais de subversão na nova geração, mas isso é uma opinião pessoal. Há excelentes vozes e parece que é suficiente. Não é uma crítica, é uma constatação. Cantar fado no Lux também tem a ver com o público de fado que é agora muito mais jovem. Tenho notado que há um interesse no meu trabalho por parte de um público muito mais jovem.

O espectáculo de hoje terá duas partes distintas? Uma dedicada a Lisboa e outra dedicada aos turistas?

Exacto, este espectáculo segue o disco. Não costumo fazer intervalo e neste caso irei fazê-lo. Haverá uma primeira parte com o “Lisboarium” com o fado, as marchas, a morna, um vestido desenhado pelo Story Tailors onde vou desfilar com um chapéu com vaso e manjerico que é uma pequena cápsula de café da Nespresso. Os Story Tailors criam um universo fantástico. Na segunda parte, depois do intervalo, chego ao palco como turista, com a minha mala, a minha máquina fotográfica para fotografar os músicos, o palco, as pessoas. A partir daquele momento somos todos turistas do mundo, turistas da vida e então entra também em cena o Geoffrey Burton que toca também o Iggy Pop.

Excerto de uma entrevista que irá passar na íntegra no programa de rádio Terra Pura, na próxima segunda-feira.

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