Festivais

Carlos Bartilotti: “O Ollin Kan é uma saga de resistência”

As “culturas em resistência” do Ollin Kan celebram-se este fim-de-semana (de 22 a 24 de Julho) na Casa da Música do Porto com um cartaz robusto, anti-crise: Rakia (Portugal), Sur le Niger (Cabo Verde/Mali), Watcha Clan (França), Jaune Toujours (Bélgica), Dj Chris Tofu (Inglaterra), Sofiane Hamma (Argélia), As 3 Marias (Portugal), Chico Trujillo (Chile), La Mojarra Electrica (Colômbia), Dj’s Tommi & Barrio (Holanda), Sver (Noruega), Johanna Juhola (Finlândia), Terrakota (Portugal), Retrovisor (Colômbia).

Programador e representante da extensão portuguesa do Ollin Kan, Carlos Bartilotti explica como é que um festival de culturas resilientes podem manter-se à tona, a salvo de todo o tipo tubarões da indústria musical.

– num contexto económico actual, “culturas em resistência” não será um conceito ainda mais abrangente do que “world music”? Não poderemos chamá-las de “culturas resilientes” (ou em sobrevivência, mantendo-se à tona de água enquanto não se afogam)?

– Porque não??? É muito bem observado. O próprio percurso dos grupos que participam no Festival, é desde já, um caminho de resistência, de recusar morrer. São histórias de sobrevivência quotidiana, do exemplo de não desistir. Há grupos que foram perseguidos por defenderem intransigentemente a liberdade, tomando posições contra ditaduras, fundamentalismos religiosos, práticas culturais bárbaras como a excisão sexual feminina.

A própria história de vida do Festival é uma saga de resistência contra em primeiro lugar a desconfiança de se fazer um Festival que tem uma missão claramente definida e que apresenta um manifesto. De uma forma muito resumida é um festival que se apresenta como uma alternativa aos mercados sufocantes e massificados, que apresentam uma lógica meramente lucrativa e que replicam no fundo toda uma teoria financeira de lucro imediato, de qualquer forma e a qualquer custo. Os péssimos resultados estão agora à vista, com o que chamamos  a crise financeira mundial e que não é mais que o maior roubo da história mundial. O nosso Alves dos Reis ao pé destes senhores de colarinho branco, foi um aprendiz de feiticeiro.

A comunidade musical tem vindo lentamente a tomar consciência do seu papel nos mercados e na indústria cultural. Começa a perceber que a sua criação artística foi apropriada durante muito tempo pelas “majors” em todos os sentidos: editoras, distribuidoras, agências, produtoras e supermercados culturais, que no contexto da globalização cultural acabaram por massificarem a música, formatando-a, apropriando-se dela através de contratos leoninos que acabaram por explorar os músicos e disvirtuar a própria criação artística.

É neste contexto que surge o Festival Ollin Kan, das culturas em resistência, que identificando o paradoxo da globalização cultural, constacta, que é possivel apresentar uma alternativa através de grupos que apresentando uma forte identidade cultural, apresentam a diferença, o que os torna verdadeiramente interessantes a todo um público que também tomou consciência da monotonia que é um Mundo todo igual, determinado por meia dúzia de poderes políticos e económicos que tiveram a ilusão que poderiam determinar os nosso gostos e as nossas escolhas. Esse mundo está no principio do fim, simplesmente porque as pessoas estão fartas de serem calcadas e que as considerem “burras”.

A identificação com esta “visão do mundo” aumenta a cada dia que passa. O “marketing cultural” deste Festival passa por essa identificação e essa partilha. Queremos que todos façam parte deste movimento que contribua para um mundo melhor através da cultura. Neste Festival, o princípio da reciprocidade está sempre presente. Nós podemos contribuir para uma maior conhecimento e divulgação dos grupos que apresentámos. De uma forma muito informal criámos os nossos meios de circulação artística.

Os grupos, por sua vez, ao se inteirarem da missão do Festival, ajudam na promoção, procuram apoios junto dos seus países para viabilizarem a sua presença, nomeadamente através do pagamento dos custos de transporte. São sensíveis ao nosso parco orçamento e reduzem os seus cachets. Compreendem-nos e estão connosco, porque afinal este projecto é de todos e para todos. Por último, o público que tem connosco uma relação de enorme proximidade, pois também querem pertencer e participar nesta Festa Global que promove a diferença.

– O Ollin Kan mudou-se de Vila do Conde para a Casa da Música no Porto mas parece que o formato não sofreu grandes diferenças. Continuam a realizar-se cerca de 4 concertos por noite. Há, contudo, agora o dobro dos palcos. O que é que vai ser permitido fazer agora que ainda não tinha sido feito?

– Mantivemos o mesmo formato de 4 concertos por noite e acrescentamos um espaço informal, de copos :), animado com Dj’s, que permite que a seguir aos concertos se possa fazer a digestão dos mesmos, falar, confraternizar, conhecer, divertir.

Achamos importante apresentar sempre grupos portugueses e apresentaremos um por dia.

Alargamos este ano o Festival a um ciclo de conferencias e debates: 22 de Julho das 17:00 às 19:00 – A Internacionalização da música portuguesa; 23 de Julho à mesma hora – Alianças e redes de Festivais; 24 de Julho à mesma hora – Circulação artística: Nacional e Internacional.

Criámos uma residência artística denominada “CASA OLLIN KAN” e convidamos o Bilan de Cabo Verde e o Madou Diabate do Mali a trabalharem um projecto que depois apresentarão em primeira mão no dia 22 de Julho chamado “Sur le Niger”

– O Ollin Kan irá continuar na Casa da Música?

– Para já é ainda uma incógnita. Tudo irá depender da resposta do público à nossa programação e às nossas propostas. Por questões de falta de financiamento tivemos de mudar o local do Festival, Vila do Conde, e o modelo de gestão. Anteriormente, o Festival era gratuito e agora tivemos de optar por um modelo misto em que o primeiro concerto diário é gratuito e depois há um bilhete diario de 10 euros para os restantes concertos. É esse o financiamento do Festival, mais um apoio pontual que recebemos da DGARTES.

Os patrocinadores que aparecem em alguma publicidade e promoção do Festival e que são marcas muito conhecidas, resultam do financiamento privado da Casa da Música. São os seus mecenas e como tal aparecem, mas não contribuem com financiamento directo ao Festival, resultam da co-produção com a Casa da Música, que disponibiliza todos os espaços, mais a sua máquina de produção técnica e a componente de marketing e comunicação.

O financiamento do Festival é determinante para a sua continuidade. Não estaremos, no entanto, à espera que o dinheiro nos caia do céu. A seguir ao Festival, vamos para o recato do Douro, realizar uma balanço do OLLIN KAN , com os nossos parceiros e vamos avançar com outros OLLIN KAN, na Europa, em França e Noruega, de forma a trabalharmos de uma forma organizada em rede e podermos utilizar financiamentos da União Europeia. Penso que essa dinâmica em rede é a chave para a consolidação e crescimento do Festival

– Quando o festival Ollin Kan (com origem no México) chegou a Portugal, havia o propósito de o levar a outros países. Criou entretanto laços com o Mali. Como tem sido essa relação? De intercâmbio e criação de projectos musicais transnacionais?

– A nossa relação com o Mali é em primeiro lugar o resultado de uma profunda amizade e respeito por este grande País Africano. Estabelecemos uma enorme “cumplicidade” com o director do festival Sur le Niger, Mamou Daffe. Esta nossa relação permitiu em 2011 o convite ao músico cabo verdiano Bilan, que está radicado no Porto, para realizar uma residencia artistica com músicos do Mali e onde surgiu, posteriormente, a ideia do projecto Sur le Niger.

Logo no primeiro dia, em Bamako, o Bilan diz-me esta piada privada: “É a prmeira vez que estou em África”. A energia avassaladora que emana do Mali, altamente contagiosa, era a razão deste comentário do Bilan. Realmente, a enorme riqueza cultural e os incriveis músicos do Mali, incendiaram Bilan, que rapidamente se libertou dos formalismos europeus e imediatamente se reencontrou com a Mãe África. Nos encontros que o Festival no Mali proporciona, tudo é possivel…e Bilan encontra Madou Diabaté, da dinastia Diabaté da Kora, família griot que há 68 gerações vai passando os “segredos” da Kora e cujo nome mais conhecido é o seu irmão mais velho Toumani Diabaté.

Houve uma empatia imediata e uma química musical perfeita. Estavamos a viver um momento único e não podiamos desperdiçar a oportunidade. À porta do nosso quarto do Motel Savanne em Segou, pedimos emprestado um computador MACPRO, 3 micros e uma mesa de 8 canais e gravamos no programa Garage Bands, uma maquete de 5 temas do Bilan, só com guitarra, voz e kora. Foi um momento mágico…gravamos de um folego só , ao primeiro take. O Madou Diabaté não conhecia os temas e só disse. “Bilan, não te preocupes que eu sigo-te”. É por momentos destes que vale a pena estar na música. Foi sublime. Colocamos o resultado em www.myspace.com/surleniger

Estava em presença de um diamante em bruto e de uma criação musical única. Era importante desenvolver este projecto que resultou de um encontro fugaz de duas horas. O OLLIN KAN PORTUGAL, vai proporcionar este reencontro e a gravação ao vivo deste projecto no dia 22 de Julho na Casa da Música.

– Como tem sido a vossa contribuição de internacionalização da música portuguesa, nomeadamente no México e no Mali?

– Esta nossa relação com estes dois países, permitiu levar ao Mali, em 2010, o grupo Atlantihda e em 2011 o músico cabo verdiano Bilan, que foi expressamente convidado para realizar uma residencia artistica com músicos do Mali e onde surgiu a ideia do projecto Sur le Niger.

Quanto ao Mexico, desde a presença de Galandum Galundaina, em 2005, o caminho ficou aberto para a presença em 2007 de uma enorme embaixada musical portuguesa: Dazkarieh, Galandum, Lumen, Marenostrum, Musicalbi, Manuel de Oliveira, A Musa ao Espelho, Margarida Guerreiro e Custódio Castelo. Para além de uma mostra curtas de cinema português organizada pelo Festival de Curtas de Vila do Conde. Em 2008, Fadomorse e em 2009 Frei Fado d’el Rei.

– O Ollin Kan tem tido igualmente uma importante ligação com os países nórdicos, nomeadamente com a Noruega e com o Festival de Forde que é vosso aliado. Mas parece-me que esta relação tem proporcionado maior presença de artistas escandinavos em portugal do que artistas portugueses  na Noruega. Estarei certo?

– É como dizes, Luís. Basicamente, porque a Noruega tem excelentes programas de apoio à internacionalização da música norueguesa e não só. Também, generosamente, apoia grupos estrangeiros que tenham como base a Noruega, numa verdadeira promoção à interculturalidade

Este ano, o Festival Forde tinha como tema “as mulheres” e na sua programação incluia a Ana Moura.

Enquanto Portugal não definir um importante programa de apoio à internacionalização da música portuguesa todo o intercâmbio e divulgação se torna mais dificil. Bastava pagarem os bilhetes de avião, ou até assegurarem um protocolo com a TAP que, para já, ainda é do Estado, para a presença de grupos portugueses no estrangeiro se multiplicar exponencialmente… Afinal não é uma das metas do Governo aumentar as exportações???

Enquanto se desviarem os nossos escassos recursos económicos, para o velho provincianismo saloio tipo ALLGARVE, continuaremos com sérias dificuldades de internacionalização.

– O Ollin Kan tem promovido a criação de projectos musicais entre músicos de diversos países. O ano passado o encontro entre portugueses e mexicanos, este ano entre um caboverdiano residente no porto e um griot maliano. Que futuro poderão ter estes projectos depois de actuarem no festival? Poderemos esperar a edição de algum disco de Seistanto Mundo ou Sur Le Niger?

– Já está em parte respondido anteriormente. Sur le Niger, vai ter gravação ao vivo dia 22 de Julho e consequente edição. Será a primeira com o selo OLLIN KAN.  Esperemos que a segunda seja SEISTANTO MUNDO, no México, com a presença de Celso Duarte e de num tema da voz de Lila Downs. Estamos abertos a novos projectos e novas ideias. É disto que vive o OLLIN KAN.

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